Sexualidade de Mulheres com Incontinência Urinária: a Busca por Evidências Científicas
Abstract
RevisãoClinical Evaluation of Urinary IncontinenceEvaluación Clínica de la Incontinencia UrinariaRev Estima - vol 10 (2) 2012 p. 28 - 34Rayssa Fagundes Batista Paranhos, Mirian Santos Paiva ResumoO termo sexualidade permite diversos entendimentos, interpretações e abordagens, consequentemente a sua conceituação dependerá do contexto histórico, cultural e social no qual o indivíduo se encontra. Dentre as afecções que fazem interface com a sexualidade, a incontinência urinária tem causado impacto na vida sexual e sexualidade das mulheres. A incontinência urinária feminina tem alta prevalência no mundo e causa alterações na qualidade de vida das mulheres, como também, interfere no exercício da sexualidade. Nessa perspectiva, desenvolveu-se esta revisão bibliográfica sobre a sexualidade de mulheres com incontinência urinária, utilizando-se abordagem qualitativa. Para a revisão, selecionaram-se os artigos nas bases de dados eletrônicas da Biblioteca Virtual em Saúde: LILACS, MEDLINE, IBECS, Biblioteca Cochrane e SciELO, no período de 2000 a 2009. Foram utilizados os descritores: sexualidade, mulheres e incontinência urinária, nos idiomas português, inglês e espanhol. Encontraram-se 19 resumos de artigos, os quais foram separados em categorias temáticas para compreender o perfil dessas publicações. Os artigos enfocam, principalmente, a função sexual, disfunção sexual e as alterações que a IU pode acarretar no ato sexual. Apenas dois trabalhos avaliaram a sexualidade no sentido mais amplo, não resumindo a função, disfunção e atividade sexual. Conclui-se que há poucas pesquisas realizadas pela enfermagem, principalmente brasileira, que abordem as questões de gênero, aspecto fundamental que influencia a vida sexual das mulheres.Descritores: Sexualidade. Saúde da mulher. Incontinência urinária.
AbstractThe term sexuality has many understandings and interpretations, and can be approached in different ways; consequently, the conceptualization of this term depends on the historical, cultural and social context in which the individual is embedded. Urinary incontinence is among the conditions that has adversely affected the sex life, sexuality, and quality of life of many women. The global prevalence of female urinary incontinence is high. Based on this perspective, we conducted a qualitative literature review on the sexuality of women with urinary incontinence. The online bibliographic databases of the Virtual Health Library (LILACS, MEDLINE, IBECS, Cochrane Library, and SciELO) were searched for articles published in English, Portuguese, and Spanish between 2000 and 2009. The following search terms were used: sexuality, women, and urinary incontinence. Nineteen abstracts were retrieved and organized in thematic categories to determine the profile of the respective articles. The articles were mainly focused on sexual function, sexual dysfunction, and the impact of urinary incontinence on sexual activity. Only two articles addressed sexuality in its broadest sense, assessing other aspects besides sexual function, sexual dysfunction, and sexual activity. Few nursing studies, especially in Brazil, have dealt with gender issues, which is an important aspect in the sex life of women.Descriptors: Sexuality. Women’s health. Urinary incontinence.
ResumenEl término sexualidad permite diversos entendimientos, interpretaciones y abordajes, consecuentemente, su conceptuación dependerá del contexto histórico, cultural y social en el cual el individuo se encuentra. Entre las afecciones que hacen interface con la sexualidad, la incontinencia urinaria ha causado impacto en la vida sexual y la sexualidad de las mujeres.La incontinencia urinaria femenina tiene alta prevalencia en el mundo y causa alteraciones en la calidad de vida de las mujeres, como también, interfiere en el ejercicio de la sexualidad. En esa perspectiva fue desarrollado un estudio con el objetivo de realizar una revisión de literatura nacional e internacional sobre la sexualidad de mujeres con incontinencia urinaria. Se trata de una revisión bibliográfica con abordaje cualitativo. Fueron seleccionados resúmenes de los artículos en las bases de datos electrónicos de la Biblioteca Virtual un Salud: LILACS, MEDLINE, IBECS, biblioteca Cochrane y SciELO, en el periodo de 2000 hasta 2009. Fueron utilizados los descriptores: sexualidad, mujeres y la incontinencia urinaria, en los idiomas portugués, inglés y español. Fueron encontrados 19 resúmenes, los cuales fueron separados en categorías temáticas para comprehender el perfil de esas publicaciones. Se concluye que los resúmenes enfocan, principalmente, la función sexual, disfunción sexual y las alteraciones que la IU pueden causar en el acto sexual. Apenas dos trabajos evaluaron la sexualidad en el sentido más amplio, no resumiendo específicamente a la función, disfunción y actividad sexual. Entretanto, existen pocas investigaciones brasileñas realizadas por enfermeras que aborden las cuestiones de género, aspecto que influencia en la vida sexual de las mujeres.Palabras Clave: Sexualidad. Salud de la mujer. Incontinencia urinaria.
