Relato de Caso

Authors

  • Margareth Linhares Martins Mestre em Enfermagem, Estomaterapeuta TiSOBEST, Professora do Departamento de Enfermagem / Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Coordenadora do Grupo de Apoio à Pessoa Ostomizada (GAO).
  • Rode Dilda Machado da Silva Doutoranda em Enfermagem, Graduada em Filosofia, com especialização em Geriatria e Gerontologia, membro do GAO.
  • Valéria Cyrillo Pereira Estomaterapeuta do Serviço de Atenção aos Estomizados / Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina, membro do GAO.
  • Débora Poletto Enfermeira, Mestranda em Enfermagem UFSC, bolsista CAPES Reuni, membro do GAO.
  • Mariana Itamaro Gonçalves Enfermeira, Mestranda em Enfermagem UFSC, membro do GAO.
  • Tatiana Martins Acadêmica de Enfermagem – 8ª Unidade Curricular/UFSC, membro do GAO.

Abstract

A Virtualidade do Cuidado no Tratamento de Pessoas com Úlceras por Pressão
Telemedicine in the Treatment of Pressure Ulcers
La Virtualidad del Cuidado en el Tratamiento de Personas con Úlceras por Présion

ResumoTrata-se de um relato de assistência que objetiva socializar a experiência de cuidado domiciliar em estomaterapia, na área de feridas, presencial e à distância, utilizando tecnologias digitais e a rede eletrônica de comunicação. Os participantes do relato foram: pessoa com 70 anos de idade, com seqüela de Acidente Vascular Encefálico (AVE) e úlceras por pressão em estágio IV e suas cuidadoras informais e formais, em domicílio no Sul do Brasil. Os atendimentos ocorreram no período de janeiro de 2008 a dezembro de 2010, com visita presencial e utilizando-se avaliações quinzenais por meio de registro fotográfico, que eram enviados via correio eletrônico e contato telefônico. A avaliação diagnóstica e conduta terapêutica foram estabelecidas na primeira consulta domiciliar presencial, discutindo-se as estratégias de suporte envolvendo familiares, cuidadores formais e informais. A terapia tópica utilizada nas úlceras por pressão variou de acordo com as diferentes etapas de cicatrização. Ao final do atendimento, constatou-se que o meio digital pode ser um grande aliado na formulação de ações de saúde, facilitando o cuidado a pessoas com feridas, desde que sejam empregadas estratégias bem construídas e adequadas, para viabilização de assistência com segurança à pessoa enferma, em seu domicílio e amparada por seus familiares.Descritores: Úlcera por pressão. Assistência domiciliar. Informática em enfermagem.AbstractThe purpose of this case report was to describe the experience of providing wound care in the home setting through home visits and via telenursing, using digital and telecommunication technology. A patient 70 years old with stroke sequela and Stage IV pressure ulcers, living in southern Brazil, and the patient’s formal and informal caregivers participated in the study. The patient was assisted from January 2008 to December 2010 through home visits, bimonthly photographic assessments where the images were sent for analysis by e-mail, and telephone contacts. At the first home visit, the diagnosis was made, treatment was determined, and family members, as well as formal and informal caregivers were instructed in the management of the patient. The topical therapy used in the treatment of pressure ulcers varied according to the different phases of wound healing. By the end of the assistance period, it was clear that digital media can be a valuable tool for the provision of health actions, helping in the care of patients with wounds, as long as adequate and well planned strategies are used, allowing the delivery of safe home care services to patients with the support of their family members.Descriptors: Pressure ulcer. Home nursing. Nursing Informatics.ResúmenSe trata del relato de una atención que tiene el objetivo de socializar la experiencia del cuidado domiciliario en Terapia Enterostomal, en el área de heridas, presencial y a distancia, utilizando tecnologías digitales y la red electrónica de comunicación. Los participantes del relato fueron: personas con 70 años de edad, con secuela de Accidente Cerebrovascular (ACV) y úlceras por presión en nivel IV y sus cuidadoras informales y formales, residentes en el sur del Brasil. La atención fue realizada en el periodo de enero de 2008 a diciembre de 2010, con visita presencial y fueron utilizadas evaluaciones quincenales por medio de registro fotográfico, que