Relato de Caso
Abstract
Desarticulação Coxofemural Após Acidente Motociclístico – Relato de CasoCoxofemoral Disarticulation Following a Motorcycle Accident: A Case Report
Desarticulación Coxofemural Después de Accidente Motociclístico: Estudio de Caso
ResumoTrata-se de um relato de experiência, realizado nos meses de fevereiro a abril de 2011, em uma instituição pública na cidade do Recife. Desenvolvido em paciente do sexo masculino com lesão de etiologia traumática, após acidente motociclístico, progrediu para desarticulação coxofemoral de membro inferior esquerdo (MIE), após revascularização femoral. O objetivo é relatar o tratamento tópico (TT) instituído, com vistas ao preparo do leito da ferida para a cirurgia reconstrutora. Os dados evolutivos foram obtidos por meio de registros escritos no prontuário e avaliação fotográfica periódica da ferida, respeitando-se os preceitos éticos. Para tanto, o cuidado foi evolutivo e fundamentado nos princípios do tratamento de feridas, bem como por meio de seleção adequada das coberturas utilizadas no processo de cicatrização e controle de infecção. No 57º dia de acompanhamento, obtevese 100% de tecido de granulação sendo avaliado pela cirurgia plástica e encaminhado para cirurgia reconstrutora. Os resultados demonstraram que a terapia tópica adequada associada à antibioticoterapia sistêmica permitiu uma evolução satisfatória da ferida, favorecendo a cirurgia reconstrutora.Descritores: Desarticulação. Cuidados de enfermagem. Amputação. Cicatrização.AbstractWe report a case of a male patient who suffered a motorcycle accident and was treated from February to April 2011 in a public hospital in Recife, Brazil. The patient presented with a traumatic injury, which progressed to coxofemoral disarticulation of the left leg after femoral revascularization. The purpose of this study was to describe the topical treatment delivered to the patient to prepare the wound bed for reconstructive surgery. Data describing the evolution of the case were obtained from medical reports and periodic photographs of the wound, following ethical principles. The treatment followed the evolution of the wound and was based on wound care guidelines, including infection control and the selection of adequate wound dressings during the wound healing process. On the 57th day of follow-up, granulation tissue covered 100% of the wound bed; the patient was evaluated by a plastic surgeon and referred to reconstructive surgery. The results showed that appropriate topical therapy combined with systemic antibiotic therapy resulted in the satisfactory healing of the wound, allowing reconstructive surgery to be performed.Descriptors: Disarticulation. Nursing care. Amputation. Wound healing.ResumenSe trata de un relato de experiencia, realizado en los meses de febrero a abril de 2011, en una institución pública en la ciudad de Recife. Fue realizado en un paciente de sexo masculino con lesión de etiología traumática después del accidente motociclístico, avanzando para una desarticulación coxofemoral del miembro inferior izquierdo (MIE), después de la revascularización femoral. El objetivo es relatar el tratamiento tópico (TT) instituido, con la intención de preparar el lecho de la herida para la cirugía reconstructiva. Los datos evolutivos fueron obtenidos por medio de registros escritos en las historias clínicas y evaluación fotográfica periódica de la herida, respetando las cuestiones éticas. Por lo tanto, el cuidado fue evolutivo y fundamentado en los principios del tratamiento de heridas, por medio de la selección adecuada de las coberturas utilizadas en el proceso de cicatrización y control de infección. En el 57º día de seguimiento, se obtuvo 100% de tejido de granulación siendo evaluado por la cirugía plástica y transferido para cirugía reconstructora. Los resultados demostraron que la terapia tópica adecuada y asociada a la antibióticoterapia sistémica permitió una evolución satisfactoria de la herida, favoreciendo la cirugía reconstructora.Palabras clave: Desarticulación. Atención de enfermería. Amputación. Cicatrización de heridas.IntroduçãoAtualmente, o trauma é considerado como a doença do mundo moderno. As motocicletas lideram as estatísticas de acidentes de trânsito e, por conseguinte, elevado número de mortos e feridos1. É evidente a vulnerabilidade do usuário na colisão, uma vez que o motociclista absorve toda a energia gerada no impacto em sua superfície corpórea. Segundo Sado2, dentre as lesões conseqüentes ao trauma, as mais frequentes comprometem as extremidades (53,3%), seguidas de politraumatismos (25,4%), traumas de crânio (10,6%) e as amputações (4,1%). Nos traumas de extremidades, quando combinados com outras