IntroduçãoA compreensão do significado da sexualidade deve-se transcender definições reducionistas na qual, a sexualidade se limita ao ato sexual. Pode ser abordada sob o aspecto biológico, psicológico e sócio-cultural1. Para os profissionais de saúde, esses três aspectos precisam ser incorporados durante a avaliação clínica, para definir com critério as reais alterações da paciente.A sexualidade é uma dimensão experimental ligada ao prazer e à emoção, deve ser abordada como parte integrante do indivíduo, principalmente quando se encontra alterada no processo de saúde e doença2. Mas infelizmente, muitas vezes, há a preocupação em resolver os problemas físicos e patológicos, esquecendo das questões que envolvem a sexualidade, seja por falta de interesse ou simplesmente porque os profissionais não estão preparados para abordar esse assunto com sua clientela.O sexo, nas sociedades cristãs, tornou-se algo que era preciso examinar, vigiar, confessar e transformar em discurso. Podia-se falar de sexualidade, mas somente para proibi-la3. Devido a essa conotação de pecado, pudor e de algo proibido é que hoje, ainda se observa uma dificuldade em trazer esse tema para o dia-a-dia do atendimento dos profissionais, como também, as próprias pacientes não se sentem a vontade para abordar sobre sexo e sexualidade.Nesta visão, parte do pressuposto de que o mecanismo que origina a opressão é o mesmo que gera a libertação3. Ou seja, é preciso trazer esse assunto para as discussões, levantar a causa da opressão e utilizá-la a favor da mudança de paradigmas. A sexualidade humana só será livre quando for compreendida em função do atendimento das próprias necessidades humana e não como conseqüência de estratégias que objetivam o exercício do poder3. Para compreender melhor a sexualidade das mulheres é válido introduzir um conhecimento sobre gênero, das relações de poder e dominação, da repressão sexual e dos dogmas religiosos1. Além disso, necessita-se conhecer como a identidade sexual e a de gênero são interdependentes e construídas à medida que são identificadas, social e historicamente como masculinas e femininas4 [...]. Essas identidades fazem parte de um contexto sócio-político cultural que contribuem para que o sexo e sexualidade sejam representados e vivenciados de formas diferentes para os homens e mulheres.Gênero é “um elemento constitutivo de relações sociais, fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos. É um primeiro modo de dar significado às relações de poder” 5. Chamase a atenção, ainda, para a necessidade de se entender gênero como a relação entre os sexos; de como é assegurado um significado para os conceitos de homem e mulher e das práticas pelas quais os significados da diferença sexual são definidos. Pensando na perspectiva de gênero, a sexualidade também perpassa por esse conceito, uma vez que se modifica a forma como ela é vivenciada e representada para homens e para mulheres. Há uma necessidade da equidade entre os gêneros, como um meio para equidade sexual.As vivências e representações sexuais femininas devem ser consideradas no momento da avaliação e tratamento para a incontinência urinária, uma vez que são temas pouco explorados. O silêncio é o principal motivo que contribui para a pouca exploração destes temas, visto que, tanto as (os) profissionais, como pacientes, não abordam esses assuntos durante a anamnese. Ambos, influenciados por mitos e preconceitos, comprometem um diagnóstico precoce e um tratamento específico, o que facilitaria uma melhor qualidade de vida, a reabilitação física e social, com melhoria no desempenho sexual.A presença da incontinência urinária (IU) interfere no convívio social e familiar, contribuindo para que ocorra o afastamento das atividades fora do lar, aposentadoria precoce, perda de confiança em si mesma, vergonha e medo de se molhar em público6. Atinge milhões de mulheres e tem alta prevalência no mundo, chegando a 28% em alguns países da Europa7. Anualmente, se gasta cerca de 15 bilhões de dólares no diagnóstico, tratamento da incontinência e no impacto na qualidade de vida dessas mulheres8.Ao pensar na tríade: sexualidade de mulheres com IU surge a necessidade de se investigar como a comunidade científica vem escrevendo sobre a sexualidade das mulheres, quais as interferências e impacto da IU na sexualidade, como os estudos têm abordado esses assuntos, em que perspectiva técnica, médica, psicológica, de gênero e/ou social tem sido construídos esses trabalhos. E para elucidar esses questionamentos optou-se pelo objetivo de realizar um levantamento bibliográfico sobre sexualidade de mulheres com incontinência urinária, no período de 1999 a 2009.A escolha dessa temática se justifica por fazer parte de um estudo mais aprofundado sobre sexualidade e relações de gênero e para tanto, percebeu-se a necessidade de se conhecer as publicações e incorporá-las na produção de novos conhecimentos. MétodosTrata-se de uma revisão bibliográfica de artigos científicos, tendo como fontes as bases de dados eletrônicas da Biblioteca Virtual de Saúde: LILACS, MEDLINE, IBECS, biblioteca Cochrane e SciELO, no período de 1999 a 2009. A coleta de dados foi por meio da utilização das palavras sexualidade, mulher e incontinência urinária como descritores, nos idiomas português, inglês e espanhol.Ao colocar o termo sexualidade, nas bases de dados, vários trabalhos eram selecionados, entretanto ao adicionar a palavra mulher seguida da incontinência/urinária, a quantidade de artigos diminuía consideravelmente, ou não era encontrado. Informação que se repetiu em todos os idiomas.Após a seleção dos artigos, observado que dos 58 selecionados 39 eram repetidos, restando um total de apenas 19. A distribuição do levantamento dos resumos encontra-se na Tabela 1.
