Artigo Original 1
Abstract
Estoma e Vida Laborativa Ostomy and Labor Life
ResumoO trabalho é toda atividade física e cognitiva realizada conscientemente pelo homem, com a finalidade de produzir riqueza, servindo como base às relações sociais, funciona como elo social do convívio extra-familiar. Em grupo, possibilita relações de amizade, companheirismo, e até mesmo de competição, que unem os indivíduos e os mantêm em constante participação social. Revigora o homem e proporciona uma descarga de energia psíquica, eliminando suas tensões. Alguns agravos à saúde podem limitar temporariamente o indivíduo à vida laborativa. Dentre estes, os estomas, que geram alterações e dificuldades em diversos aspectos da vida, sendo a vida laborativa uma importante área afetada. O objetivo deste estudo foi identificar as dificuldades que levam ao não retorno à vida laborativa após a realização do estoma das pessoas com estomas, cadastradas no Programa de Assistência ao Estomizado no município de São José dos Campos, por meio de entrevistas, sob o enfoque qualitativo à luz da teoria das Representações Sociais e compondo o discurso do Sujeito Coletivo (DSC). Os temas Centrais resultantes apontam as dificuldades, sentimentos e percepções da pessoa estomizada a respeito da vida laborativa, mostrando que existe a necessidade de capacitar profissionais de saúde para assistir a pessoa estomizada, a organização de serviços e Programas de assistência que trabalhem com esta clientela desde o pré-operatório, a necessidade de esclarecimento da população em geral sobre o que é um estoma e suas reais implicações para a vida laborativa.Palavras Chaves: Trabalho. Estomia.AbstractThe work is al physical activity and cognitive carried through conscientiously for the man with the purpose to produce wealth, serving as base to the social relations, it functions as social link of the extra-familiar conviviality. In group, it makes possible friendship relations, felowship, and even though of competition, that the individuals join and they keep them in constant social participation. It revigorates the man and it provides a discharge of psychic energy eliminating its tensions. Some health disorders can temporarily limit the individual to the work life. Amongst these the ostomy, that generaly produce alterations and difficulties in diverse aspects of the life, is being the work life an important afected area. The Objective of this study was to identify the difficulties to the return to the work life after the accomplishment of an ostomy of the people registered in the Assistance Program in the city of São José dos Campos, by means of interviews, under the qualitative approach to the light of the theory of the Social Representations and composing the Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). The subjects resultant Central Ideas that point the dificulties, feelings and perceptions of people with an ostomy regarding the work life, showing the necessity to make able health professionals to attend these people, the organization of services and programs of assistance that work with them since the pre operate time, the necessity of clarification of the population in general on what is an ostomy and its real implications for the work life.Key ords: Work. Ostomy.IntroduçãoO trabalho é toda atividade física e cognitiva realizada conscientemente pelo homem, com a finalidade de produzir riqueza, servindo como base às relações sociais1,2,3. Ele funciona como elo social do convívio extra-familiar3. Em grupo, possibilita relações de amizade, companheirismo, e até mesmo Artigo Original de competição, que unem os indivíduos e os mantêm em constante participação social.Além disso, o trabalho revigora o homem e proporciona uma descarga de energia psíquica, eliminando suas tensões1.Alguns agravos à saúde podem limitar temporariamente o indivíduo à vida laborativa4. Dentre esses agravos, podemos citar os estomas, que freqüentemente advém de traumas, cânceres e outras patologias. O câncer do intestino atingiu, em 1999, em todo Brasil, taxas de 4,4 indivíduos por 100.000 habitantes, sendo que, o Estado da São Paulo, está bem acima dos outros estados brasileiros: 10,5 indivíduos por 100.000 habitantes5.A realização do estoma tem como função principal salvar vidas e pode fazer parte do tratamento do câncer intestinal. No entanto, pode gerar diversas dificuldades aos indivíduos submetidos à mesma, tais como: mudanças corporais e sociais, alimentares, vestuário, desempenho de papéis e sexualidade. Todas essas alterações podem causar transtornos psicológicos levando à