Revisão 2

Authors

  • Flávia Tatiana Pedrolo Hortense Enfermeira Mestre em enfermagem pela UNIFESP. Enfermeira do ambulatório de cabeça e pescoço do Hospital São Paulo

Abstract

Cuidados Específicos com a TraqueostomiaSpecific Care for TracheostomyResumoA traqueostomia é um procedimento cirúrgico que necessita de cuidados específicos de enfermagem. Este estudo tem o objetivo de fornecer subsídios teóricos a estes profissionais auxiliando-os na identificação das principais complicações decorrentes da técnica cirúrgica e nos cuidados essenciais aos pacientes traqueostomizados.Palavras-chave: laringectomia, cuidados pós-operatório.AbstractTracheostomy is a surgical procedure that requires specific postoperative nursing care. This study aims to provide relevant reference information for health-care professionals to help them identify major complications resulting from this surgical technique and provide better care for tracheostomy patients.Key words: Laryngectomy, Postoperative careIntroduçãoA traqueostomia é o procedimento cirúrgico que consiste na abertura da traquéia para o meio externo, com a finalidade de contornar um obstáculo mecânico das vias aéreas superiores, possibilitando a ventilação pulmonar através desta via.Os relatos históricos sobre as primeiras traqueostomias datam do ano 100 aC, por Asclepiades, na Grécia. Entretanto, a aceitação universal só veio com os trabalhos de Chevalier Jackson, no início do século XX, que descreveram a técnica, suas indicações e complicações1.Traqueotomia e TraqueostomiaEsses termos implicam procedimentos diferentes. A traqueotomia é a incisão feita na traquéia pelo pescoço, ou seja, é o mero procedimento de abertura na traquéia para introdução da cânula. A traqueostomia é um procedimento mais amplo que, além da abertura artificial da traquéia, envolve manobras para a construção do estoma, com suturas nas bordas da pele do pescoço2.Anatomia da traquéiaA traquéia é um órgão tubular do aparelho respiratório que se inicia na cartilagem cricóide e estende-se até a Carina. Mede aproximadamente 10 a 13 centímetros de extensão e 1,8 a 2,3 centímetros de diâmetro, no adulto. Posiciona-se na linha média da região cervical direcionando-se para o mediastino superior com um trajeto antero- posterior e súpero-inferior.É formada por 18 a 22 anéis cartilaginosos incompletos, nos quais na face posterior de cada anel existe uma membrana elástica, possibilitando alta complacência do órgão. Apenas a cartilagem cricóide possui um anel completo1,3.Classificação das traqueostomiasA classificação geral das traqueostomias depende de vários critérios adotados no momento da sua execução. Pode-se analisar o procedimento de acordo com os objetivos propostos: quanto à finalidade, tempo disponível, altura da traquéia em que é realizada e quanto tempo de permanência.Quanto à finalidade: poderá ser preventiva, quando realizada como tempo prévio ou complementar a outras cirurgias. A traqueostomia curativa ocorrerá em situações diversas de dificuldades respiratórias, possibilitando a manutenção segura das vias aéreas. Poderá ser também paliativa quando for realizada apenas para o conforto respiratório