Revisão 1

Authors

  • Karine Azevedo São Leao Enfermeira. Doutoranda do Programa de Enfermagem na Saúde do Adulto da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paula Preceptora de Enfermagem da Liga de Dor do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da USP. Bolsista FAPESP.

Abstract

Aspectos Fundamentais na Avaliação da Dor - Parte 1

A dor é um fenômeno complexo e multidimensional, que resulta da interação entre aspectos cognitivos, sensitivos, emocionais e culturais, assim como das experiências passadas'.Sendo, essencialmente, um sintoma subjetivo, multidimensional e complexo, a sua avaliação pode representar uma grande dificuldade para os profissionais de saúde.A queixa de dor deve ser ouvida e valorizada, sendo este um aspecto básico que geralmente é negligenciado. Estudos mostram que há uma significativa discordância entre a intensidade de dor atribuída pelo profissional de saúde e pelo paciente, e esta discordância é, muitas vezes, uma das causas do controle inadequado da dor2,3.A anamnese deve ser detalhada e centrada no caráter, constância, distribuição corporal, agravantes, distribuição cronológica da queixa álgica, bem como elucidar os supostos fatores causais e impactos sobre aspectos comportamentais e sobre a qualidade de vida.A avaliação da dor depende primordialmente da sistematização da avaliação da queixa álgica, pois, quando a dor não é identificada e adequadamente avaliada, não é tratada. Desta forma, deve-se ressaltar que os dados de avaliação são a base para o diagnóstico etiológico da dor, da prescrição terapêutica e para a avaliação da eficácia dos tratamentos prescritos.A avaliação da dor é atividade multiprofissional e deve ser exercida de modo complementar. Para isto, podem ser utilizados instrumentos de auto-relato, tais como a escala visual numérica (0 a 10), a escala de cores, a escala de faces e a escala de descritores verbais (nenhuma dor, dor leve, moderada ou intensa), o questionário de dor McGill, entre outros4. Além disto, podem ser utilizadas estratégias para a observação do comportamento, que podem, muitas vezes, auxiliar o profissional na identificação da presença de dor, especialmente nos pacientes com dano cognitivo, tais como os idosos, o que pode resultar na sub-avaliação da dor, principalmente entre idosos.1) Escala Visual Numérica (EVN)O paciente deve ser questionado em relação à intensidade de dor que sente no momento da entrevista e sobre a intensidade da pior dor que apresentou nas últimas 24 horas antes da consulta ou na última semana. Para isto, o paciente deverá indicar a intensidade da dor em uma escala visual, graduada de O a 10, na qual O significa ausência de dor e 10 é a pior dor já sentida.A intensidade da dor pode ser categorizada em três níveis, segundo proposto por Serlin et al5: O = ausência de dor, 1 - 4 = dor leve, 5 — 6 = dor moderada e 7 — 10 = dor intensa. 2) Questionário de dor McGillO "Questionário de Dor McGill" (MPQ) foi desenvolvido por Melzack, em 1975, visando fornecer um instrumento que pudesse ser útil para avaliar os métodos utilizados para o controle da dor'. O MPQ, que permite ao paciente verbalizar tanto as qualidades da afecção dolorosa quanto a intensidade da dor, está traduzido e validado para o português7.O MPQ contém 78 descritores, distribuídos em 4 grupos/dimensões (sensitivo-discriminativo, afetivo-motivacional, avaliativo-cognitivo e miscelânea) e 20 subgrupos/categorias. O grupo sensitivo-discriminativo (subgrupos de 1 a 10) refere-se às propriedades mecânicas, térmicas, de vividez e espaciais da dor; o afetivo-motivacional (subgrupos de 11 a 15) descreve a dimensão afetiva nos aspectos de tensão, medo e respostas neurovegetativas; os descritores do componentecognitivo-avaliativo (subgrupo 16) visam apreender a avaliação global da experiência dolorosa. Os subgrupos de 17 a 20 compreendem itens miscelâneas. Cada subgrupo é composto por 2 a 6 descritores, qualitativamente similares, mas com propriedades que os tornam diferentes em termos de magnitude8.Os descritores da lista do MPQ devem ser lidos para o paciente, com a instrução de que poderá escolher apenas aquelas palavras que descrevam seus sentimentos e sensações no momento da entrevista, devendo escolher apenas 1 palavra em cada subgrupo6.No Brasil, o MPQ aplicado em pacientes com dor crônica, levou em média 3,5 minutos para ser preenchido7.Os instrumentos para avaliar as características da dor são básicos para a definição e ajuste das doses dos tratamentos. Onde dói, quanto dói, como dói, quanto dura, se apresenta picos de dor severa e excruciante em momentos do dia e ou da noite, o que caracteriza a dor incidental, o que piora e o que melhora, são questões básicas, a serem feitas com frequência.Em relação aos picos de dor, deve ser avaliada a qualidade desta dor (queimação, formigamento, facada, pontada, choque etc.), a intensidade (avaliar separadamente da dor de base), a frequência, fatores que