lesões, a gravidade associase às lesões vasculares. Os vasos mais frequentemente comprometidos, em ordem decrescente, são a femoral superficial, poplítea, tibial, femoral comum e femoral profunda. Em função do grande fluxo de sangue para as extremidades inferiores e dos escassos vasos colaterais ativos na vítima de trauma, há um alto risco de morte (por hemorragias) e de perdas de membros3. Em situações nas quais as revascularizações não são mais possíveis ou a destruição tissular se mantém assim como em infecções persistentes, as amputações devem ser indicadas4.A desarticulação coxo-femoral consiste na amputação de extremidade inferior do membro e pode resultar de doença vascular periférica progressiva, traumas graves (lesões por esmagamento), tumores malignos e infecção (gangrena gasosa fulminante, osteomielite crônica). A amputação pode ser considerada um tipo de cirurgia reconstrutora drástica e requer importante adaptação do paciente, como os ajustes às mudanças permanentes na sua imagem corporal5, locomoção e re-inserção social.O presente estudo descreve o caso de um paciente internado em instituição pública da cidade do Recife, de sexo masculino, com lesão etiológica traumática, após acidente motociclístico, e em seguimento para desarticulação coxo-femoral de membro inferior esquerdo (MIE), decorrente de revascularização femoral ineficaz. O acompanhamento foi consecutivo e fundamentado nos princípios adequados de intervenções para tratamento da ferida, com prescrições distintas de coberturas, de acordo com o momento evolutivo do processo cicatricial. Portanto, o objetivo do estudo foi relatar o tratamento tópico (TT) instituído nesse cliente, a fim de proporcionar o favorecimento da cirurgia reconstrutora.MétodosTrata-se de estudo descritivo, do tipo relato de caso, realizado na Clinica Vascular de uma Instituição Pública de alta complexidade, na Cidade do Recife, voltada prioritariamente para o atendimento de Urgência e Emergência, no período de 17/ 02/ 11 a 20/04/11. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital da Restauração, processo CAAE nº00190102102-11, conforme preconiza a resolução 196 /96 do Conselho Nacional de Saúde. Obteve-se ainda consentimento livre e esclarecidodo paciente e assinatura da autorização do termo de imagem. Os dados foram coletados a partir do prontuário, da observação direta do paciente e por meio da avaliação e acompanhamento da evolução da lesão.Caso clínicoA.M.S. é do sexo masculino, tem 22 anos e foi transferido do Hospital Regional do Agreste/ PE para o Hospital Getulio Vargas/PE, após acidente motociclístico. Foi admitido na emergência em 6/02/2011, apresentando hematoma em região inguinal esquerda em expansão e trauma abdominal fechado. No bloco cirúrgico, realizou-se sutura de mesentério, exploração vascular em membro inferior esquerdo e ligadura do ramo de artéria femoral profunda, sendo encaminhado para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), no pósoperatório, com uso de antibioticoterapia sistêmica. No 2º dia de pós-operatório (PO) apresentou-se desorientado e hipocorado (++/4+). Em conseqüência da fasciíte necrotizante e isquemia de MIE, retornou ao bloco cirúrgico para realizar desarticulação coxo-femoral esquerda. Em 17 de fevereiro de 2011, é solicitada a avaliação da Comissão de Lesão da instituição. Nessa avaliação, verifica-se presença de lesão extensa em quadrante inferior esquerdo do abdome, exposição do acetábulo, com 80% de tecido necrótico e 20% de tecido de granulação e exsudato purulento em grande quantidade. A ferida media 38cm x 28cm (comprimento x largura) e apresentava a área peri lesão íntegra (Figura1).Figura 1*. Características da ferida em 17/02/11(avaliação inicial). (*desconfiguração da câmera digital, onde consta data 02/16/10 considerar 17/02/11 - vide régua e identificação).Realizou-se, então, limpeza com soro fisiológico (SF) em jato sob pressão, aplicando-se cobertura de espuma com prata (curativo primário) e compressas estéreis (curativo secundário), com objetivo de absorção e controle de carga bacteriana 6 . As trocas ocorreram de acordo com o nível de saturação e sujidade visíveis por meio da cobertura secundária. Após transferência para a clínica vascular, em 21\02\11, manteve-se a conduta proposta pela Comissão de Lesão. A dor foi avaliada por meio da Escala de Wong-Baker, durante e após os curativos, apresentando escore 3, o que indicava a necessidade de administração de analgésico endovenoso, conforme prescrição médica, antes da realização do procedimento. Em 25\02\11, 8° dia de tratamento tópico (Figura 2), observou-se presença de tecido de granulação em quase toda a área da ferida, com pequenas áreas de hipergranulação e de