Bioestatística

Authors

  • José Fausto de Morais Matemático, Mestre em Estatística Aplicada (EST-Unb), Doutorando em Estatística (IME-USP), Prof. da Universidade Presbiteriana Mackenzie e Consultor de Bioestatística.

Abstract

Discutindo a Estrutura de um Trabalho Científico


No nosso último artigo, publicado na Revista Estima, discutimos alguns conceitos básicos para o entendimento do método estatístico, o qual confunde-se com o próprio método científico. Neste artigo, iremos discutir a forma como apresentar uma dissertação (produto final de curso em nível de mestrado) ou tese (produto final do curso de doutorado ou pós-doutorado).A diferença entre os dois trabalhos reside no fato de a tese ter de apresentar um tema inovador e constituir autêntica contribuição científica, enquanto tal exigência não precisa ser aplicável à dissertação. Para melhor trato do assunto, iremos designar por “trabalho científico” a dissertação ou tese.Partes de um Trabalho CientíficoGeralmente um trabalho científico é dividido, minimamente, em: Capa, Folha de Rosto, Resumo, Abstract, Sumário, Introdução, Referencial Teórico, Procedimentos Metodológicos, Resultados e Discussão, Conclusões, Referencial Bibliográfico, Apêndices e Anexos.A divisão apresentada, todavia, pode sofrer algumas variações, com o propósito de refletir a “assinatura metodológica” da instituição que produziu o trabalho. Assim, nos trabalhos desenvolvidos por diversas unidades da USP, o Referencial Teórico é incorporado na Introdução e os Objetivos constituem uma unidade à parte. Os Procedimentos Metodológicos são designados por Casuística (notação ou registro de casos observados em qualquer série recorrente) e Métodos e a parte de Discussão ganha capítulo próprio, além de haver um desdobramento da Conclusão que dá origem ao Capítulo de Recomendações.Não existe “melhor” modelo de partição de um trabalho científico e mesmo do conteúdo que cada parte deve apresentar. Nos trabalhos que temos orientado, nas áreas de gestão e da saúde, adotamos o seguinte norte:IntroduçãoNossa Introdução é dividida em Tematização (na qual são apresentadas as variáveis ou os constructos que integram o problema de pesquisa e as situações motivadoras para o estudo do mesmo); Problema de Pesquisa (o problema é apresentado no formato “está correlacionado” ou “influi” junto com a definição operacional das variáveis ou dos constructos envolvidos); Objetivo Geral (forma afirmativa para o problema de pesquisa inicializado por um verbo no infinitivo que exprime uma ação avaliável que irá definir o nível de aprofundamento do estudo); Objetivos Específicos (os quais definem as partes do trabalho e que podem ser reduzidos a: proceder à revisão da literatura sobre o tema; caracterizar a população-alvo de investigação eestudar a existência de correlação ou efeito entre as variáveis envolvidas). A última parte que temos adotado para a Introdução é a Justificativa para a escolha do tema. As cinco partes de nossa Introdução não são apresentadas em forma de tópicos, mas em texto corrido.A divisão da Introdução supramencionada não é regra, mas sugestão. O fundamental é que a Introdução contenha os objetivos ou o problema de pesquisa, além da tematização e justificativa.Procedimentos MetodológicosOs Procedimentos Metodológicos devem apresentar o desenho do experimento que será usado na investigação do problema. Nos nossos trabalhos, incorporamos a estrutura sugerida por diversos textos e chegamos ao seguinte partição (o qual é apresentado em tópicos): (1) Tipo de Pesquisa, (2) Método de Pesquisa, (3) População-alvo, (4) Amostra, (5) Variáveis, (6) Instrumento de Coleta, (7) Procedimentos de Coleta, (8) Procedimentos de Análise, (9) Limitações do Estudo.A discussão sobre taxologia e metodologia das pesquisas, bem como sobre instrumento, procedimento de coleta e de análise, será feita em artigo próprio. Para discussão sobre populaçãoalvo, amostra e variáveis recomendamos os nossos artigos anteriores.Nos modelos que temos trabalhado na área de saúde, os itens “Local de Pesquisa” e “Aspectos Éticos” têm sido incluídos nos Procedimentos Metodológicos, sendo que nas teses de doutorado é comum a inclusão do item “Hipóteses” entre os itens “Variáveis” e “Instrumento de Coleta”. Na verdade, é sempre recomendável a inclusão do item “Hipóteses” em teses de doutorado.Resultados e DiscussãoOs resultados poderão ser apresentados em Tabelas, Gráficos e Medidas Resumo. É conveniente que seja feito um pequeno texto para introduzir as tabelas ou figuras e, após cada tabela ou figura, seja apresentada a discussão da mesma.Uma boa ordem de apresentação é: descrever o que a tabela exprime de mais importante, o que os autores