Artigo Original 2

Authors

  • Regina Lúcia Muniz de Almeida Enfermeira. Discente do Curso de Especialização em Estomaterapia da Faculdade de Enfermagem /Universidade Federal de Juiz de Fora-MG.
  • Vilma Corrêa de Meirelles Enfermeira. Discente do Curso de Especialização em Estomaterapia da Faculdade de Enfermagem /Universidade Federal de Juiz de Fora-MG.
  • Anna Maria de Oliveira Salimena Mestre em Enfermagem. Professora do Departamento Enfermagem Aplicada da FACENF/UFJF. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Saúde da Mulher/EEAN/UFRJ. – Orientadora da pesquisa.
  • Maria Carmen Simões Cardoso de Melo Mestre em Enfermagem - Professora do Departamento Enfermagem Aplicada da FACENF/UFJF – Co-Orientadora.

Abstract

Compreendendo os Sentimentos da Pessoa com Colostomia

ResumoEste estudo foi desenvolvido a partir dos depoimentos de pessoas com colostomia, tendo como cenários o Hospital Universitário e o Núcleo dos Ostomizados de Juiz de Fora-MG, com o objetivo de conhecer e compreender os sentimentos desta clientela. Buscou-se respaldo na pesquisa qualitativa, numa abordagem fenomenológica, para compreender este fenômeno e suas implicações no cotidiano de quem o vivencia, tendo como pergunta norteadora: Como se sente convivendo com uma colostomia? Foram entrevistadas quinze pessoas que, mediante relação empática, expressaram sentimentos, comportamentos e vivências decorrentes da construção cirúrgica de estomia intestinal. A análise compreensiva dos depoimentos permitiu a construção das unidades de significação: negação; medo; consciência do corpo; aceitação-mudança; a família como apoio e religiosidade como força. Esse desvelamento permitiu compreender os sentimentos da pessoa com colostomia e como se dá o enfrentamento de sua condição de saúde, sendo um ato de resgate da vida possível de ser construída.Palavras Chaves: Enfermagem. Sentimento. ColostomiaAbstractThis study was developed from the depositions of people with colostomy, having as scenery the University Hospital and the Núcleo dos Ostomizados de Juiz de Fora – MG (Nucleus of the Ostomates of Juiz de Fora-MG), with the objective to know and to understand the feelings of this clientele. Endorsement in the qualitative research, phenomenological boarding, to understand this phenomenon and its implications in the daily one of who live deeply it, having as lead question: how do you fell coexisting with Colostomy? Fifteen people had been interviewed who had expressed feelings, behaviors and decurrent experiences of the surgical construction of intestinal stoma, by means of relation based on emphaty. The comprehensive analysis of the depositions allowed the construction of the units of meanings: negation; fear; conscience of the body; acceptance-change; the family as support and religious as strength. These revelations allowed to understand the feelings of the person with Colostomy and as if it gives to the confrontation of its condition of health, being an act of rescue of the possible life of being constructed.Key words:Nursing. Empathy. Colostomy.IntroduçãoA convivência contínua com clientes hospitalizados tornou possível a percepção dos vários sentimentos contraditórios que envolvem a pessoa que necessita de uma hospitalização. Acrescendo-se a esta circunstância, pessoas que precisam ser submetidas a desvios intestinais, ou já possuem os mesmos, têm esses sentimentos exacerbados devido ao impacto que tal procedimento causa em seu estilo de vida.A inquietação profissional e pessoal tornou-se mais acentuada, quando essa clientela passou a fazer parte do nosso cotidiano laborativo com maior freqüência. Procurou-se, então, percorrer um caminho em busca de conhecimentos específicos, para assistir essas pessoas que, temporária ou definitivamente, estariam eliminando suas excretas por um local, até então, inusitado. Essa busca possibilitou conhecer os vários tipos de estomas, suas características, o papel do especialista e suas implicações diante do cliente com estoma e a organização desta clientela, face ao grande número de associações existentes no país.A Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) ofereceu o Curso de Especialização - Programa de Educação de Enfermagem em Estomaterapia - direcionada para esta temática, proporcionando aos profissionais o aprimoramento de seus conhecimentos e qualificação profissional para um cuidar voltado para a individualidade do ser com colostomia, entre outros.No decorrer do curso, foi proposto aos discentes um trabalho para a conclusão do mesmo. Acreditando na integralidade do ser humano, as autoras foram mobilizadas por um sentimento inquietante de necessidade de aprofundamento nas questões vivenciais deste cliente. Assim, instigou-se o desenvolvimento de um estudo que permitisse a melhor compreensão da interface do existir tendo