Tabela 1 - Distribuição dos resumos de acordo com as bases de dados.Bases de dadosDescritores em portuguêsDescritores em inglêsDescritores em espanholTotalLILACS1-12MEDLINE2030353IBECS-213Cochrane----SCIELO----Total*2132558*Do total de 58 artigos, 39 eram repetidos.
Quadro 1 - Resumo segundo autor, objetivo e conclusão dos estudos, distribuídos conforme a categoria de análise. Avaliação da função sexual antes e após tratamento cirúrgico AutorObjetivo do estudoConclusãoPinto, Baracat, Montellato, Nelson, Anuar, Lucon, Srougi9Avaliar o impacto da cirurgia na IU de esforço na função sexual e identificar como a cirurgia pode influenciar a qualidade de vida.A perda urinária durante a atividade sexual foi frequente. A cirurgia de suporte suburetral não coloca em risco a atividade sexual. As pacientes curadas da IU não melhoraram a função sexual.Serati, Salvatore, Uccella, Zanirato, Cattoni, Nappi, Bolis10Analisar a relação entre a cirurgia de sling médio-uretral para a IU e função sexual feminina.A função sexual das mulheres melhorou ou se modificou com esse tipo de cirurgia. O risco de dispareunia é baixo. Mais estudos sobre as diferenças entre cirurgia retropúbicas e transobturador são necessários.Sentilhes, Berthier, Caremel, Loisel, Marpeau, Grise11Avaliar os efeitos do procedimento transobturador para a IU na função sexual.Os resultados sugerem que a cirurgia pode ter efeitos positivos e negativos na função sexual. Mais estudos são necessários para comparar a função sexual depois da cirurgia.Deutsch, Reyal, Vincens, Kane, Dalmont, Madelenat12Enfatizar a existência de desordem sexual diretamenta imputável à IU de esforço.A cirurgia de sling parece não prejudicar a sexualidade global, a cirurgia diminui a apreensão antes do intercurso sexual.Thiel R, Thiel M, Dambros, Riccetto, López, Rincón, Palma13Avaliar a evolução da função sexual feminina antes e depois de procedimentos para a correção da IU de esforço.A IU afeta significativamente a qualidade devida e recomenda-se um acompanhamento sexual para essas pacientes.Glavind, Tetsche14Avaliação da função sexual feminina antes e depois a cirurgia de sling.49% das mulheres tiveram perdas urinárias durante o intercurso sexual e metade das pacientes curadas desse grupo referiu melhor vida sexual após a operação. Avaliação da sexualidade e função sexual antes e após tratamento clínico AutorObjetivo do estudoConclusãoGarcia, Guirao, Casas, Aranda, Alfaro, Sánchez, Guirao15Mensurar a satisfação de pacientes de ambos os sexos com IU e analisara influência da urgeincontinência na sexualidade e tornar realidade seu tratamento.A reabilitação do soalho pélvico combinada com terapia farmacolôgica na IU melhora a percepção do próprio estado de saúde. A urge-incontinência afeta negativamente a percepção.Giuseppe, Pace, Vicentini16Determinar o efeito da estimulação elétrica em mulheres com IU e sem IU com disfunção sexual ou não.A eletroestimulação foi uma terapia eficiente em pacientes com baixa a moderada IU. As mulheres com IU queixam-se de disfunçào sexual comparada à população feminina geral. Avaliação da função sexual por meio de questionário AutorObjetivo do estudoConclusãoAznar17Validar questionário WSF auto-administrado sobre função sexual de mulheres.O questionário é válido, avalia as tases da resposta sexual, a iniciativa e o nível de comunicação sexual. Recorre a dados descritivos do desempenho sexual e é útil no diagnóstico das funções.Espuna18Revisão de trabalhos sobre o uso do questionário PISQ para