eran enviados por correo electrónico y por teléfono. La evaluación diagnóstica y conducta terapéutica fueron establecidas en la primera consulta domiciliaria de forma presencial, discutiéndose las estrategias de soporte envolviendo a los familiares, cuidadores formales e informales. La terapia tópica utilizada en las úlceras por presión fueron siendo ajustadas de acuerdo con las diferentes etapas de la cicatrización. Al final de la atención, se constató que el medio digital puede ser un gran aliado en la formulación de acciones de salud facilitando el cuidado a las personas con heridas y disminuyendo los gastos, desde que sean empleadas estrategias bien construidas y adecuadas, para hacer viable la atención con seguridad a la persona enferma, en su domicilio y amparada por sus familiares.Palabras clave: Úlcera por presión. Atención Domiciliaria. Informática aplicada a la enfermeríaIntroduçãoA rede eletrônica de comunicação (internet) veio alterar os tempos e espaços de assistência e ensino. A informática possibilita que as pessoas fiquem orientadas e capacitadas para compartilhar a responsabilidade da sua terapêutica1. Além disso, com esses recursos, os profissionais de saúde podem transmitir informações sobre as pessoas enfermas e criar estratégias terapêuticas variadas.Dispositivos eletrônicos com acesso à internet possibilitam vínculo educativo entre profissional da saúde e pessoa enferma, por meio da troca de informações sobre a doença, atividades de prevenção em saúde, indicação de terapias, explicação de resultados de exames entre outras, e encaminhamentos relevantes2.A virtualidade – fenômeno contemporâneo responsável por mudanças no estilo de vida das pessoas, onde tempo e espaço real são experienciados virtualmente - é utilizada para suprir necessidades, sustentar relacionamentos e atividades1. A palavra virtual tem origem latina medieval: virtualis, derivada de virtus, e significa potência, força3.Pesquisa realizada nos Estados Unidos da América identificou que a maioria dos usuários utiliza a internet para buscar informações direcionadas a medicina, viagens, entretenimento, checagem de e-mails e mensagens instantâneas1. O problema existe quando essas informações são direcionadas à saúde: as escolhas que as pessoas fazem por determinado tratamento podem estar fundamentadas em informações nem sempre seguras e compreendidas suficientemente. Os profissionais de saúde precisam estar cientes desse fato, utilizando recursos de educação para a saúde: se antes o profissional impunha o saber de sua área de atuação e podia, sem diálogo, instituir a terapêutica, hoje é necessário esclarecer as bases da conduta.Essas mudanças, geradas pela tecnologia, possibilitam a produção e divulgação constante de informações e exigem que o profissional de saúde reinvente o seu trabalho, desenvolva novas competências e acrescente saberes aos de sua formação inicial. As tecnologias da informação, conteúdos obrigatórios do currículo na formação profissional, passam a fazer parte da vida laboral com atualização permanente ao longo da carreira.Metodologias informacionais agregam valor significativo na formulação de condutas terapêuticas. São espaços e tempos disponíveis com dispositivos que facilitam a comunicação através da interface homem-computador4.Essa inovação constituiu o desafio da estomaterapeuta (ET) ao utilizar ferramentas virtuais que colaboraram na condução do tratamento de feridas de uma pessoa geograficamente distante. A associação planejada e articulada, de forma presencial e à distância, por meio do correio eletrônico e telefone, mostrou resultados relevantes. Percebeu-se que a rede eletrônica de comunicação possibilitou gerar interface entre o profissional e o cuidador domiciliar, monitorados à distância. Assim, por meio deste relato de experiência, apresentar-se-á a importância das tecnologias de informação no atendimento em saúde à distância, contribuindo para as profissões de saúde em geral.ObjetivoSocializar a experiência de cuidado domiciliar em estomaterapia, na área de feridas, presencial e à distância, utilizando tecnologias digitais e a rede eletrônica de comunicação.MétodosTrata-se de relato de experiência de estomaterapeuta em atendimento domiciliar. A experiência envolveu: uma pessoa enferma, L.D., sexo masculino, 70 anos, casado, três filhos, com história de Acidente Vascular Encefálico (AVE), hemiplegia direita, afasia