uma colostomia, procurando compreendê-lo como um ser único e indissociável de sua estrutura biopsicossocial.A temática pareceu relevante ao considerar que, embora as estatísticas apontem a redução do número de pessoas nessa condição, em nosso meio, as causas externas (traumas por arma de fogo e armas brancas e de acidentes automobilísticos), nos grandes centros urbanos, e o diagnóstico tardio das doenças malignas e inflamatórias, envolvendo pessoas jovens, geram uma freqüência mais elevada de estomas. Aliado a esta condição, na atualidade, o aumento da expectativa de vida da população pode propiciar o surgimento de agravos à saúde e resultam, muitas vezes, na necessidade de cirurgias. Desse modo, tendo em vista tais justificativas e a consonância entre as autoras no que tange à angustia diante da inabilidade de orientar e cuidar com propriedade dessa clientela, delineou-se esta pesquisa com o objetivo de conhecer e compreender os sentimentos da pessoa com colostomia.Nosso corpo: o estar no mundo, no espaço e tempoCada pessoa é única no mundo enquanto ser carnal entre outros seres carnais. Cada ser carnal tem, em seu corpo, estruturas iguais e diferentes ao mesmo tempo, proporcionando, com isso, relações também diferenciadas consigo próprio e com o meio a que pertence1. Esse nosso corpo carnal permeia todas as outras relações com o mundo ao nosso redor, tanto no plano físico como nos planos sentimental, espiritual e transcendental.É nesse corpo e por meio desse corpo, que criamos identidade própria, interagindo negativa ou positivamente com nossos pares, expondo nossos sentimentos e emoções1. O que realmente acreditamos ser é o que somos. Somos o nosso corpo e através dele. Portanto, torna-se mister cuidar desse corpo que é nossa maneira de estar no mundo. Fazemos parte de uma cultura na qual o belo, o perfeito, exercem um papel preponderante; influencia contundentemente a personalidade dos indivíduos, destacando-se, sobremaneira, o físico, a auto-imagem, que necessita, a todo custo, estar compatível com o que a mídia veicula, do modo que a sociedade vigente predetermina.Procurou-se, então, compreender esse corpo-pessoa que necessitou fazer uma abertura cirúrgica em sua parede abdominal (estomia) e da qual, de um momento para o outro, sairá o produto de sua excreta. Compreender esse Ser que se vê mutilado e retalhado. Esse Ser que se vê obrigado a uma adaptação, readaptação, mudanças contundentes nas relações e interações consigo e com outrem. Para assistir, é necessário que se atenda e entenda a pessoa em sua totalidade nos aspectos biopsicosociais, e este conhecimento deve ir além de sua estomia.Abordagem temáticaNuma tentativa de melhor compreender este complexo de estruturas, órgãos, sistemas, sentimentos e emoções que compõem o corpo humano desde os tempos remotos, ele é dividido e representado simbolicamente em suas partes.Os assírios e os egípcios representavam o corpo humano como uma esfinge onde cada parte era simbolizada por um animal. Ainda hoje, após séculos, algumas dessas representações permanecem vivas, influenciando o entendimento sobre o corpo. Sendo assim, podem-se visualizar os intestinos (que estão na cavidade abdominal, localizados no centro) como um grande labirinto, assim como o cérebro. Equilibrar-se nesse labirinto é estar centrado. Então, quando alguma anormalidade é identificada nessa região, sente-se perder o centro, o eixo2 e quando algo se rompe, como a necessidade de cortar, tirar, suturar, este centro vem à tona, carregado de anseios e angústias, levando as pessoas a estar num “labirinto” de sentimentos contraditórios.Analisando o contexto social em que vivemos, o ato de defecar acontece em lugar privativo. Existe, nesse momento, uma relação muito peculiar entre a pessoa e seu corpo que, raras vezes, é dividido com alguém e, em cujo “espaço-tempo”, cada pessoa guarda consigo, rituais e condutas. Voltando-se para a pessoa com estoma - para a qual, nesse momento, a exposição não será somente dos dejetos fecais, mas de um contexto de formação do indivíduo, guardando seus princípios psicológicos e fisiológicos - a estomia apresenta-se como um desafio de representar uma nova referência para suas eliminações intestinais, antes um ato discreto, privativo e controlado3. Tornar este procedimento natural e instintivo, um momento “fisiológico”, é complexo para muitos seres humanos, e sentimentos como vergonha e nojo costumam estar presentes para aquele que, anteriormente, não necessitava olhar ou tocar3.Um dos comportamentos que se identifica no cotidiano é o fato de as pessoas com estomias, em conseqüência do conflito que vivenciam, protelarem os cuidados ou delegarem a terceiros, o que antes lhes competia fazer, por conta de situações culturais e pessoais ainda não resolvidas.Nesse caminhar profissional, no curso da