Revisão

Authors

  • Gisele Regina de Azevedo Enfermeira, pós-graduada em estomaterapia, mestre em enfermagem. Clínica Sinergia.
  • Valter Yasushi Honji Médico urologista.

Abstract

Revisão bibliográfica sobre o fortalecimento da musculatura do soalho pélvico e incontinência urinária

IntroduçãoA Incontinência Urinária (IU) é “a queixa de qualquer perda involuntária de urina”, segundo consenso da Sociedade Internacional de Continência, definido em 20021.A IU gera muitas mudanças de hábito na vida dos indivíduos, sendo que muitos deles isolam-se socialmente, restringindo suas atividades esportivas, recreativas, sexuais; apresentando dificuldade em estabelecer novos relacionamentos e manter adequadamente os antigos, acarretando sentimentos de depressão, frustração, marginalização, ansiedade, aborrecimento, perda da auto-estima e, enfim, piora da qualidade de vida2-14.Azevedo, Santos, Marcondes, Silva, Kimura, Rios13, em um estudo brasileiro para a avaliação da qualidade de vida de mulheres com IUE, usando o King’s Health Questionnaire, destacam que “a confirmação do impacto da IUE sobre algumas dimensões da qualidade de vida de mulheres, principalmente as atividades da vida diária, os aspectos físicos e emocionais, comprometendo as percepções gerais sobre o próprio funcionamento corporal e sobre a saúde, não somente neste como em vários estudos internacionais, apontam, mais uma vez, para a necessidade de intervenções precoces, interdisciplinares, especializadas e holísticas junto a essa clientela. Atividades estas de caráter preventivo durante a gestação, após o parto e climatério, incluindo as mudanças de hábito e comportamento. Terapeuticamente, a reeducação vesical associada às intervenções farmacológicas e/ou cirúrgicas mais avançadas apresentam-se como opções já disponíveis em nosso meio”.Em cada circunstância, a IU pode ser especificada de acordo com fatores relevantes como a freqüência, a gravidade, os fatores desencadeantes, as medidas adotadas para conter a perda, o impacto social, o efeito na higiene e na qualidade de vida (QV), podendo ser classificada como Urge-Incontinência, Incontinência Urinária Mista, Incontinência extra-uretral, Incontinência urinária por hiperatividade do detrusor, Incontinência Urinária de Esforço e Incontinência não categorizada1.A Incontinência Urinária de Esforço (IUE) é a queixa de perda involuntária de urina durante situações de elevação súbita na pressão abdominal, tais como exercícios, tosse, risada ou espirro. Este termo foi usado pela primeira vez por Sir Eardley Holland, definindo-a como a “perda de urina através da uretra íntegra, sob certas condições que determinam o aumento na pressão intra-abdominal” 15.A IUE afeta aproximadamente 30% dos adultos16 e, embora observada em todos os grupos etários, alcança sua maior incidência entre pessoas idosas. De acordo com Guarisi et al (1991), em estudo realizado na cidade de Campinas/SP, cerca de 35% das mulheres no climatério queixaram–se de IUE17. Em idosos institucionalizados, essa porcentagem alcança 50%, sendo um dos fatores que contribuem para admissão dos mesmos nessas instituições de assistência18.As causas da IUE são bastante complexas e, ainda hoje, não há um consenso para o seu aparecimento. Entretanto, pesquisadores e clínicos indicam alguns fatores determinantes como infecções urinárias e ginecológicas, menopausa e hipoestrogenismo, gestação, paridade via vaginal, doença respiratória crônica, obesidade, obstipação, perda de suporte pélvico anatômico, incompetência do esfíncter, trauma na musculatura pélvica, radioterapia e patologias neurológicas19. Em resumo, a IUE pode ser conseqüência de alteração do colo vesical – hipermobilidade e/ou deficiência esfincteriana intrínseca – lesão esfincteriana20.O diagnóstico da IUE subentende critérios clínicos: caráter progressivo, ausência de relação com urgência miccional e com a urge-incontinência, ausência de associação com o uso de fármacos que comprometem a função uretral (anti-hipertensivos, tipo alfa-bloqueadores), cirurgias ginecológicas que podem ter promovido lesão uretral prévia, fístulas e doenças associadas com repercussão na continência urinária (diabetes, hipertensão arterial e pneumopatias obstrutivas crônicas) 20. No exame físico, considera-se adequado que se reproduza a perda urinária com a paciente em posição ginecológica e em pé. Com relação aos exames subsidiários, devem ser incluídas as avaliações de sedimento urinário quantitativo e urocultura, para afastar processos infecciosos associados, bem como o exame urodinâmico, que tem valor tanto para o diagnóstico quanto para descartar outras causas de IU20,21.O tratamento da IUE pode ser realizado por meio de correção cirúrgica ou de abordagem conservadora, constituída por terapêutica medicamentosa e técnicas para o fortalecimento da musculatura pélvica22. Dentre essas técnicas, destacam-se a eletroterapia, os