avaliar a função sexual e/ou prolapso.O PISO foi validado para avaliar a função sexual feminina, entretanto ainda não utilizado para atividade sexual.Korda, Braun, Engelinann19Avaliar a prevaléncia da disfunção sexual feminina e disfunçào erétil na comunidade com IU.Demonstrou, por meio de questionário, elevada prevalência de disfunção sexual feminina e disfunção erétil em geral e nas pessoas com IU.Stothers20Avaliar a confiança e validade do SEAPI-QMM - questionário de QV - e avaliar a diferença entre homens e mulheres com IU.Houve um impacto mais elevado da IU na qualidade de vida dos homens do que nas mulheres.Amarengo, Amould, Canta, Haab, Labat, Richard21Validar a versão para cinco línguas do CONTILIFE - questionário de qualidade de vida especifico paraa IU.A atividade diária, atividade de esforço, auto-imagem e dimensão das conseqüências emocionais são mais relevantes e válidos para o propósito de comparação.
Quadro 1 - Resumos segundo autor, objetivo e conclusões dos estudos, distribuídos conforme categoria de análise. (Continuação) Abordagem qualitativa, enfoque psicológico e social AutorObjetivo do estudoConclusãoArtiles, Gutiérrcz, Santlix22Valorizara função sexual feminina e descobrir os fatores que aparecem, com mais freqüência, associados à disfunção.Perfil de mulheres com disfunção scxual: > 44 anos, pratica alguma religião, desempregada e com diminuição da autopercepçào da qualidade de vida.Sanchez, Rodriguez. Carre, Meza, Zamano23Conhecer a frequência e origem dos distúrbios sexuais em mulheres com IU.Com a própria avaliação definirá as intervenções estratégicas. Pacientes com problemas médicos sexuais devem ser avaliados por um psicólogo para estabelecer diagnóstico e para adequada abordagem.Dalpiaz. Kerschbaumer, Mitierberger, Pinggera, Colleseli, Bartsch24Analisar criticamente publicações sobre aspectos uroginecológicos da disfunçào sexual feminina.A investigação mostrou que é necessário distinguir entre função sexual global e parâmetro individual semelhante ao contexto psicossocial. Apenas nesse caminho será possível identificar novas terapêuticas.Saadoun, Ringa, Fritel, Varnoux, Zins, Bréart25Analisar a relação entre a gravidade da IU e a qualidade de vida de mulheres francesas trabalhadoras de meia idade.A IU afeta a qualidade de vida. Quanto mais grave a IU, mais causa dano e efeitos negativos na vida diária. Abordagem qualitativa, enfoque em gênero AutorObjetivo do estudoConclusãoWilson26Associações entre IU e gênero. sexuahdade e cultura.Os provedores de saúde deveriam considerar as bases de gênero e diferenças sócio-culturais nas estratégias terapêuticas. Análise da percepção das mulheres sobre sua sexualidade por meio de suas narrativas. AutorObjetivo do estudoConclusãoBradway, Strump27Por meio das narrativas: examinar o comportamento das mulheres que procuram atendimento com IU. Descrever a experiência individual com IU afetando a intimidade e a sexualidade.Promoveu o conhecimento das características das mulheres com IV e a possibilidade da relação da IV com a sexualidade.
Em posse dos artigos, realizou-se a leitura criteriosa dos títulos e resumos para certificar se realmente atendiam aos critérios de inclusão que eram abordar os três descritores e se contemplavam o objetivo dessa pesquisa.Na leitura dos resumos, percebeu-se a necessidade de separá-los de acordo com o enfoque abordado, levando à criação de categorias temáticas para melhor compreender o perfil dessas publicações, conforme se observa no Quadro 1.
