Relato de Caso - Manifestações Cutâneas Decorrentes da Reação Medicamentosa com Eosinofilia e Sintomas Sistêmicos
Abstract
RESUMO
A reação cutânea associada à eosinofilia e sintomas sistêmicos (DRESS) é uma manifestação rara, potencialmente fatal, induzida por hipersensibilidade aos medicamentos com características sistêmicas, sendo o acometimento hepático a manifestação visceral mais comum. O objetivo do estudo foi descrever as manifestações cutâneas decorrentes da DRESS. Paciente usuário de sulfametoxazol e trimetroprim apresentou reações adversas com comprometimento hepático, renal e erupções cutâneas. Após diagnóstico de DRESS, foi suspenso uso de sulfametoxazol e trimetroprim e iniciada corticoterapia. Paciente evoluiu com melhora importante do quadro. O diagnóstico precoce das reações cutâneas graves adversas à droga é primordial, assim como o estabelecimento de intervenções terapêuticas apropriadas. O retardo no reconhecimento desse processo pode agravar os sintomas e aumentar a mortalidade.
DESCRITORES: Exantema. Hipersensibilidade. Cuidados de enfermagem.
INTRODUÇÃO A reação cutânea associada à eosinofilia e sintomas sistêmicos (DRESS) é uma manifestação rara, potencialmente fatal, induzida por hipersensibilidade aos medicamentos, levando ao surgimento de erupções cutâneas, alterações hematológicas (eosinofilia, linfocitose atípica), linfadenopatia e envolvimento de órgãos como fígado, rim e pulmão1.
A incidência da DRESS é desconhecida; pode ocorrer em crianças, mas a maioria dos casos ocorre em adultos, sem predileção por sexo. Um estudo com 7 anos, prospectivo, em uma população geral das Índias Ocidentais, estima a incidência de 0,9/100.0002.
Os medicamentos antiepiléticos (por exemplo, carbamazepina, lamotrigina, fenitoína e fenobarbital) e alopurinol são uma das causas relatadas mais frequentes. No entanto, as sulfonamidas, dapsona, minociclina e vancomicina podem induzir à DRESS3.
O diagnóstico de DRESS é baseado na associação das características clínicas (história de exposição à droga), achados cutâneos, achados sistêmicos, como febre, linfadenopatia e envolvimento visceral, e achados laboratoriais.
Na maioria dos pacientes, as manifestações clínicas começam duas ou seis semanas após o início do medicamento agressor. Febre, mal-estar, linfadenopatia e erupções cutâneas são os primeiros sintomas e os mais comuns4.
As erupções cutâneas são confluentes, difusas e progridem rapidamente. A face, a parte superior do tronco e as extremidades são acometidas inicialmente. O edema facial se desenvolve em aproximadamente 50% dos casos. Em 20 a 30% dos pacientes, o eritema progride com dermatite esfoliativa (eritema e descamação)3.
Grande parte dos pacientes com DRESS apresentam boa recuperação em semanas ou meses após a retirada da droga. No entanto, doenças autoimunes têm sido identificadas em alguns pacientes meses ou anos após a resolução da DRESS. Desta forma, o monitoramento desses pacientes se faz necessário na identificação precoce dessas doenças5.
OBJETIVO Descrever a evolução da manifestação cutânea de paciente que desenvolveu uma DRESS após a suspensão do fármaco e a implementação das intervenções de enfermagem.
MÉTODOS A pesquisa se configura nos parâmetros do trabalho acadêmico de investigação denominado estudo de caso clínico. O estudo foi realizado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) adulta do Hospital Israelita Albert Einstein no período de fevereiro de 2014.