especialização, a necessidade de saber para poder fazer foi tornando-se mais evidente em nosso cotidiano, impulsionando a transposição de barreiras pessoais em busca do cuidar. A referência ao “cuidado” significa a troca de sentimentos, de interação, de um processo no qual o cliente não é apenas “paciente”, recebendo medicamentos ou sendo submetido a curativos, lavagens intestinais, troca de bolsas etc. O processo de cuidar torna-se uma parceria com uma interação na qual o usuário integra este assistir, como co-participante ativo de seu processo de recuperação e autocuidado.Neste contexto, a reflexão prende-se a um cuidado que valoriza não somente a parte física afetada, ou seja, o intestino, o abdome, o ânus, mas foca o cuidar com a consciência e o conhecimento específico que transcende a dimensão biológica, embora se viabilize por meio da dimensão física, a matéria que é seu corpo, envolvendo e efetivando-se pelas relações interpessoais e pela interação com o ambiente em que o usuário vive.Para compreender o paciente com estoma, a ambigüidade de sentimentos e ações que permeiam o seu processo de reconhecimento e a reinserção ao status-quo, é necessário conhecer o contexto social em que ele foi criado e sua forma peculiar de enxergar o mundo. Como ele percebe a saúde e o que significa para ele estar doente; como ele se percebe com uma colostomia para tentar retornar a si mesmo enquanto “Ser”, voltar à sua essência, para viver neste mundo sem se deixar alienar.MétodoEssa pesquisa teve seu projeto aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Universitário da UFJF, atendendo a Resolução 196/96, conforme parecer nº 338. 023. 20044.Ao aprofundar os conhecimentos sobre pesquisa encontrou-se que:A pesquisa qualitativa aprofunda-se no mundo de significados, das ações e relações humanas, um lado não perceptível e não compatível em equações, médias e estatísticas. Trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações5.Então, para compreender o fenômeno “sentir” da pessoa com estomia, optou-se pela pesquisa qualitativa, numa aproximação com a abordagem fenomenológica, guardando seus princípios, e na qual o investigador interage com o investigado, buscando compreender o fenômeno investigado6.A fenomenologia é uma ciência descritiva, rigorosa, concreta, que mostra e explicita o ser nele mesmo, que se preocupa com a essência do vivido”7. Nos últimos anos, a abordagem fenomenológica vem apresentando uma forma de investigação científica que tem se aproximado das questões vivenciais de cada ser humano, que procura compreender o ser, o fenômeno por meio daquilo que foi experienciado por cada um, ou seja, um modo único e indissociável do ser e corpo como pessoa. Há, nesse processo de investigação científica, uma maneira de se chegar à compreensão do fenômeno sem preconceitos, ou seja, existe uma liberdade nesse caminhar investigativo, genuíno e único.Apesar do senso comum não diferenciar as várias estomias intestinais, optou-se por fazer um recorte neste universo e definir este trabalho para a clientela que possui uma colostomia temporária ou permanente, buscando-se compreender este ser que se revela através de suas conversas, atitudes e sentimentos ao conviver com a sua colostomia.Para nortear a coleta de dados, foi utilizada a entrevista aberta, com a seguinte pergunta: Como você se sente convivendo com sua colostomia? Os depoimentos foram colhidos no HU/UFJF e no Núcleo de Ostomizados de Juiz de Fora-MG. A amostra foi de conveniência, sem predefinição do gênero ou do tempo de colostomia. Quinze entrevistas com pacientes com colostomia foram realizadas, no período de maio a junho de 2004, sendo interrompidas com a saturação dos dados. Para manter o anonimato, as entrevistas foram numeradas na seqüência em que ocorreram.Cada fala e leitura foi se revelando como fragmentos de vida tão peculiar e singular, tanto na expressão do rosto como no contexto do relato... de cada silêncio... tão significativo quanto as palavras ditas por aquelas pessoas. Utilizando-se a análise compreensiva, na abordagem fenomenológica, foi possível apreender significados e aproximar de seu mundo e, então, construir as unidades de significados que assim foram representadas: negação; medo; consciência do corpo; aceitação-mudança; a família como suporte; religiosidade como força.  