fibrina; a ferida apresentavase com medidas de 31cm x 21,5cm (comprimento x largura). Optou-se, então, pela utilização da cobertura não-aderente estéril, impregnada com emulsão de petrolatum, o que proporcionou não aderência ao leito da ferida, absorção do exsudato, auxiliando a manutenção e controle da umidade e minimizando o trauma no leito da ferida7; e a gaze antimicrobiana como cobertura secundária, objetivando o controle da carga bacteriana, com trocas a cada 48 horas.Em 4 de abril de 2011 (46º dia do TT), o paciente evoluiu com melhora clínica e laboratorial e o leito da ferida apresentou-se com 100% de tecidoFigura 2. Características da ferida 8 dias após o início do tratamento especializado (25/02/11).de granulação (Figura 3), sinais de epitelização das margens e diminuição significativa das medidas lineares (27cm x 18cm), o que favoreceu o seu encaminhamento para a cirurgia reconstrutora, em 11 de abril de 2011. O paciente obteve alta hospitalar no 73º dia de internação (Figura 4).Figura 3. Características da ferida no 460 dia de tratamento (4/04/11).Figura 4. 5º PO de cirurgia reconstrutora (15/04/11).DiscussãoNo tratamento da ferida traumática, é importante o atendimento rápido e eficaz desde a fase inicial, ou seja, desde o procedimento de urgência em pronto socorro, à implementação de condutas especializadas em sala operatória (incluindo o controle radiográfico), pautando-se em avaliação adequada do paciente. No que tange à ferida traumática, essa avaliação deve considerar inúmeros fatores como o agente etiológico, enfermidades de base, fase evolutiva da ferida, características individuais do cliente e recursos materiais e humanos disponíveis. A escolha terapêutica acerca da terapia tópica da ferida deve variar segundo indicações e contra- indicações do produto, vantagens e desvantagens, custo e efetividade, sempre em concordância com a fase cicatricial da lesão 6,7.A crescente ameaça de resistência aos antibióticos, aliada à preocupação com a segurança e a toxidade dos antibióticos tópicos parece ter estimulado novo interesse pela prata, especialmente no campo dos produtos para o cuidado tópico de feridas, por meio dos curativos impregnados com prata. Atualmente, para o tratamento tópico de feridas com colonização crítica ou infectadas, coberturas que contem o antimicrobiano Prata constituem uma das indicações. A condição da ferida traumática, no presente relato, constituiu indicação para a cobertura impregnada com prata na etapa inicial do tratamento tópico.De acordo com Larsen et al8, o processo de cicatrização otimizado e eficaz de uma ferida não pode ser alcançado a menos que haja um controle da carga bacteriana. A cobertura de espuma de poliuretano com prata (Ag) iônica e alginato de cálcio fornece uma eficácia antimicrobiana imediata e contínua contra um amplo espectro de patógenos. A cobertura de espuma com prata (espuma Ag), além de absorver o excesso do exsudato da lesão pelo contato da camada hidrofílica na ferida, também controla o número de microorganismos do seu leito, em decorrência da liberação da prata de forma sustentada, por até sete dias9. Desse modo, as coberturas utilizadas no cuidado da ferida traumática, no presente relato de caso, tanto a espuma de poliuretano com prata quanto a gaze antimicrobiana, favoreceram o controle da carga bacteriana local, sendo a infecção controlada gradativamente. Já a gaze não aderente manteve a umidade e minimizou o trauma no leito da ferida e área peri lesão, reduzindo custo e tempo de internação.No doente com ferida, a dor está interligada à área física e psicossocial, além da cultural e espiritual, e a intensidade da dor pode não se relacionar com a gravidade da lesão. Pode não se verificar correlação anátomo-clínica entre os exames complementares e a dor referida pelo doente, o melhor avaliador da sua própria dor. Os instrumentos disponíveis para avaliação da dor são múltiplos. Esse deve ser selecionado de acordo com o tipo de paciente e o tipo de dor. O doente deve ser encorajado a verbalizar a sua experiência dolorosa pois só assim será possível um tratamento dirigido e eficaz. Os profissionais devem também ser estimulados a documentar e a registrar a dor de forma sistemática10.Considerações finaisPara nós, profissionais de saúde, que cuidamos de pacientes com feridas, é cada vez mais importante conhecermos o paciente, a ferida, o processo cicatricial e a terapia tópica. Neste caso, a abordagem quanto ao tratamento tópico utilizado mostrou-se adequada ao promover a recuperação e favorecer a cicatrização para a cirurgia reconstrutora em tempo hábil.
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References
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