Os dados foram coletados no acompanhamento das manifestações cutâneas por meio de registros fotográficos. A responsável legal do paciente concordou com a pesquisa assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
DESCRIÇÃO DO CASO J.T., sexo masculino, 48 anos, cor parda, casado, evangélico, proveniente de Patrocínio (MG). Admitido na UTI adulta de um hospital privado terciário em São Paulo (SP) no dia
11 de fevereiro de 2014, procedente de um hospital público de Uberlândia (MG), onde realizava o tratamento medicamentoso com sulfametoxazol e trimetroprim por pelo menos três semanas para uveíte causada por toxoplasmose. Na admissão, paciente arresponsivo, sendo necessária a intubação orotraqueal, instalada ventilação mecânica e sedação. Hemodinâmica estável, não necessitou de drogas vasoativas. Apresentava-se com sinais de icterícia, febre, hepatomegalia à palpação, hematêmese, edema facial e erupções na pele em região de tórax e membros superiores e inferiores, com aspectos descamativos e com presença de púrpuras. Ao exame laboratorial, apresentou bilirrubina total de 24,5 mg/dL; aspartato aminotransferase (TGO) 165 U/L; alanina aminotransferase (TGP) 241 U/L; o hemograma revelou 9.390 μL leucócitos, com 1.596 μL eosinófilos, creatinina 12,64 mg/dL e ureia 266 mg/dL. Realizada tomografia de crânio, sem alterações significativas.
Iniciada antibioticoterapia sistêmica com meropenem e o uso de corticoide. Suspensos sulfametoxazol e trimetropim. Iniciada terapia dialítica contínua. Realizada biópsia de pele de membro superior esquerdo, inferior esquerdo e inferior direito por punch.
O exame histológico realizado nos membros evidenciou infiltrado inflamatório linfocitário maduro na derme e exocitose. Presença de eosinófilos esparsos em meio ao infiltrado inflamatório. Presença de agressão da basal epidérmica. Quadro histopatológico compatível com reação às drogas. Desta forma, a hipótese diagnóstica na internação de DRESS foi confirmada com o resultado da biópsia de pele.
No segundo dia de internação (12/02/2014), para o planejamento da assistência de enfermagem, foi realizada a primeira avaliação da pele, na qual foram identificados um eritema maculopapular difuso, lesões esfoliativas com descamação, exsudato moderado e a presença de púrpura em membros superiores (Figura 1). Já em membros inferiores, hematoma em fase de absorção com descamação e presença de uma ferida que apresentava necrose em região dorsal do pé direito, medindo 4,6x2,8 cm (Figura 2). Após caracterização das lesões, foi proposta como intervenção de enfermagem a terapia tópica (TT) com o uso de solução líquida de PHMB para realizar a limpeza das lesões e o uso de um gel à base de ácidos graxos essenciais (AGE), vitaminas A e E, lecitina de soja, óleos de copaíba e melaleuca, ocluindo com gaze e atadura crepe. A periodicidade de troca era três vezes ao dia.
Após três dias de tratamento especializado, os membros superiores apresentavam-se menos exsudativos, as lesões purpúricas e a descamação apresentavam melhora efetiva (Figuras 3 e 4). Já as lesões em membros inferiores apresentavam melhora na qualidade da hidratação da pele, diminuindo a descamação (Figuras 5 e 6). E a necrose em região dorsal do pé direito encontrava-se ausente e era possível visualizar a presença de tecido de epitelização com bordas íntegras (Figura 5).
Paciente teve alta da UTI no dia 17/02/2014, 5 dias após ter iniciado o tratamento especializado; nessa data, apresentava melhora importante das lesões dos membros superiores e inferiores. As lesões apresentavam-se com aspecto pouco descamativo e com melhora das lesões purpúricas (Figuras 7 a 9).
No dia anterior à alta hospitalar, 20/02/2014, 8 dias após ter iniciado o tratamento especializado, as lesões mostravam-se com melhora do aspecto do eritema maculopapular descamativo difuso, além da melhora do edema de extremidades (Figuras 10 a 13). Realizada orientação para continuidade do cuidado em domicílio, com uso de água para limpeza e aplicação de gel à base de AGE, vitaminas A e E, lecitina de soja, óleos de copaíba e melaleuca, com periodicidade de duas vezes ao dia.
DISCUSSÃO Este estudo buscou ilustrar as manifestações cutâneas decorrentes da DRESS e as avaliações das lesões, após a supressão
do fármaco e a implementação das intervenções de enfermagem quanto à terapia tópica. A predisposição individual e o sistema imunológico são fatores contribuintes para desenvolvimento de reações alérgicas ou reações decorrentes de interações medicamentosas. A estimulação excessiva da resposta imune durante o tratamento de infecções pode ser um fator somatório para eventos adversos relacionados a medicações6.