de pacientes fora de terapêuticas curativas.Quanto à altura em que é realizada: considera-se alta aquela localizada ao nível da membrana cricotireóide, ou seja, uma cricotireoidostomia. Traqueostomia média ocorre na altura do 2º e 3º anéis traqueais, as mais utilizadas na prática clínico-cirúrgica. A traqueostomia baixa seria na altura do 4º e 5º anéis, procedimento esporádico devido à probabilidade de acidentes transoperatórios, pela proximidade de grandes vasos e da pleura.Quanto ao tempo de permanência podem ser temporárias ou definitivas1.Indicações de traqueostomiaA indicação mais crítica para uma traqueostomia é a obstrução das vias aéreas, causadas por tumores, traumatismo facial grave, edema cervical inflamatório e anomalias congênitas. Em pacientes com necessidade de suporte ventilatório prolongado a traqueostomia é realizada para maior conforto do paciente e para prevenção de lesões orais e laríngeas1,4.Abaixo encontram-se as principais indicações de traqueostomias.
  • Obstrução aguda de vias aéreas superiores por quadros inflamatórios (difteria, epiglotite infecciosa, corpo estranho, queimaduras sobre a região cervico-facial, choque anafilático com edema de glote etc);
  • Neoplasias malignas da região cérvico-facial;
  • Traumatismo crânio-maxilo-faciais e crânio- encefálicos;
  • Grandes cirurgias de cabeça e pescoço;
  • Pré-operatório de pacientes com diagnóstico de via aérea estreita;
  • Compressões extrínsecas de tumores sobre o complexo laringotraqueal (bócios, abscessos, hematomas, tumores benignos);
  • Doenças degenerativas da traquéia (traqueomalácia, doenças do tecido conjuntivo);
  • Doenças congênitas (hemangiomas, linfangiomas, laringomalácia etc)
  • Portadores de doenças neurológicas degenerativas;
  • Pacientes com insuficiência respiratória aguda e crônica com indicação de suporte ventilatório artificial prolongado;
  • Pacientes em coma, debilitados, incapazes de expelir secreções traqueo-brônquicas;
  • Pacientes com risco elevado e permanente de broncoaspiração;
  • Paralisia das cordas vocais;
  • Apnéia do sono obstrutiva.
Complicações das traqueostomiasAs complicações podem ser divididas, de acordo com o tempo de ocorrência, em três fases distintas1,4:Intra-operatórias
  • Obstrução prematura de vias aéreas (edema de glote reflexo);
  • Falso trajeto da cânula traqueal;
  • Hemorragia;
  • Broncoaspitação de sangue;
  • Lesão do nervo laríngeo recorrente;
  • Lesão do esôfago;
  • Pneumotórax.
Pós-operatórias precoces
  • Hematoma, hemorragias;
  • Colonização bacteriana;
  • Infecção;
  • Enfisema subcutâneo;
  • Edema agudo de pulmão pós-obstrutivo;
  • Obstrução da cânula;
  • Deslocamento da cânula;
  • Apnéia pós-traqueostomia;
  • Distúrbios de deglutição;
  • Penumonia aspirativa.
Pós-operatórias tardias
  • Hemorragias;
  • Infecção;
  • Formação de tecido de granulação;
  • Estenose subglótica e traqueal;
  • Fístula traqueo-esofágica;
  • Fístula traqueo-cutânea;
  • Cicatriz hipertrófica do estoma;
  • Traqueomalácia;
  • Distúrbios de deglutição, pneumonia aspirativa;
  • Ulcera e erosão do traqueostoma (fixação inadequada, traumatismo da traquéia e laringe).