Análise Compreensiva das unidades de significados - NegaçãoDiante da necessidade de se conviver com uma situação-problema, a negação foi um sentimento experienciado, sendo uma forma do ser humano resguardar-se temporariamente dos conflitos que poderão advir de tal circunstância. As súbitas indicações e realizações das estomias podem trazer uma grande surpresa e trauma, pelo desconhecimento e dúvidas que surgem a seu respeito e no curso da sua vida3. A pessoa nega até assimilar o que aconteceu, esperando encontrar nesses momentos apoio e compreensão de familiares e amigos. “A negação funciona como um pára-choque depois de notícias inesperadas e chocantes, deixando que o paciente se recupere com o tempo, mobilizando outras medidas menos radicais8”. Percebe-se a presença da negação nesta fala:  “Eu não aceitava em hipótese alguma esta situação”. A2Percebe-se também que os pacientes com estoma demonstraram a dificuldade inicial de ajustar-se a uma nova situação. Sentimentos diversos tomam conta da pessoa nesse momento. Alguns tendem à depressão, tristeza e isolamento social.- MedoO medo é um sentimento que faz parte do processo de viver do ser humano. Provoca uma desorganização emocional, com períodos de conflito, dúvida e reações inesperadas6. A consciência de sua finitude caracteriza e diferencia o ser humano, ao construir, ao longo da vida, a sua história, vínculo com seus amigos; acumula bens materiais e aquilo que ele acredita ser importante e indispensável ao seu bem-estar. Ao se deparar com uma doença, a percepção dessa finitude emerge à flor da pele, tanto no sentido literal como figurativo, passando a sentir em seu corpo as dores, o emagrecimento e a perda de força muscular. Tudo isso o empurra para algo assustador e desconhecido, como se observa no relato seguinte:  “...Eu tenho um medo medonho. Querer enfrentar sem este medo que eu tenho e vem não sei de onde”. A14O medo é uma força que se manifesta maior que a própria vontade de viver, impede a execução de tarefas cotidianas, empurrando, cada vez mais a pessoa para o encontro antecipado com a morte, que tanto teme por ser sua única certeza. Merece destaque a assertiva: “...o ser humano possui dois grandes medos: o medo da vida e o medo da morte9”.O terror da morte é a depressão, que faz com que, por auto-recriminação, uma pessoa entre em paralisação, abdicando de viver e iniciando o processo de morrer em vida.- Consciência do corpoA alteração da auto-imagem faz-se presente na visualização do estoma, na parede abdominal, quando a consciência do corpo fica muito mais evidente. “O corpo que se descobre na doença se revela diferente daquele que se supunha conhecer... [ ] uma realidade que se impõe insidiosamente e que recusa a fazer-se esquecer”1.No cotidiano, sabe-se da existência do corpo. Mas isso fica no inconsciente, até que a doença remete à condição de ter a percepção da importância dele no viver. Essa condição faz com que o homem fique frente à frente com a relação intrínseca entre ser o corpo e através dele. Ao mesmo tempo em que a pessoa já não tem o domínio de suas ações, pois a doença instalada no corpo provoca sensações que o impedem de esquecê-lo. Assim como os sentimentos expressos no depoimento:“No primeiro dia que eu vi, eu achei meio esquisito, porque eu não esperava, né?” A11A necessidade de uma colostomia provoca uma grande surpresa para aqueles que a vivenciam. Muitas pessoas não têm conhecimento do que é uma colostomia e, de repente, vêem-se suas portadoras, plenas de dúvidas, angústias, alteração da aparência física, mudança de hábitos e de vida. As transformações invadem o seu cotidiano, instalando-se em seu mundo-vida, em toda a dimensão de seu existir.- Aceitação-MudançaAcredita-se que os processos de aceitação e de enfrentamento, pelos quais passa o indivíduo que fará ou fez uma derivação intestinal, surgem sentimentos que constituem uma trajetória empreendida por um grande número de pessoas. Ao se confrontarem com uma realidade adversa, com uma situação-problema, apresenta-se um impacto inicial que gera, aos poucos, reflexões acerca da vida e do fato de que ela não se resume num acontecimento em si. Diante desse momento de adaptação, a pessoa com colostomia refaz-se, renova-se, no processo de reaprender a conduzir sua vida. Ela passa a buscar conhecimentos acerca da situação e a engajar-se na proposta de assistência10.A aceitação de determinadas situações na vida do ser humano passa pela concepção que cada um tem de como viver, por uma busca da motivação. Também no cotidiano profissional, encontram-se pessoas que aceitam as circunstâncias adversas como única opção de estarem “aqui”. Como exemplificam alguns relatos:“Foi tudo bem. Aceitei bem desde o primeiro dia, e foi isso aí...” A6”Foi um período difícil de minha vida,...Superei tudo e tenho certeza que tô indo cada dia melhor, sem problemas....”. A9Os sentimentos expressos permitem compreender que o ser humano, diante da adversidade, pode apresentar respostas diferentes. Muitos visualizam esses momentos como ricos em aprendizado, valorizando o estar vivo, independente da situação de saúde em que se encontram.