precipitam e que aliviam e o horário em que ocorrem os picos de dor. Os horários devem ser questionados, levando em conta OS horários do uso dos medicamentos, visando verificar se os picos de dor ocorrem em horários não cobertos pelos analgésicos. Para isto, deve-se ter clareza sobre o início, duração e pico de ação de cada droga analgésica e adjuvante utilizada pelo paciente. Deve-se indagar ao paciente se estes picos de dor ,são uma agudização da sua dor crônica, ou se é um fenômeno independente4.Os tratamentos anteriores, farmacológicos ou não, os sucessos e insucessos, a ocorrência de efeitos indesejáveis, as preferências, os medos, as crenças sobre os tratamentos e o uso de drogas psicoativas, previamente ao quadro de dor, devem ser investigados, para melhor adequação da terapia.A avaliação de outros construtos, como atividades de vida diária, humor e qualidade de vida, informam sobre o impacto da dor no indivíduo. A avaliação da qualidade de vida deve ser sempre realizada, utilizando instrumentos traduzidos e validados para o português, que sejam de fácil compreensão e rápido preenchimento.Os instrumentos disponíveis hoje no Brasil para avaliação da qualidade de vida geral não específicos para pacientes com feridas, incluem: The Medical Outcomes Study 36-item Short Form Health Survey (SF-36)9, World Health Organization Quality of Life (WHOQ0L)1'), nas versões 100 e bref, e o Índice de Qualidade de Vida de Ferrans e Powers (IQVFP)''. Recentemente foi desenvolvida uma versão específica do IQVFP para avaliar QV de pessoas com feridas de qualquer etiologia, onde contempla questões de dor geral e especificamente na ferida12.A dor persistente tem sido também relacionada a prejuízos na qualidade do sono'', devendo estes aspectos serem considerados na avaliação da dor.A avaliação da qualidade do sono pode ser realizada com a utilizada de algumas escalas4. Dentre os instrumentos de auto-relato, o Pittsburg Sleep Quality, Index (PSQI) é um dos mais utilizados, contendo 19 itens, agrupados em 7 escores, e provê um índice da qualidade do sono num intervalo de um mês, sendo que os mais altos escores indicam pior qualidade do sono". O PSQI é um instrumento originalmente de língua inglesa'', que foi traduzido para o português por Ceolirril16.A experiência dolorosa está, intrinsecamente, relacionada às concepções (conhecimento, crenças, atitudes) sobre dor e seu tratamento, adquiridas na vivência em sociedade e pelas experiências anteriores'. Disso, resultam comportamentos, significados e expectativas quanto ao quadro doloroso e sua evolução. Os aspectos cognitivos influem de modo decisivo na apreciação, expressão e tolerância à dor, daí a importância de conhecê-los. A investigação do conhecimento, expectativas, crenças e atitudes do doente e família sobre dor e tratamento, fornecem dados sobre as necessidades educacionais e de ajuste de significados e expectativas'. Para isto, a utilização de medidas cognitivas-comportamentais são extremamente úteis para assegurar a adesão ao tratamento e à mudança de comportamentos disfuncionais.O conhecimento e registro adequado das características da dor (local, qualidade, intensidade, início, duração, fatores de piora e melhora, padrão de instalação, fatores associados, duração e magnitude do alívio obtido) permitem compreender o quadro álgico, correlacioná-lo à doença ou trauma inicial, detectar complicações e desvios do esperado e avaliar o ajuste terapêutico, especialmente pelo relato da intensidade da dor. Além disto, para avaliar o controle da dor, pode ser utilizada o Índice de Controle da Dor (ICD).O ICD foi proposto por Cleelancl e colaboradores, em 19942, sendo denominado de Pain Alana,genuni Index (PMI). É calculado considerando a pior intensidade de dor nas ultimas 24 horas e os medicamentos prescritos. A cada um destes aspectos é dado um determinado peso:Intensidade da dor: sem dor = O, leve = 1, moderada = 2 e intensa = 3.Nível da terapia: nenhum analgésico= O; AINH e analgésicos não-opioides = 1; opióide leve = 2 e opióide forte = 3.A partir dos pesos dados acima, é calculado o ICD segundo a fórmula abaixo:ICD = nível da terapia - intensidade da dor Os escores do ICD variam de -3 a 3, sendo que escores menores que zero (<0) indicam controle/analgesia inadequado da dor. Os valores maiores ou iguais a zero (0) indicam controle adequado da dor2.A avaliação da dor e do tratamento prescrito são fundamentais, mas o fluxo rápido de comunicação deve ser estabelecido entre os componentes da equipe, para que as informações sejam compartilhadas e possa ser assegurada a qualidade do tratamento prestado e a qualidade de vida do paciente.


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Published

2006-03-01

How to Cite

1.
Leao KAS. Revisão 1. ESTIMA [Internet]. 2006 Mar. 1 [cited 2024 Dec. 22];4(1). Available from: https://www.revistaestima.com.br/estima/article/view/181

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