exercícios, o biofeedback e o uso de cones e pessários vaginais23-25.A cinesioterapia é a terapia através do movimento, baseando-se no princípio de que as contrações voluntárias repetitivas aumentam a força muscular e, conseqüentemente, a continência urinária, pela ativação da atividade do esfíncter uretral e pela promoção de um melhor suporte do colo vesical, estimulando contrações reflexas desses músculos durante as atividades diárias que geram esse estresse26-28.Esses exercícios de contração da musculatura do soalho pélvico foram descritos inicialmente em 1948 por Arnold Kegel, a partir de um estudo onde buscava registrar e avaliar a eficácia dos exercícios por intermédio do uso do perineômetro – instrumento desenvolvido para registrar as contrações musculares e permitir a visualização dos valores alcançados com a contração realizada pela paciente – técnica hoje definida como biofeedback29,30. Modernamente, a prática do biofeedback é realizada sob a supervisão de enfermeiros ou fisioterapeutas, em centros especializados, segundo protocolos específicos29, 31-34.A carência de estudos nacionais, voltados para a análise da efetividade do tratamento conservador na incontinência urinária em nosso meio, aliado a uma crescente demanda e ao interesse internacional pelo tema, contribuiu para a proposição deste trabalho, cujo objetivo principal é conhecer as indicações e resultados das terapias para fortalecimento da musculatura do soalho pélvico (MSP).Material e MétodoDe caráter qualitativo, o estudo baseou-se em pesquisa bibliográfica realizada nos bancos de dados PUBMED e MEDLINE, cobrindo o período de 1993 a 2006, utilizando-se os unitermos “stress urinary incontinence and pelvic floor muscle training”.Foram localizados 19 estudos, que estão analisados preliminarmente, tendo em vista que a pesquisa ainda está em fase de conclusão, tratando-se de um projeto de Iniciação Científica vinculado ao Centro de Ciências Médicas e Biológicas da PUC/SP.O critério de inclusão foi tratar-se de estudo de relevância clínica, independente da característica metodológica, que será considerada e avaliada no projeto final. Os resultados estão apresentados no formato de narrativa, devido à heterogeneidade dos mesmos.Resultados preliminares e DiscussãoMcIntosh; Frahm; Mallet; Richardson35, avaliando 48 mulheres por seis meses a três anos, em um hospital dos EUA, concluíram que o programa de reabilitação dos MSP é uma alternativa efetiva às intervenções cirúrgicas, na redução das perdas urinárias.Karram; Partoll, Rahe36, estudando 202 mulheres norte-americanas com IU, em um período que variou de três meses a quatro anos, concluíram que todas as mulheres com IUE deverão, inicialmente, ter a oferta de tratamento não-cirúrgico, já que uma alta porcentagem delas terá resultados satisfatórios.Engberg, McDowell, Donovan; Brodak, Weber37, que participam do “grupo de Pittsburgh”, descrevem os protocolos utilizados no tratamento de IU em idosos em atendimento domiciliar, com ênfase na terapia de fortalecimento da musculatura pélvica.Sherman, Davis, Wong38, estudando 450 soldados mulheres norte-americanas, observaram que os tratamentos com abordagens comportamentais foram efetivos para o tratamento da IU.Cammu, Van Nylen39 acompanharam 60 mulheres na Bélgica, em sessões semanais e concluíram que os exercícios para os músculos do soalho pélvico e o uso de cones vaginais são igualmente efetivos no tratamento da IUE.Wyman et al40 concluíram que a terapia combinada apresenta a melhor eficácia no tratamento da IUE, sendo que os resultados sugerem que o tratamento específico pode não ser tão importante quanto um programa estruturado com educação, aconselhamento e contato freqüente com o paciente.Glazer, Romanzi, Polaneczky41, estudando 57 mulheres norte-americanas de 19 a 59 anos, concluíram que a realização de eletromiografia de superfície nos MSP apresentou confiança e validade clínica preditiva na detecção precoce do risco e nas intervenções profiláticas para a flacidez dos MSP. Essa intervenção pode ser complementada com a palpação dos mesmos e essa prática ginecológica deve ser considerada.Sampselle et al42, estudando 21 serviços de saúde nos EUA, públicos e privados, para o estabelecimento de protocolos pela Association of Women’s Health Obstetric and Neonatal Nurses, concluíram que a implantação de um programa simples de treino vesical e de fortalecimento da musculatura pélvica diminuiu a freqüência dos episódios de IU e o custo para administrar tais situações, bem como melhorou a qualidade de vida das mulheres avaliadas nas instituições avaliadas.Józwik, Józwik43 avaliaram mulheres polonesas e concluíram que os exercícios para o soalho pélvico são uma medida segura e altamente efetiva na prevenção da ocorrência e no tratamento da IUE, no pré e pós-parto.Soltero González et al44 acompanharam 412 mulheres na Espanha, por um período de um ano, concluíram que a