notáveis na área de investigação de seu problema de pesquisa falaram a favor dos resultados observados e o que falaram contra.Quando o assunto é novo, geralmente devese compensar a falta de “cumplicidade” ou “crítica” científica da literatura com argumentos lógicos o suficiente para darem sustentação à sua possível conclusão. Em suma, na sua discussão deve-se ouvir o que denominamos as três vozes da ciência.A forma como as tabelas, os quadros e as figuras devem ser apresentados está sugerida pela ABNT. Quanto à questão dos gráficos, recomenda-se que se use histograma somente quando as variáveis forem quantitativas; gráfico de linha para representar séries temporais e gráficos de pizza ou barra para exprimir variáveis qualitativas.É óbvio que a tabela concentra mais informações do que o gráfico, todavia, na apresentação do trabalho, o gráfico tem a função de manter a atenção dos assistentes, devendo-se evitar cores hipnóticas ou irritantes.Convém observar que a ABNT registra o termo Figura para referir-se a gráficos, diagramas, fotos, etc. Uma regra prática para utilizar a terminologia é lembrar que, se a ilustração não é Tabela nem Quadro, ela só poderá ser Figura.ConclusãoConstitui a revelação objetiva do que foi descoberto ou reforçado pelo pesquisador. Uma boa conclusão começa lembrando o objetivo geral do trabalho. Ela deve estar conectada com os conceitos e as teorias tratados no referencial teórico. O destaque da contribuição que o trabalho dará à ciência é imprescindível e é conveniente que se apresentem sugestões para futuros estudos.Considerações GeraisUm trabalho bem estruturado não deve esconder a sua qualidade temática. Não será com o uso de técnicas sofisticadas e, por vezes, aplicadas de forma inadequada que se terá um bom trabalho. Não se “encomendam” tratamentos estatísticos simplesmente pelo fato de eles terem sido usados em artigos que motivaram o trabalho. Os dados, como os pacientes de um médico, sugerem o melhor tratamento e, dependendo dos dados, muito se pode fazer sobre a mesma base.O aprofundamento da análise pode definir o nível do trabalho. Por exemplo, estamos trabalhando em um projeto sobre dois conhecidos constructos em que será gerada uma base de dados que irá produzir cerca de 60 trabalhos:1. a descrição dos respondentes nos vários estratos trabalhados irá gerar vários trabalhos de conclusão de curso de graduação;2. a análise da validade do instrumento para os estratos populacionais trabalhados irá gerar várias dissertações de mestrado;3. a identificação de agrupamentos de respondentes e a correspondente análise discriminatória desses agrupamentos irão gerar outras dissertações de mestrado (ou teses de doutorado) e4. a descrição conjunta dos respondentes, a análise da validade do instrumento para a população global, a sugestão de um índice, a análise da existência de correlação, associação ou efeito poderão gerar algumas teses de doutorado ou de livre-docência.A explosão de informação ocorrida após os anos 40 e o desenvolvimento da informática e da internet resultantes dos esforços de guerra deram origem ao que se costuma denominar a era da informação. Em muitas áreas, o número de periódicos chegou a crescer até 20 vezes no período. Somente a área da saúde produz anualmente algo em torno de 10 milhões de artigos em todo o mundo científico.Os números sugerem baixa probabilidade de se produzir algo absolutamente inédito. Eles justificam o crescimento das replicações de estudos a novas realidades, o que acaba por constituir contribuições autênticas.Em vista do exposto, o pesquisador deve intuir que todo trabalho científico tem o seu valor na medida em que ele pode sugerir estudos e confirmar integral ou parcialmente, ou não confirmar, conceitos e teorias tratados no referencial teórico. Na pior das hipóteses, esses estudos podem servir para alimentar futuras metanálises.No ano que se inicia, estaremos reformulando o nosso site de modo a prestar alguns serviços de consultoria on-line aos nossos leitores, os quais poderão conhecer um pouco mais sobre as atividades do estatístico, que há 300 anos ficava carregando caixão, do probabilista, que dava água para os cavalos, e do matemático, que ficava nas universidades tendo o maior desprezo pelos estatísticos e probabilistas. Não tenho dúvidas de que, hoje, o quadro está quase completamente invertido.

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Published

2003-09-01

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1.
Morais JF de. Bioestatística. ESTIMA [Internet]. 2003 Sep. 1 [cited 2024 Dec. 22];1(3). Available from: https://www.revistaestima.com.br/estima/article/view/133

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