Resultados e discussãoDe posse dos resumos dos 19 artigos, um trabalho foi realizado no Brasil, mas publicado em revista norte-americana; cinco foram publicados no idioma espanhol, 12 no idioma inglês, um em francês e um em alemão. Em relação ao ano de publicação, um resumo foi publicado em 2003, quatro em 2004, três em 2006, quatro em 2007, cinco em 2008 e dois em 2009 (Quadro 1).Os seis primeiros artigos são médicos, abordam a relação dos procedimentos cirúrgicos com a função sexual e se restringem à avaliação da sexualidade apenas na perspectiva da função sexual feminina, tendo enfoque no ato sexual.Um dos trabalhos que avaliou os efeitos do tratamento clínico sob a IU traz abordagem mais ampla sobre a percepção da mulher em relação a vivência da sexualidade. Dando sequência, os cinco artigos que avaliaram o desempenho sexual da mulher por meio de questionários, antes a após intervenções terapêuticas como cirurgias e tratamentos clínicos, também assumiram abordagem mais quantitativa, não havendo aprofundamento nas questões da vivência da sexualidade e sim da atividade sexual.Na área da saúde, geralmente, a sexualidade é abordada na perspectiva biológica voltada para aspectos patológicos dos órgãos sexuais ou para o ato sexual propriamente dito, assim como, no enfoque da reprodução humana28. Mesmo considerando a influencia médica e sua importância no meio científico com as descobertas de problemas de ordem físico e biológica, deve-se levar em consideração a influencia social, antropológica e de gênero nas concepções sobre a sexualidade e as experiências vivenciadas, porque dessa forma, podese avaliar e contemplar o indivíduo em todo o seu contexto de vida, no qual a sexualidade está inserida.Os dois últimos trabalhos26,27 ,que compõem o Quadro 1, trazem abordagem mais aprofundada sobre a sexualidade, considerando aspectos culturais, sociais e pessoais, os quais interferem na forma como as mulheres vivem a sexualidade e a IU.Ao afirmar que sexualidade e gênero são construções pessoais e sociais diferentes para homens e mulheres, percebe-se que as falas, experiências e sentimentos das mulheres devem ser levados em consideração, quando se aborda o tema sexualidade. A mulher possui uma representação da sexualidade diferente do homem e, embora experimentando o crescimento da liberdade sexual, ainda é grande o número de mulheres que direta ou indiretamente são reprimidas pelos pais, esposo, igreja, normatizações arcaicas da sociedade e porque não dizer, reprimidas por elas mesmas, uma vez que vivem com base em suas próprias crenças, valores construídos nesse contexto de repressão. E, para compreender melhor esse fenômeno, é preciso entender que a sexualidade feminina requer conhecimento das relações de poder e dominação, da repressão sexual e dos dogmas religiosos29.Ao considerar o “social” como fator primordial para definir o papel sexual da mulher e do homem na sociedade e fazendo-se uma análise da opressão sofrida pela mulher, presume-se que a forma de viver e de se expressar na sociedade é algo construído e não necessariamente determinado pela natureza humana. Pensamento que pode ser resumido na frase de Simone de Beauvoir30: “não se nasce mulher, torna-se mulher”. Para justificar essa frase, ela estabeleceu uma relação com o existencialismo de Sartre que defendia que o “existencial precede a essência”. Ao entender que a essência é algo construído, o conceito de ser mulher também perpassa por uma construção social.Considerando-se a pequena quantidade de artigos que aborda a sexualidade de mulheres com IU e, desses, poucos que ampliam a concepção de sexualidade, ratifica-se o quanto novos trabalhos precisam ser realizados para fortalecer a importância da discussão sobre gênero, aspectos culturais e sociais, principalmente quando se estuda incontinência, um assunto ainda pouco explorado em qualquer perspectiva.
ConclusãoA produção científica sobre o objeto desse estudo é recente, a partir de 2003, sendo em 2008, o ano com maior número de publicações. Os resumos, em sua maioria, enfocam, principalmente, a função e disfunção sexual e as alterações que a IU pode acarretar no ato sexual.A busca de estudos científicos revelou que há uma lacuna de pesquisas realizadas pela enfermagem, de trabalhos brasileiros e das questões de gênero que perpassam a vida dessas mulheres. A sexualidade feminina precisa ser avaliada em um sentido mais amplo e não se restringir ao aspecto biologicista, uma vez que pode ser realizada por diversos caminhos metodológicos para diagnosticar e tratar a complexidade que envolve a sexualidade. Por isso, recomenda-se ampliar os estudos sobre o impacto que a IU pode causar não só na atividade sexual, mas também em toda a vivência da sexualidade. Acredita-se que seja necessário pesquisar em bases de dados que tenham enfoque social e antropológico, para ampliar esse conceito, cabendo à enfermeira refletir sobre as construções sociais, valores, crenças de seus clientes, como também os seus próprios, para exercer a assistência dentro de uma verdade livre de julgamentos, mudando seus paradigmas e abrindo-se para a compreensão das intersecções da sexualidade com a doença e as relações de gênero porque só a partir dessa visão macro, é possível cuidar das mulheres em sua plenitude.
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