- Importância da famíliaNa presença de uma enfermidade entre um dos componentes do núcleo familiar, vêm à tona sentimentos e conflitos que precisam ser trabalhados conjuntamente, para favorecer um ambiente que acolha a pessoa fragilizada pela doença. Espera-se que a família, reagindo positivamente, possa contribuir de forma significativa na recuperação física e emocional da pessoa com estoma, bem como na sua reinserção nas atividades sociais e cotidianas11.A doença desencadeia a necessidade do estabelecimento de uma comunicação mais plena e intensa entre os membros da família. Quando esta necessidade não é suprida adequadamente, para um ou vários membros do núcleo de convivência, a pessoa doente pode transferir ou buscar, em amigos e ou profissionais, a sua satisfação. Pode-se perceber essa necessidade de aceitação, apoio e segurança nas seguintes falas:“A família ajudou muito. Acho isto muito importante. E tive muito apoio” A15“...vou continuar levando minha vida numa boa, tenho apoio de minha família e amigos. “A10Diante da enfermidade, a aceitação e o apoio de familiares torna-se imprescindível, possibilitando à pessoa um processo menos sofrido do ato de adoecer.- Religiosidade como forçaA busca pelo contato/convívio interno com um Ser Supremo pode ser identificada na maioria das falas dos depoentes, visto que a palavra “Deus” esteve sempre presente. Embora sem aprofundamento na forma de expressão religiosa, foi nítida a menção de “algo superior”, de uma força, como uma das formas de expressar um sentimento, e o encontro com uma energia que foi lembrada como capaz de gerar amparo nos momentos de sofrimento e auxiliar no enfrentamento da angústia e do desespero. A fé e a religiosidade trazem coragem para enfrentar a doença com resignação e conforto, como resposta à situação vivenciada6. Devido à impotência que o ser humano apresenta perante a situação vivida, ele transfere esta responsabilidade para este “ser maior”.“Só agradecer mesmo a Deus. Tenho mais é que agradecer.” A11“Então, para mim, foi uma salvação. Graças a Deus”. A15Na presença de uma enfermidade, quando o homem se depara com a finitude, vem à tona a necessidade de resgatar este lado que transcende o físico, atribuindo-se a esta factualidade a necessidade de autopreservação ou de agarrar-se a algo inatingível que sustenta e ampara o “lado” transcendental. Acredita-se que cada dia vivido é um caminhar lento para a morte.Considerações FinaisEsta pesquisa propiciou acurar a sensibilidade na busca de compreender, numa dimensão holística, o ser com uma colostomia. Ao nos reportarmos à nossa formação acadêmica, voltada para o contexto biológico - que fragmenta o ser humano em órgãos e sistemas, muitas vezes esquecendo que este ser tem uma multidimensionalidade emergente em suas ações cotidianas - ver-se-á que este caminhar foi árduo, angustiante, mas, ao mesmo tempo, estimulante e enriquecedor.Na quase totalidade das falas, a referência ao Núcleo de Ostomizados foi contextualizada como sendo de suma importância para o processo de enfrentamento da nova situação, favorecendo a reinserção no meio social. As experiências compartilhadas com outras pessoas com colostomia propiciam àqueles, cujo procedimento ocorreu recentemente, a força necessária para transporem as barreiras iniciais e dificuldades apresentadas pela nova condição de vida.Foi extremamente gratificante apreender, das vivências apresentadas, que a grande maioria das pessoas enxergava na colostomia uma possibilidade de salvação. Se a construção de uma derivação intestinal é inicialmente percebida como intervenção para uma má qualidade de vida, para os depoentes ela foi mencionada como ato de resgate da vida possível a ser construída, alterando alguns paradigmas. A partir da compreensão do “ser colostomizado”, espera-se contribuir para que a enfermagem, envolvida com a arte de cuidar, possa repensar o fenômeno cuidar/cuidado, incluindo a pessoa com estomia como participante ativo neste processo. Acredita-se que o aprimoramento adquirido através da especialização, em consonância com as técnicas já consolidadas, possibilita melhor interação, sintonia e harmonia com a clientela a ser assistida, no atendimento de seus anseios em direção à sua reinserção social e domínio do autocuidado, interrompido ou perdido durante o processo cirúrgico, que resultou em uma colostomia.Espera-se que este estudo possa contribuir para uma reflexão e análise crítica sobre colostomias, tema ainda repleto de tabus e preconceitos no próprio meio acadêmico. Evidenciou-se que só será possível auxiliar no processo de reabilitação deste cliente quando se conseguir enxergá-lo não somente no aspecto biológico, mas em sua essência, que permite “estar no mundo” e num contexto existencial. Nesta dimensão mais ampla, poder-se-á beneficiar outras tantas pessoas com estomias, seus amigos, familiares, aqueles que estão mais próximos, enfim, todos os que acreditam que mesmo na diferença, pode-se vislumbrar a integridade de seres humanos que existe em cada um.