e desenvolvimento de três úlceras por pressão (UP), durante o período prévio de hospitalização de quatro meses; uma familiar cuidadora bioquímica; uma familiar cuidadora informal e duas cuidadoras formais, residentes em uma cidade do Sul do Brasil, no período de 16 de janeiro de 2008 a dezembro de 2010. O primeiro atendimento foi presencial, quando ocorreu a avaliação diagnóstica e o estabelecimento da conduta terapêutica. As estratégias de suporte foram discutidas envolvendo familiares, cuidadores formais e informais. A estomaterapeuta orientou e disponibilizou um roteiro para receber informações, por meio eletrônico de comunicação, utilizando-se a ficha de avaliação de clientes com feridas, desenvolvida a partir do PUSH 3.0, em sua versão adaptada para o Brasil5. Os atendimentos subseqüentes foram desenvolvidos por meio de avaliações quinzenais, via correio eletrônico, utilizando-se registro fotográfico para visualização da evolução e características da ferida, e o contato telefônico, para esclarecimentos e orientações. Após o período de um ano, realizou-se nova visita presencial objetivando reavaliar a pessoa com úlcera por pressão e reorientar os novos cuidadores formais, mantendo-se o cuidado à distância.Para o cumprimento dos aspectos legais, aplicou-se o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.Descrição do caso clínicoA estomaterapeuta foi contatada por familiares, sete meses após a alta hospitalar de L.D..Em 16 de janeiro de 2008, na primeira avaliação com atendimento presencial, identificaram-se três UP, localizadas nas regiões sacra e trocanterianas, esquerda e direita. Para o atendimento, foram considerados os recursos humanos e materiais disponíveis, seguidos do diagnóstico e determinação da conduta terapêutica. Foram ainda discutidas as estratégias de suporte, envolvendo cuidadores familiares e formais, e construiu-se um roteiro com dados a serem identificados e enviados via e-mail para a estomaterapeuta, criando suporte para acompanhamento, avaliação e conduta à distância. Acordou-se que, no e-mail a ser encaminhado quinzenalmente, deveriam constar descrição das úlceras, especificando medidas e características do exsudato, além do registro fotográfico. Informações adicionais e esclarecimentos de dúvidas foram efetuados por telefone.Para avaliação e registro dos dados, utilizouse o Pressure Ulcer Scale for Healing (PUSH), em sua versão adaptada e validada para o Brasil5, incluído na Ficha de Avaliação de Clientes com Feridas, elaborado por um grupo de estudos de um Hospital Universitário local. Com a avaliação realizada, a estomaterapeuta emitiu parecer e determinou a conduta terapêutica, orientando os cuidadores formais e informais, via e-mail e telefone, quinzenalmente e quando necessário, conforme solicitação dos cuidadores. A seguir descrevem-se as UP, conforme avaliadas e descritas inicialmente pelo ET:Região Sacra (RS): UP única, em estágio IV, com área de 57,2 cm2 (8,8 cm x 6,5 cm), grande quantidade de exsudato amarelado, com predomínio de tecido de granulação (70%), presença de esfacelo no leito da ferida, borda distinta, com descolamento de 2,4 cm entre 11 e 12 horas e de 4 cm entre 8 e 10 horas, e tecido de epitelização em aproximadamente 25% da ferida (Figura 1).Região Trocanteriana Direita (RTD): UP, sem condições de estadiamento, com área aproximada de 34,2 cm2 (6,0 cm x 5,7 cm), moderada exsudação, 95% do leito cobertos com tecido necrótico, com variação de cor, bordas levemente distintas, contornada com esfacelo em toda extensão (Figura 2).Região Trocanteriana Esquerda (RTE):UP, sem condições de estadiamento, com área aproximada de 25,2 cm² (4,2 cm x 6,0 cm), 100% do leito cobertos com tecido necrótico preto, com bordas indistintas (Figura 3).Figura 1. Úlcera por pressão em região sacra (16-01-08)Figura 2. Úlcera por pressão em região trocanteriana direita (16-01-08)Figura 3. Úlcera por pressão em região trocanteriana esquerda (16-01-08)ResultadosA terapia tópica utilizada para a UP da região sacra objetivou proporcionar microambiente adequado para a promoção da cicatrização, diminuir e proteger contra o trauma mecânico, isolar do meio externo, reduzir o esfacelo, cobrir toda a área da ferida, absorver excesso de exsudato e atenuar a pressão no local6,7. A terapia tópica (TT) adotada consistiu em: limpeza com SF 0,9% morno; cobertura primária com hidrofibra com prata e secundária com