Atualização 1

Authors

  • Suzana Aron Enfermeira Estomaterapeuta – Ti SOBEST. Gerente técnica e treinamento – Politec Importação e Comércio Ltda. Linha de produtos: Smith&Nephew. Membro pleno da SOBEST.
  • Monica Antar Gamba Professora Adjunto nível 4 da Escola de Enfermagem da UNIFESP. Enfermeira Especialista em Dermatologia pela SOBENDE. Sanitarista. Coordenadora do Núcleo de Pesquisa Cuidar-te.

Abstract

Preparo do Leito da Ferida e a História do TIMEWound Bed Preparation and a History of TIME

ResumoO tratamento das feridas crônicas envolve uma observação minuciosa das alterações da integridade cutâneo-mucosa e anormalidades celulares, que são fatores impeditivos para que ocorra a cicatrização das mesmas. O conceito de Wound Bed Preparation (WBP) - Preparo do leito da ferida- tem proporcionado tanto uma abordagem sistemática na remoção dessas barreiras quanto promovido os efeitos das terapias avançadas1. Essa breve revisão de WBP tem como objetivo apresentar o desenvolvimento desses conceitos e sua aplicação de forma sistemática, utilizando a ferramenta TIME. O acrônimo da palavra TIME surgiu em 2002, foi desenvolvido por um grupo de especialistas reconhecidos nas áreas de medicina e enfermagem, envolvidos no cuidado de feridas, e publicado em 2003. Demonstra as observações clínicas de intervenções para cada fisiopatologia envolvida e os resultados esperados para cada um dos 4 componentes – T para tecido não viável, I para Infecção/Inflamação, M para o desequilíbrio da umidade e E para Epiderme. O instrumento TIME foi revisado e a nova versão publicada em 2004, para esclarecer o componente relacionado à margem epidérmica, para ser lido E, para margem da ferida (não avança ou presença de espaço morto). Esses quatro princípios podem ser utilizados para realizar intervenções locais que interferem na cicatrização das feridas crônicas. O conceito TIME é importante ferramenta de avaliação na assistência de enfermagem às pessoas com feridas crônicas.Descritores: Enfermagem. Desbridamento. Infecção. Cicatrização de feridas.AbstractThe treatment of chronic wounds involves a detailed observation of changes in skin-mucosal integrity, and of cellular abnormalities that prevent the wound from healing. The concept of wound bed preparation (WBP) has provided a systematic approach to removing these barriers to wound healing and enhancing the effects of advanced therapies.1 The aim of this brief review of WBP is to present the development of these concepts and their systematic application using the TIME assessment tool. The TIME acronym was developed in 2002 by a group of experts in medicine and nursing involved in wound care, and published in 2003. It relates clinical observations and interventions to the underlying wound pathophysiology in each of four areas: T – tissue, non-viable; I – infection/inflammation; M – moisture imbalance; and E – epidermis. The TIME assessment tool was revised to better describe the component related to the epidermal edge, which became E – edge of wound (non-advancing or undermined), and its new version was published in 2004. These four principles may be used in local wound care that impacts the healing of chronic wounds. The TIME concept is an important tool in the nursing care of patients with chronic wounds.Descriptors: Nursing. Debridement. Infection. Wound Healing.IntroduçãoAs feridas crônicas representam um grande desafio para os profissionais da saúde. Nessas, o processo celular é interrompido e funções anormais ocorrem devido a fatores sistêmicos, locais ou ambos, dessa forma, frequentemente, ocorre um retardo no processo de cicatrização1,2,3Recentes avanços na ciência molecular têm contribuído para melhorar o conhecimento dos profissionais que atuam nessa área, permitindo uma revisão de conceitos e práticas antigas ainda realizadas em nosso meio. Nas últimas décadas, as pesquisas demonstram que houve melhora nas taxas de cicatrização de pessoas com feridas crônicas2. Apesar das melhorias gerais, ainda existe parte delas que não cicatrizam, mesmo sendo instituído tratamento avançado. Para estas, portanto, têm sido estudados detalhadamente os fatores que influenciam a sua cicatrização, bem como o preparo do leito dessas feridas2.O processo de tratamento das feridas começa com a avaliação e documentação das mesmas, lembrando sempre que “cada paciente e cada ferida são únicos”, e essa etapa deve acontecer antes do planejamento e implementação das intervenções terapêuticas. Van Rijswijk4 afirma que tanto o estabelecimento do plano terapêutico, bem como a habilidade em determinar sua eficácia, dependem da anamnese completa do indivíduo, assim como de avaliações regulares de fatores sistêmicos e locais da ferida.Métodos padronizados foram desenvolvidos para permitir aos profissionais monitorarem as lesões e, consequentemente, avaliar o efeito de uma intervenção. Instrumentos de avaliação que melhoram e estimulam a comunicação entre os profissionais da equipe de saúde possibilitam atingir os objetivos esperados4.Diferentes sistemas de classificação foram desenvolvidos para avaliar úlceras por pressão, utilizando o estadiamento, como o sistema NPUAP (The National Pressure Ulcer Advisory Panel)/ AHCPR (Agency for Health Care Policy and Research). O NPUAP é um órgão norte-americano, composto por profissionais especialistas reconhecidos, que é responsável pelo estabelecimento de diretrizes para a prevenção e tratamento das úlceras por pressão nos Estados Unidos da América5. Outras ferramentas foram desenvolvidas para avaliar a cicatrização das feridas, tais como o Pressure Sore Status Tool (PSST) e o Pressure Ulcer Scale for Healing (PUSH)6, sendo essa última adaptada transculturalmente para a língua portuguesa7, entre outras escalas já publicadas internacionalmente. O objetivo dessas ferramentas é proporcionar aos profissionais informações que mostram se o tratamento foi efetivo e se a evolução da lesão está ocorrendo de forma adequada.O desenvolvimento dessas ferramentas é um passo comum para a abordagem sistematizada no tratamento das feridas crônicas. Entretanto, não fazem uma relação entre observações clínicas e as intervenções recomendadas, e também não proporcionam nenhum conhecimento a respeito das anormalidades sistêmicas que ocorrem, para que o profissional possa entender porque as feridas por vezes não cicatrizam.Assim, visando disponibilizar um instrumento para intervenção no local de feridas em nosso meio, é que será apresentada nessa revisão a ferramenta TIME, para ser utilizada em pacientes com feridas crônicas.