A DRESS exige tratamento rápido com diagnóstico pontual, uma vez que a mortalidade é de aproximadamente 10%7 e, na maior parte dos casos, existe o acometimento hepático, gerando insuficiência hepática. Uma medida inicial é a suspensão do fármaco, uma vez que a mortalidade aumenta quando mantido5. Possui algumas características como a existência de um intervalo de duas a três semanas, ou mais, entre o início do fármaco e as manifestações clínicas5. Tipicamente, acomete a pele e causa linfadenopatia e acometimento visceral, bem como anormalidades hematológicas2.
Bocquet et al. propuseram critérios de diagnóstico para identificação da DRESS, nos quais é necessário que ao menos três estejam presentes:
1. erupções cutâneas a medicamentos;
2. alterações hematológicas (eosinofilia e/ou presença de linfócitos atípicos);
3. comprometimento sistêmico (adenopatia, hepatite, nefrite intersticial, pneumonite intersticial ou alterações cardiovasculares).
No caso relatado, o paciente apresentou três critérios para DRESS, incluindo o acometimento hepático6.
No caso descrito, não há relatos dos primeiros sinais clínicos. Após três semanas de uso de sulfametoxazol e trimetroprim, o paciente foi admito com presença de febre, erupções cutâneas de aspecto descamativo e púrpurico e com hepatomegalia ao exame físico e sinais de icterícia. Confirmado diagnóstico após resultado da biópsia de pele.
Existem diversos medicamentos desencadeadores da DRESS, sendo os mais comuns os antivulsivantes e as sulfonamidas7. No caso clínico, o fármaco foi o sulfametoxazol e trimetroprim, que apresentaram disfunção hepática, eosinofilia e acometimento cutâneo.
Ao longo da assistência de enfermagem, foram feitas sucessivas avaliações sistêmicas e das lesões cutâneas para direcionar a seleção da terapia tópica a ser utilizada e a tomada de decisão acerca do cuidado, assim como para avaliar o alcance do melhor resultado da prática clínica de enfermagem, visando ao processo de cicatrização e restabelecimento da integridade da pele.
REFERÊNCIAS
1. Husain Z, Reddy BY, Schwartz RA. DRESS syndrome: Part I. Clinical perspectives. J Am Acad Dermatol. 2013;68(5):693.e1-693.e14.
2. Muller P, Dubreil P, Mahé A, Lamaury I, Salzer B, Deloumeaux J, et al. Drug hypersensitivity syndrome in a West-Indian population. Eur J Dermatol. 2003;13(5):478-81.
3. Kardaun SH, Sekula P, Valeyrie-Allanore L, Liss Y, Chu CY, Creamer D, Sidoroff A, Naldi L, Mockenhaupt M, Roujeau JC; RegiSCAR study group. Drug reaction with eosinophilia and systemic symptoms (DRESS): an original multisystem adverse drug reaction. Results from the prospective RegiSCAR study. Br J Dermatol. 2013;169(5):1071-80.
4. Kardaun SH, Sidoroff A, Valeyrie-Allanore L, Halevy S, Davidovici BB, Mockenhaupt M, et al. Variability in the clinical pattern of cutaneous side-effects of drugs with systemic symptoms: does a DRESS syndrome really exist? Br J Dermatol. 2007;156(3):609-11.
5. Chen YC, Chang CY, Cho YT, Chiu HC, Chu CY. Long-term sequelae of drug reaction with eosinophilia and systemic symptoms: a retrospective cohort study from Taiwan. J Am Acad Dermatol. 2013;68(3):459-65.
6. Bocquet H, Bagot M, Roujeau JC. Drug-induced pseudolymphoma and drug hypersensitivity syndrome (Drug Rash with Eosinophilia and Systemic Symptoms: DRESS). Semin Cutan Med Surg.1996;15(4):250-7.
7. Bugni VM, Terreri MT, Nunes NA, Len CA, Barbosa CM, Hilário MO. Síndrome DRESS e lúpus eritematoso sistêmico juvenil em menina de dois anos de idade. Rev Bras Reumatol. 2008;48(4):257-60.