reabilitação do soalho pélvico pode curar a IUE e diminuir o número de procedimentos cirúrgicos e custos hospitalares em seu tratamento.Agarwala, Liu45, em uma revisão da literatura, concluíram que a prevalência de IU em mulheres é de cerca de 50% e os custos estimados em seu tratamento são de mais de 10 bilhões de dólares/ano nos EUA, com aproximadamente 200 diferentes tipos de procedimentos cirúrgicos que apresentam índices de cura que variam de 40% a 95%, sugerindo que o procedimento ideal ainda não foi desenvolvido.Lukban, Whitmore46 concluíram que a reabilitação do soalho pélvico é efetiva em pacientes com hiperatividade detrusora, cistite intersticial e com grandes disfunções pélvicas, tais como a incontinência urinária de esforço, trazendo grandes benefícios com risco mínimo.O’Sullivan et al47, estudando 150 mulheres australianas com IU, concluíram que 81% das mulheres com IU leve e 36,8% das mulheres com IU moderada submetidas à terapia conservadora mantiveram-se secas após dois anos de seguimento.Spruijt et al48 concluíram que o tratamento da IU em 35 mulheres na Holanda, com idade acima de 65 anos, exclusivamente com eletroestimulação teve uma baixa efetividade, com um alto custo físico e emocional, comparado à cinesioterapia.Sampselle49 concluiu que há uma forte evidência de que as intervenções comportamentais e a reeducação vesical são efetivas no tratamento da IU, segundo os estudos publicados até 2003, considerando-as como terapia de primeira linha.Slieker-ten Hove, Vierhout, Bloembergen, Schoenmaker50, analisando 2750 mulheres na Holanda, concluíram que 45% da população geral de mulheres entre 45-85 anos têm prolapso de órgão pélvico significante, e que a presença do mesmo está relacionada com uma coordenação pobre dos músculos do soalho pélvico, que é a provável causa do prolapso de órgão pélvico. Sabendo-se que a flacidez da MSP é a causadora da perda urinária aos esforços e que as pacientes com POP apresentam tais perdas, principalmente após a correção cirúrgica que não contemple o reforço esfincteriano, tais achados são altamente significativos.Weber et al51, em um encontro promovido pelo Instituto Nacional de Saúde (EUA) para explorar o “estado da arte” na pesquisa na área, definiram que as disfunções do soalho pélvico incluem um grupo de condições que afetam mulheres adultas incluindo os prolapsos de órgãos pélvicos, as incontinências urinária e anal, e outras anormalidades sensoriais e de esvaziamento dos tratos urinário e intestinal. Concluíram que ainda não está definido o impacto relativo de fatores genéticos, gestação, partos, fatores hormonais, estilo de vida, idade, e outros aspectos fiusiopatológicostores de risco e, até que os achados das pesquisas futuras ajudem a elucidar os fisiopatológicos nas disfunções do soalho pélvico feminino. Muitas pesquisas serão necessárias para entender qual será o melhor cuidado específico a ser empregado, com potencial de prevenção nos níveis primário e secundário.Neumann, Grimmer, Deenadayalan52 em uma revisão sistematizada de estudos publicados no período de 1995 a 2005 encontraram forte evidência de que os exercícios para fortalecimento dos músculos do soalho pélvico isolados ou em conjunto com outras terapias são efetivos no tratamento de mulheres com IUE, refletindo em cura e melhoria significativa entre 73% e 97%, respectivamente.ConclusõesO envelhecimento populacional é fato concreto e inquestionável na maioria dos países e a IU tem forte relação com envelhecimento, sendo que as mulheres com IUE e os homens com IU pós-prostatectomia radical, tem indicação de terapia para fortalecimento da musculatura do soalho pélvico.Os exercícios dirigidos para o fortalecimento do soalho pélvico, o treino vesical, o biofeedback e o tratamento combinado têm indicação de efetividade como tratamento de IU. Os estudos analisados citam poucos estudos com consistência estatística que relatem efetividade no tratamento de IU exclusivamente com eletroestimulação.Considerações finaisA terapia conservadora deve ser disponibilizada para pacientes com IUE graus 0, I e II (Classificação de McGuire), sempre após avaliação urológica e exame urodinâmico; sendo que o profissional que se disponibilize para tais atendimentos deve ser especialista na área, estando apto para fazer avaliação do paciente e para o uso de recursos como cinesioterapia, biofeedback, eletroterapia, cones vaginais, orientações e treinamento para o uso de dispositivos externos e internos, treinamento vésico-intestinal e treinamento para cateterismo vesical intermitente, previamente estabelecidos em protocolos.


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Published

2006-09-01

How to Cite

1.
Azevedo GR de, Honji VY. Revisão. ESTIMA [Internet]. 2006 Sep. 1 [cited 2024 Dec. 22];4(3). Available from: https://www.revistaestima.com.br/estima/article/view/193

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