• Revisão da literaturaO acrônimo da palavra TIME surgiu em 2002, desenvolvido por um grupo de especialistas reconhecidos nas áreas de medicina e enfermagem, envolvidos no cuidado de feridas. Foi primeiramente publicado em 20038, no formato de um quadro (Quadro 1), que relata as observações clínicas de intervenções para cada etapa da fisiopatologia envolvida e os resultados esperados para cada um dos 4 componentes. O instrumento TIME foi revisado e esta nova versão publicada em 20048, para esclarecer o componente relacionado à margem epidérmica. Inicialmente, a incorporação da palavra epiderme ao acrônimo pareceu indicar que o problema da não migração estava na epiderme. Na verdade, a falha da epiderme em migrar talvez seja provavelmente um problema na matriz extracelular ou nas células que estão na margem da ferida, os queratinócitos. Então o quarto componente foi revisado para ser lido: E para margem da ferida (não avança ou presença de espaço morto). Essa revisão está reproduzida no Quadro 2.T: Tecido inviável: tecido necrótico são células mortas, debris e esfacelo (ou material fibrinoso), consistem de fibrina, pus e material proteináceo. Tecido necrótico e esfacelo proporcionam crescimento de bactérias que irá promover inflamação e infecção. Falanga9 propôs o termo “carga necrótica” para descrever uma grande quantidade de tecido necrótico, excesso de exsudato e bactérias dentro do tecido morto. Esse acúmulo na ferida crônica prolonga a fase inflamatória, obstrui mecanicamente a contração da ferida e impede a reepitelização. O desbridamento deve ser realizado, não somente para remover a obstrução física, para que ocorra a contração, mas também para reduzir o número de microorganismos, toxinas e outras substâncias, que reduzem as defesas do hospedeiro.quadro001quadro002ImagemimagemI: Infecção / Inflamação: níveis de bactéria na ferida podem ser definidos como contaminação, colonização, infecção local ou colonização crítica, infecção sistêmica. Contaminação é definida como presença de microorganismos não replicantes, mas não impede a cicatrização. Colonização como presença de microorganismos replicantes que aderem na superfície da ferida, não causa prejuízo celular ao hospedeiro e não impede a cicatrização. Colonização crítica é quando a carga bacteriana na ferida está entre colonização e infecção. Neste caso, a ferida não cicatriza ou esse processo é muito lento, mas não se observam os sinais clássicos de infecção, como eritema, edema, calor e dor e perda de função. Os sinais clínicos e sintomas das feridas infectadas localmente são o retardo da cicatrização, dor, aumento do exsudato seroso, mudança na cor do leito da ferida, tecido friável, tecido de granulação ausente ou anormal, pus e odor10. Nesse caso, o tratamento inclui agentes antissépticos tópicos. A infecção sistêmica se estende além da margem da ferida como, por exemplo, celulites, linfangites e, nesses casos, são necessários antibióticos sistêmicos, frequentemente associados com antisséptico tópico. Fatores que afetam a carga bacteriana incluem o número e o tipo do microorganismo presente, sua virulência e fatores associados com o hospedeiro e também a presença de biofilmes. Biofilme é definido como uma camada de microorganismos que adere à superfície de uma estrutura, que pode ser orgânica ou inorgânica, juntamente com os polímeros que secretam. Os biofilmes são uma descoberta relativamente nova, com a descrição inicial do processo de biofilme em 1978. Eles ocorrem em sistemas aquáticos e de água industrial, bem como em uma grande quantidade de ambientes e dispositivos médicos relevantes à saúde pública11.ImagemImagemM: Desequilíbrio da Umidade: enquanto um meio úmido é necessário para que ocorra a cicatrização, o excesso de fluido pode causar maceração na margem da ferida e na pele ao redor. Além disso, o fluido da ferida crônica pode impedir a cicatrização. Por outro lado, o ressecamento leva à lenta migração das células epidérmicas e limita a regeneração dérmica.imagemimagemE: Margem não avança: a explicação tradicional para falha na migração é que as células na margem são não responsivas. Alguns fibroblastos mostram dificuldade na regulação fenotípica e são, portanto, não responsivas para certos fatores de crescimento e outros sinais, possivelmente devido a senescência celular. Entretanto, a senescência de fibroblastos não se ajusta para todas as observações. Algumas feridas crônicas mostram hiperproliferação das células nas margens. A margem saudável pode não ter uma definição clara, única, uniforme, e se apresenta de cor rosa. Uma margem que não avança pode estar apresentando espaço morto ou hipertrofia ao mesmo tempo e o tecido de granulação poderá estar friável e com coloração rosa escuro. O desbridamento, controle da inflamação e umidade são componentes essenciais no preparo do leito da ferida, tais manejos podem favorecer a migração celular e a formação da matriz epitelial, caso isto não seja observado, a prescrição de terapias tópicas avançadas podem ser necessárias12. Esses quatro princípios podem ser utilizados para realizar intervenções locais que interferem na cicatrização das feridas crônicas, que é chamada de TIME.imagemConsiderações finaisO conceito de Wound Bed Preparation (WBP) e a ferramenta TIME têm sido usados somente no tratamento das feridas crônicas, no entanto, cirurgiões plásticos e outros profissionais da saúde que tratam queimaduras e lidam com as feridas agudas também podem se beneficiar desse conceito. Alem de outras feridas, como as traumáticas, as cirúrgicas, que quando infectadas tornam-se crônicas12.Tradicionalmente, o tratamento das feridas crônicas sempre foi baseado no modelo derivado do conhecimento das feridas agudas, e assim, Wound Bed Preparation tem sido o responsável em grande parte pela ruptura entre o manejo das feridas crônicas e a abordagem tradicional das feridas agudas. Isso reflete que mudanças estão ocorrendo e muitas feridas, que são tradicionalmente classificadas como “agudas”, podem ser manejadas utilizando o conceito de Wound bed preparation com a aplicação da ferramenta de intervenção clínica TIME, para tratar e avaliar as feridas, por meio da implementação de novas tecnologias.