Downloads

Download data is not yet available.

References

Marzano M, Parisoli M. Pensar o corpo. Petrópolis (RJ): Ed. Vozes; 2004.

Leloup JY. O corpo e seus símbolos: uma antropologia essência. Petrópolis (RJ): Ed. Vozes, 1998.

Luz MHBA. A dimensão cotidiana da pessoa ostomizada: um estudo de enfermagem no referencial de M. Heidegger.[tese]. Rio de Janeiro (RJ): UFJR/EEAN/ Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2001.

Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde, Comitê Nacional de Ética em Pesquisa em Seres Humanos. Resolução Nº 196 de 10 de outubro de 1996: diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Brasília (BR): O conselho; 1996.

Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo (SP): Ed. Hucitec; Rio de Janeiro(RJ): Abrasco, 2004.

Salimena AMO. Buscando compreender os sentimentos da mãe ao deixar o seu filho à porta da sala de operação. [dissertação]. Belo Horizonte (MG): UFMG/EE/ Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2000.

Amorim EF. Ser-no-mundo portador de câncer e de ostomia intestinal: contribuição para a assistência de enfermagem. [dissertação]. Rio de Janeiro (RJ): UFJR/EEAN/ Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 1996.

Kubler-Ross E. Sobre a morte e o morrer. São Paulo: Ed. Martins Fontes; 2000.

Kovács MJ. Morte e desenvolvimento humano. São Paulo: Ed. Casa do Psicólogo; 1992.

Mantovani M F. O processo de interação propiciando ensino e aprendizagem na vivência com ostomia. [dissertação]. Santa Catarina (SC): Universidade Federal de Santa Catarina 1996.

Perugini V C. Processo de viver com estomia: facilidades e limites. Estima. 2006. Jan-fev-mar, 4 (1): 15-20.

Published

2016-03-23

How to Cite

1.
Almeida RLM de, Meirelles VC de, Salimena AM de O, Melo MCSC de. Artigo Original 2. ESTIMA [Internet]. 2016 Mar. 23 [cited 2024 Nov. 22];4(3). Available from: https://www.revistaestima.com.br/estima/article/view/22

Issue

Section

Article

Most read articles by the same author(s)