photo01

Fig 1 - conjunto de cânula de traqueostomia metálica
Fig 2 - conjunto de cânula de traqueostomia de polietileno sem cuff
Fig 3 - conjunto de cânula de traqueostomia de polietileno com cuff
Fig 4 - conjunto de cânula de traqueostomia metálica com fenestra
Fig 5 - conjunto de cânula de traqueostomia de polietileno sem cuff e com fenestra
Fig 6 - conjunto de cânula de traqueostomia de polietileno com cuff e fenestra

Cânula de traqueostomiaA cânula de traqueostomia é um instrumento especial, que consiste num tubo cilíndrico curvo, de metal ou de polietileno (com ou sem balonete e com ou sem fenestra), usado para criar uma comunicação entre a luz traqueal e o exterior. É formada por três peças:· Uma parte externa, não removível, que fica presa por um cadarço na haste externa, no pescoço do paciente;· Uma parte interna, de diâmetro menor, que deve ser retirada freqüentemente para limpeza;· Um obturador de ponta romba, um pouco mais longo que a cânula, que preenche a sua luz, de modo que, durante a sua introdução, não haja lesão da mucosa da traquéia.A cânula de polietileno pode ter um balão inflável perto da sua base, para evitar que as secreções que ficam alojadas acima do balão desçam para o trato respiratório.No passado, esses balonetes eram associados à alta freqüência de estenose traqueal (balonete de alta pressão). Entretanto, os balonetes atuais, que possuem um grande volume e baixa pressão, minimizaram, mas não eliminaram, os problemas focais de isquemia da traquéia5.O cuidado com a traqueostomia envolve habilidades de observação e detecção precoce de sinais e sintomas de complicações, como também, de imediata intervenção. Como a enfermeira é a responsável pelo cuidado prestado, é importante que ela seja adequadamente treinada e competente.As complicações da traqueostomia podem ser precoces ou tardias, e sempre dificultam a recuperação fisiológica do paciente e, conseqüentemente, a reabilitação biopsicossocial. As principais complicações são: alterações morfológicas e funcionais na mucosa do trato respiratório, pneumonia, fístulas traqueo-esofágica e traqueo-cutânea6,7. Além dessas complicações, a traqueostomia provoca alteração na imagem corporal e na comunicação do paciente. Assim, o paciente que se submeterá a esse procedimento deverá ser muito bem informado quanto a essas complicações e, evidentemente, a enfermagem deve estar preparada para detectar e atuar efetivamente frente aos sinais e sintomas apresentados.Em geral, nas primeiras 48-72 horas após a realização da traqueostomia, é inserida uma cânula com balonete, e depois esta, se possível, é substituída por uma cânula metálica. Assim, os cuidados são tanto específicos em relação ao tipo de cânula usado (introdução e remoção, cuidados com o balonete, limpeza da cânula metálica interna), como também gerais, relativos à umidificação do ar inspirado, aspiração das secreções e higienização do estoma1,5.O cuidado com a traqueostomia envolve diferentes procedimentos, sendo necessário que a enfermeira faça uma monitorização clínica para o planejamento da assistência5.
  • Freqüência respiratória, expansibilidade pulmonar, ruídos pulmonares;
  • Integridade do estoma;
  • Dor, drenagem, sangramentos, creptos, condições da F.O.;
  • Quantidade de secreções, qualidade e coloração, espessura do muco;
  • Avaliação da deglutição e risco de aspiração pulmonar;
  • Capacidade de comunicação verbal;
  • Capacidade do paciente em realizar autocuidados apropriados com a cânula;
  • Integridade do balonete, pressão mínima necessária para insuflação.

fig.02

Fig 7 - proteção para o banho colocando a mão à frente do
traqueostoma
Fig 8 - proteção específica para o banho

Cuidados durante o banho:Deve-se proteger sempre a traqueostomia, evitando a entrada de água. Isso poderá ser feito utilizando protetores específicos para o banho, colocando a mão como barreira em frente a traqueostomia ou mantendo sempre o pescoço flexionado para baixo durante o banho8.Fixação da CãnulaÉ importante manter; a cânula de traqueostomia sempre fixa e segura em volta do pescoço. Para isso deve-se trocar a fixação sempre que suja, molhada ou desfiada, deixar sempre uma folga de aproximadamente umcentímetro para que não incomode o paciente e, o mais importante, será colocar primeiro a fixação limpa, certificar-se de que está segura e posteriormente realizar a retirada do cadarço sujo5,8.

fig05

Fig 9- tipos de fitas para fixação da traqueostomia

Higienização do estoma:

fig06

Fig 10 - limpeza do traquesotoma com compressa umedecida
com água

fig03

Fig 11 - fita de fixação da traqueostomia e compressa protetora
do traqueostoma

fig04

Fig 12 - colocação da cânula de traqueostomia e fixação

A higienização do traqueostoma é importante para prevenir a infecção do tecido subcutâneo. Deve-se proceder à limpeza com solução fisiológica no mínimo de oito em oito horas, observar o estoma durante as trocas destes curativos, avaliando a presença de hiperemia, secreções e lesões na pele. Além disso, é importante manter a almofada protetora para que seja feita a absorção de secreções e proteja a pele contra os possíveis traumatismos causados pela cânula. 5,8xUmidificação da via aérea inferiorDeve-se também avaliar a hidratação sistêmica do paciente e o ressecamento das secreções pulmonares. É importante realizar inalação com solução fisiológica para a fluidificação dessas secreções e assim facilitar a remoção, proporcionando conforto para o paciente5.
  • Aspiração traqueal: (cânulas de metal e polietileno)
  • Para a realização da aspiração traqueal deve- se seguir os seguintes passos:
  • Cateter de aspiração nº 12 ou 14 (em mulheres) e nº 14 ou 16 (em homens);
  • Pressão do vácuo entre 80 a 120 mmHg;
  • Não ligar a sucção durante a introdução do cateter. Introduzir o cateter na traqueostomia cerca de 12 a 14cm (2 a 3 cm além do comprimento da cânula);
  • Enquanto aplicar sucção, faça movimentos rotatórios e prossiga retirando o cateter da traquéia;
  • Não aplique sucção por mais de 10 segundos;
  • Observar a quantidade e as características da secreção5.
Cuidados com a cânula de metal:Os cuidados com a cânula metálica incluem a limpeza da subcânula e a aspiração traqueal, que deve ser realizada no mínimo de oito em oito horas, ou conforme a quantidade de secreção brônquica apresentada pelo paciente1,5,8.O conjunto completo da cânula metálica somente deverá ser removido após a maturação do traqueostoma, que ocorre por volta do sétimo dia de realização, quando então a fístula traqueal está completa, ou com autorização da equipe clínica1.

fig11

Fig 13 - escovas para limpeza da cânula de traqueostomia

fig12

 

fig13

fig07

Fig 14, 15 e 16 - limpeza interna da cânula de traqueostomia

fig08fig09fig10É importante também a orientação quanto à utilização dos protetores de traqueostomia, prevenindo assim a entrada de poeira, folhas ou até mesmo insetos.Cuidados com a cânula de polietileno:Os cuidados com a cânula de polietileno incluem a monitorização da pressão do balonete, a qual deverá permanecer entre 20 e 25 cm H2O. O desafio para a enfermeira não se limita apenas aos conhecimentos do cuidado com a traqueostomia, mas em manter os outros elementos da equipe de enfermagem atualizados em relação aos avanços do conhecimento, como também na importância da continuidade do cuidado entre os plantões de trabalho. Assim, a qualidade do cuidado com a traqueostomia é um dos aspectos fundamentais para a recuperação fisiológica do paciente e a restauração das suas funções cognitivas e afetivas. Evitando-se as complicações, favorece- se a reabilitação do paciente, a sua qualidade de vida e a redução dos custos do tratamento1,5.

Downloads

Download data is not yet available.

References

Rocha PM, Traqueostomias In: Rochavergilius JFAF, Lenine GB, Ferraz AR. Manual do residente de Cirurgia de Cabeça e Pescoço, São Paulo, Keila & Rosenfeld, 1999.

Anderson NK, Anderson LT. Mosby: dicionário de enfermagem, São Paulo, 2ª ed. Rocca, 2001.

Smeltzer SC, Bare BG. Tratado de enfermagem médico- cirúrgico, 8ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998.

Carvalho M B. Tratado de cirurgia de cabeça e pescoço e otorrinolaringologia. São Paulo: Atheneu, 2001.

Barichello E. Proposta de protocolos de cuidados com a traqueostomia do laringectomizado. (dissertação de mestrado) EERP-USP, 2002.

Santana ME. Fístula faringocutânea após laringectomia total. Revisão sistemática e implicações para a enfermagem: (tese). Ribeirão Preto: EERP-USP, 2004.

Pedrolo FT, Zago MMF. A imagem corporal do laringectomizado: Resignação com a sua condição. Rev Bras Cancerologia. 2000;46(4):407-15.

Ferreira AC, Seiça A, Mineiro C, Pereira H, Silva I, Morais I et al. Manual Arte de Viver, abril 2004.

Tracheostomy products, laringectomy products, clinical instruments, accessories and information. Ful line catalogue. /tracoe medical GmbH. Reichsforststr. 32, D-60528 Frankfurt/Main. 2004/2005. Disponível em: URL: // www.tracoe.com.

Published

2007-03-01

How to Cite

1.
Hortense FTP. Revisão 2. ESTIMA [Internet]. 2007 Mar. 1 [cited 2024 Dec. 26];5(1). Available from: https://www.revistaestima.com.br/estima/article/view/208

Issue

Section

Article