Downloads

Download data is not yet available.

References

Falanga, V. Classification for wound bed preparation and stimulationof chronic wounds. Wound Rep Regen. 2000; 8:347-52.

Schultz GS, Sibbald RG, Falanga V, Ayello EA, Dowsett C, Harding K, Romanelli M, Stacey MC, Teot L, Vanscheidt W. Wound bed preparation: a systematic approach to wound management. Wound Rep Regen. 2003;11:1-28.

Stechmiller J, Schultz G. Bench science advances for chronic wound care. In: Krasner DL, Rodeheaver GT, Sibbald RG, eds.Chronic Wound Care: A Clinical source book for healthcare professionals.4th ed. Malvern, Pa:HMP Communications, 2007:67-73.

van Rijswijk L. Wound assessment and documentation. In: Krasner DL, Rodeheaver GT, Sibbald RG. Chronic wound care: A Clinical source book for healthcare professionals. 3ed. Wayne, Pa: HMP Communications, 2001:101–15.

The National Pressure Ulcer Advisory Panel. PUSH tool information and registration form. http:// www.npuap.org/ pushins.htm, 1998.

The PUSH task force Pressure Ulcer Scale for Healing: derivation and validation of the PUSH tool. Adv Wound Care. 1997;10(5): 96- 101.

Santos VLCG et al. Adaptação transcultural do pressure ulcer scale for healing (PUSH) para a língua portuguesa. Rev Latino-Am Enfermagem.2005;13(3):305-13.

Schultz GS, Mozingo D, Romanelli M, Claxton K. Wound healing and TIME; new concepts and scientific applications. Wound Rep Regen. 2005;13: 1-11.

Falanga V. Wound bed preparation and the role of enzymes: a case for multiple actions of therapeutic agents. Wounds. 2002;14:47-57.

Cutting KF, Harding KG. Criteria for identifying wound infection. J Wound Care. 1994;3:198-201.

Donlan RM, Costerton JW. Biofilms: survival mechanisms of clinically relevant microorganisms. Clinical Microbiology Reviews 2002;15(2):167-93.

Schultz GS, Barillo DJ, Mozingo DW, Chin GA. Wound bed preparation and a brief history of TIME. International Wound Journal. 2004;1:19-31.

Published

2009-12-01

How to Cite

1.
Aron S, Gamba MA. Atualização 1. ESTIMA [Internet]. 2009 Dec. 1 [cited 2024 Dec. 22];7(4). Available from: https://www.revistaestima.com.br/estima/article/view/264

Issue

Section

Article