ansiedade, angústia, depressão, medo de rejeição e vergonha, acarretando assim, um isolamento social do indivíduo6,7.As transformações físicas são preponderantes, uma vez que produzem nos portadores de estoma um sentimento negativo de temor quanto ao uso de uma bolsa coletora por estar inserido em uma sociedade que lida com conceitos estéticos, cores e fragrâncias7. A alteração da auto-imagem leva a uma sensação de mutilação e de rejeição de si mesmo, essa imagem refere-se aos sentimentos envolvidos em nossa percepção e ao meio que nos circunda8. Na prática diária de enfermagem pudemos evidenciar que o estoma afeta diretamente a auto-imagem dos indivíduos, levando-os muitas vezes, a sentirem-se inferiores, ou até mesmo incapacitados para realização de diversas atividades cotidianas. Com medo de que sua bolsa seja notada, por vezes, preferem isolar-se do convívio social, escolhendo a exclusão ao enfrentamento da nova realidade a que estão sujeitos.Uma das causas de angústia para esses indivíduos e suas famílias é geralmente a ausência de planejamento prévio da realização do estoma6. Muitos não recebem qualquer tipo de orientação, e quando recebem, é superficial, aumentando assim a tensão em relação à doença9,10.Tão importante quanto isso é o auxílio e o estímulo da realização de suas atividades diárias, visando o desenvolvimento da independência e a segurança para o autocuidado. É imprescindível o envolvimento da família na assistência durante a internação, pois é ela que assume a continuidade do cuidado no período de transição hospital/ moradia6,7,8,11.Segundo a Declaração Internacional dos Direitos dos Ostomizados12, o paciente portador de estoma, deve:"Receber apoio e informações para benefício da família, dos cuidados pessoais e dos amigos a fim de aumentar o entendimento sobre as condições e adaptações necessárias para alcançar um padrão de vida satisfatório para viver com a ostomia".No planejamento para a alta hospitalar é de suma importância que o paciente e sua família sejam encaminhados para um grupo de apoio, pois este serve como anfitrião ao portador de estomia no seu retorno à sociedade. Estes grupos proporcionam o contanto com outros indivíduos que sofreram a realização da estomia, minimizando a tendência ao isolamento social, auxiliando no enfrentamento da realidade e facilitando o retorno às atividades diárias.Baseados em nossas atividades profissionais diárias, percebemos que os indivíduos portadores de estomia que participam de grupo de apoio enfrentam melhor sua realidade e a nova situação de vida, devido ao compartilhamento de emoções e experiências, boas ou más. O grupo geralmente proporciona uma visão positiva do estoma, visto que sem a realização deste não poderiam estar vivos e perto de seus entes queridos.A sociedade atual não credita ao portador de deficiência sua capacidade produtiva, afastando-o compulsoriamente do mercado de trabalho. Esse afastamento torna-o vulnerável, infeliz e com sensação de invalidez, podendo motivar ou reativar tendências de autodestruição6. Muitas vezes, o meio social considera o indivíduo que possui um estoma deficiente e incapaz de exercer as atividades a que estava acostumado, principalmente as relacionadas à vida laborativa, fazendo-o aceitar este estereótipo imposto. Desta forma, ele pode abandonar as atividades laborativas, procurando a aposentadoria precoce.A reinserção social é imprescindível para que o portador de estomia aceite melhor as mudanças que ocorreram em seu corpo e, conseqüentemente, em sua mente. O retorno à vida laborativa pode ser uma forma de auxiliar e antecipar essa reinserção, ajudando o indivíduo a retomar seus afazeres e atividades cotidianas2.É importante que os profissionais da área de saúde entendam e conheçam quais são as dificuldades encontradas pelos indivíduos estomizados para o seu retorno às atividades laborativas, podendo prestar, assim, uma melhor assistência no processo de reabilitação.Assim sendo, este estudo teve como objetivo identificar dificuldades que levam ao não retorno à vida laborativa após a realização da cirurgia pelos portadores de estomas cadastrados a um Centro de Reabilitação de Estomizados no município de São José dos Campos-SP.MétodosNeste estudo, optou-se pelo enfoque metodológico qualitativo, à luz da teoria das Representações Sociais, expresso pelo Discurso do Sujeito Coletivo.A metodologia qualitativa expressa os diversos significados das relações, enfatizando as diferentes crenças, percepções e valores individuais que se atribui à consciência coletiva13.As representações coletivas, por terem características