chumaço. Além disso, adotou-se o protocolo de prevenção de UP preconizado pelo European Pressure Ulcer Advisory Panel and National Pressure Ulcer Advisory Panel (EPUAP) 8.A UP evoluiu favoravelmente durante quatro meses, considerando-se a TT adequada à necessidade apresentada nas diferentes fases de cicatrização (Figura 4).Figura 4. Úlcera por pressão em região sacra. Terapia tópica: hidrocolóide pasta e placa (26-05-08)Para as UP das regiões trocanterianas, a TT objetivou a remoção do tecido necrótico, por meio de desbridamento instrumental e autolítico. Para a UP da RTD, utilizou-se limpeza com SF 0,9 % morno e cobertura com hidrocolóide. Para a RTE, realizou-se o desbridamento instrumental (escarotomia), associado ao autolítico com hidrogel6,7,9-12.Após a remoção gradativa do tecido necrótico das UP, foi possível estabelecer seus estágios (estágios IV) e a definição precisa de suas áreas. Todas apresentaram evolução lenta do processo de cicatrização, devido às extensas áreas de descolamento, à grande quantidade de exsudato, à instalação de processo infeccioso e às condições gerais da pessoa. Durante o período de tratamento, houve troca de cuidadores formais, interferindo no cuidado local. A terapia tópica variou conforme a necessidade das UP (Figuras 5 a 10), sendo necessário utilizar coberturas à base de prata, para controle da infecção e do excesso de exsudato, por período prolongado. Utilizou-se também selante para a proteção da borda da ferida, que facilmente sofria maceração6,7,9-13.A terapia tópica, portanto, variou de acordo com as diferentes etapas de evolução das UP.Durante o tratamento, ocorreram dois encontros presenciais. Os pareceres e a conduta terapêutica indicada somaram-se às avaliações de médico infectologista, cirurgião e clínico geral bem como de nutricionista. Desse modo, percebeu-se que os profissionais de saúde e cuidadores obtiveram êxito na transmissão de dados sobre a saúde das pessoas enfermas e criaram estratégias terapêuticas variadas, contando com os recursos da informática. Dispositivos eletrônicos com acesso à internet possibilitam manter vínculo educativo entre profissional da saúde, pessoa enferma e cuidadores2.As tecnologias da informação podem, portanto, agregar valor significativo na formulação de condutas terapêuticas. Nesse sentido, novos espaços e tempos estão disponíveis e criam-se novos dispositivos que facilitam a comunicação por meio da interface homem-computador4, auxiliando no processo de ensino-aprendizagem.Figura 5. Úlcera por pressão em região trocanteriana direita Terapia tópica: alginato de cálcio e sódio – fita e placa (09-05-08)Figura 6. Úlcera por pressão em região trocanteriana direita. Terapia tópica: hidrofibra com prata; selante à base de polímero nas bordas (06-03-09)Figura 7. Úlcera por pressão em região trocanteriana direita Terapia tópica: fita e selante à base de polímero e placa de hidrocolóide grossa (11-07-10)Figura 8. Úlcera por pressão em região trocanteriana esquerda Terapia tópica: alginato de cálcio – placa e fita (26-06-08)Figura 9. Úlcera por pressão em região trocanteriana esquerda. Terapia tópica hidrofibra com prata – fita e placa (07-09-09)Figura 10. – Úlcera por pressão em região trocanteriana esquerda Terapia tópica: hidrofibra com prata – fita e placa e selante à base de polímero (11-07-10)Considerações finaisA modalidade do cuidado em saúde à distância mostrou-se adequada para a proposta de assistência domiciliar no presente relato de caso.Destaca-se o vínculo estabelecido entre profissionais da saúde, prestadores de serviço especializado e cuidadores com formação acadêmica em saúde, propiciando um ambiente de confiança mútua. A documentação do processo foi determinante para a validação da experiência. O meio digital é um grande aliado na formulação de ações de saúde e pode diminuir significativamente os gastos do Estado, ao permitir que estratégias eficazes sejam construídas e acompanhadas, mantendo o enfermo em seu domicílio, lugar em que se sente seguro e amparado pelos seus familiares.

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Published

2011-12-01

How to Cite

1.
Martins ML, Silva RDM da, Pereira VC, Poletto D, Gonçalves MI, Martins T. Relato de Caso. ESTIMA [Internet]. 2011 Dec. 1 [cited 2024 Dec. 22];9(4). Available from: https://www.revistaestima.com.br/estima/article/view/302

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