de fato sociais, exercem no indivíduo uma coerção exterior. A consciência coletiva representa um conjunto de crenças e sentimentos comuns ao grupo, referindo-se ao modo pelo qual esses se vêem e se definem14. A teoria das representações sociais está embasada na produção de significados em um coletivo que interpreta os eventos do mundo vivido14.Este estudo pretendeu conhecer o pensamento coletivo de pessoas estomizadas, buscando identificar as dificuldades que podem contribuir para o não retorno à vida laborativa após a presença do estoma, visto que busca reconstruir uma representação social sobre um fenômeno, utilizando-se de trechos de discursos individuais15, obtidos por meio de entrevistas individuais.Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade de Taubaté. As entrevistas semi-estruturadas individualizadas foram realizadas junto a 5 pessoas estomizadas, cadastradas no Centro de Reabilitação Centro-Norte de Ostomizados do Vale do Paraíba, na cidade de São José dos Campos, no mês de outubro de 2004, com idade entre 39 a 67 anos e que se aposentaram ou estavam afastados de suas atividades profissionais após realização do estoma, em decorrência do mesmo.A fim de garantir o anonimato das pessoas entrevistadas, trocamos seus nomes por pseudônimos de super-heróis fictícios.Após a transcrição das entrevistas, as respostas foram lidas por diversas vezes e retiradas dessas as expressões chaves dos discursos que deram origem as idéias centrais e as ancoragens de cada expressão, que por sua vez foram agrupados e, finalmente, transformou-se no Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), de acordo com os grandes temas que surgiram.Resultados e DiscussãoParticiparam do estudo cinco pessoas estomizadas afastadas de suas atividades profissionais, todos eram colostomizados, sendo três do sexo masculino e dois do sexo feminino. Quatro estavam aposentados e um afastado de suas atividades laborativas.Dos discursos transcritos surgiram as expressões chaves que deram origem aos principais grupamentos de idéias, que por sua vez originaram as Unidades Temáticas resultantes que seguem abaixo.DSC - No começo é difícil porque a colostomia ela não tem controle, se dá uma dor de barriga de repente, eu não consigo controlar..é que nem criança, se ela tá com vontade de fazer xixi, faz. Com o passar do tempo, aí melhora e fica estabelecida.Unidade Temática I - O estoma implica em descontrole intestinalApós a cirurgia, a pessoa estomizada depara- se com modificações fisiológicas e precisa adaptar- se a sua nova condição. Essa adaptação gira em torno da mudança fisiológica durante a eliminação das fezes e das implicações advindas desta nova realidade, como odor e uso obrigatório da bolsa de colostomia17.Unidade Temática II - O trabalho e sua importância socialDSC -Na época a gente acha que ficou inválido pra tudo, demora pra aceitar porque tava acostumado a trabalhar. No início sentia falta, eu tentei voltar ao trabalho. Tava com encaminhamento médico para me afastar definitivamente, eu rodei por aí estudando algum serviço, mas tem um monte de obstáculos que me atrapalha. Hoje estou cansado, já trabalhei tanto. Agora eu só trabalho em casa,..tem muita coisa pra fazer, eles estão sempre me ocupando de alguma coisa que é pra mim não poder ficar totalmente isolado, me sentindo inválido. Eu não me sinto uma pessoa inútil. A única coisa que me incomoda é que eu não tô podendo trabalhar,..pra voltar pra sociedade, pra trabalhar de novo não dá,..eu sei que eu vou me chatear, vou me magoar.O sentimento de invalidez pode aparecer logo após a realização do estoma, e este geralmente é acompanhado de inúmeros outros, como a sensação de mutilação, castração, fraqueza, desespero, desgosto e o medo de acidentes com o estoma17.Estes aspectos são extremamente relevantes quando se pensa na assistência e reabilitação da pessoa estomizada, visto que pode ser trabalhado desde a fase pré-operatória, o que pode contribuir para que a pessoa consiga superá-los de forma efetiva.Uma vez que a mutilação física é uma imposição permanente, o indivíduo vê-se impelido a adaptar-se18, para tal é necessário que a pessoa conheça suas possibilidades, potenciais e seus direitos. Nesta Unidade Temática é possível perceber a inter-relação entre a presença do estoma, trabalho e reinserção na sociedade. O desejo de retornar ao trabalho está presente, porém, quando as pessoas estomizadas se deparam com obstáculos, preferem distanciar-se das pessoas na tentativa de evitar a rejeição e o constrangimento17.
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