Relato de Caso - Fasciotomia Pós Síndrome Compartimental: Relato de Caso

Authors

  • Marilia Perrelli Valença Mestre em Ciências da Saúde, Estomaterapeuta TiSobest, Enfermeira da CCIH do Pronto – Socorro Cardiológico de Pernambuco Prof. Luis Tavares – PROCAPE/ UPE.
  • Nyagra Ribeiro de Araujo Residente do Programa de Residência em Enfermagem Cardiovascular do Pronto – Socorro Cardiológico de Pernambuco Prof. Luis Tavares – PROCAPE/ UPE.
  • Aracele Tenório de Almeida Cavalcanti Mestre em Ciências da Saúde, Especialista em Doenças Infecciosas e Parasitárias, Enfermeira da CCIH do Pronto – Socorro Cardiológico de Pernambuco Prof. Luis Tavares – PROCAPE/ UPE.

Abstract

Resumo

Asíndrome compartimental é uma condição clínica definida como o aumento da pressão intersticial sobre a pressão de perfusão capilar dentro de um compartimento osteofascial fechado, podendo comprometer vasos, músculos e terminações nervosas e provocando dano tecidual. O tratamento consta da realização de fasciotomia, uma abertura cirúrgica dos compartimentos para aliviar a pressão interna e, assim, restabelecer a circulação sanguínea para os tecidos, resultando em uma ferida operatória. O objetivo deste artigo foi relatar o caso e os cuidados de enfermagem implementados a um cliente submetido à fasciotomia após a síndrome compartimental. Trata-se de um relato de experiência de um cliente com lesão decorrente de fasciotomia após síndrome compartimental. O estudo desenvolveu-se de agosto a setembro de 2010, na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e Clínica de Cardiologia de um Hospital Universitário de Pernambuco. O presente estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da instituição onde foi desenvolvido. Constatou-se que, além da terapêutica medicamentosa, foram imprescindíveis os cuidados de enfermagem especializados. Após implementação do plano de cuidados associados aos curativos e coberturas tópicas utilizadas, o cliente evoluiu satisfatoriamente, evitando o procedimento de enxertia e resultando na alta hospitalar. A implementação de intervenções sistematizadas foi, portanto, essencial para a recuperação do cliente. Tal experiência foi de grande utilidade para nortear a equipe de enfermagem na instituição e pode contribuir para direcionamento de cuidados em outras instituições.Descritores: Cicatrização. Cuidados de enfermagem. Doenças Vasculares.AbstractCompartment syndrome is a clinical condition defined as an increase in the interstitial pressure in a closed osteofascial compartment that decreases capillary perfusion pressure to a level that can affect vessels, muscles and nerve endings, and cause tissue damage. Fasciotomy is a surgical procedure for treating compartment syndrome, in which an opening is created in compartments to release internal pressure and restore blood flow to tissues, resulting in a surgical wound. This study describes the surgical wound care provided to a patient who underwent fasciotomy for compartment syndrome. The study was approved by the Institutional Research Ethics Committee and conducted from August to September 2010 in an intensive care unit and cardiology clinic of a university hospital in Pernambuco. It was observed that, besides drug therapy, skilled nursing care was essential in the management of this patient. After application of the nursing care plan with the use of dressings and topical agents, the patient evolved well, without the need for skin grafting, leading to hospital discharge. The use of systematic interventions was essential to the recovery of the patient. This experience was useful in guiding the hospital nursing staff in the management of fasciotomy wounds and may contribute to the management of such cases in other institutions.Descriptors: Wound healing. Nursing care. Vascular Diseases.ResumenEl síndrome compartimental es una condición clínica que se define como un aumento de la presión intersticial sobre la presión de perfusión capilar dentro de un compartimiento osteofascial cerrado, que puede comprometer vasos, músculos y terminaciones nerviosas provocando daño a los tejidos. El tratamiento consta de la realización de una fasciotomía, una abertura quirúrgica de los compartimientos para aliviar la presión interna y así restaurar el flujo sanguíneo para los tejidos, lo que resulta en una herida quirúrgica. El objetivo del estudio fue presentar el caso y la atención de enfermería implementados a un paciente sometido a fasciotomía después del síndrome compartimental. Se trata de un relato de experiencia de un paciente con una lesión derivada de fasciotomía después del síndrome compartimental. El estudio se llevó a cabo entre agosto y septiembre del 2010 en la Unidad de Cuidados Intensivos (UCI) y la Clínica de Cardiología del Hospital Docente de Pernambuco. Este estudio fue aprobado por el Comité de Ética en Investigación de la propia institución. Se observó que, además de la terapia con medicamentos, fue indispensable el cuidado de enfermería especializada. Después de implementar el plan de atención asociado a las curaciones con apósitos tópicos, el cliente tuvo una evolución satisfactoria, evitando el procedimiento de injerto y alta hospitalaria. La implementación del plan de atención sistematizada fue esencial para la recuperación del paciente. Esta experiencia fue de gran utilidad para orientar al personal de enfermería en la institución y puede contribuir a la orientación de atención en otras instituciones.Descriptores: Cicatrización de heridas. Atención de Enfermería. Enfermedades Vasculares.IntroduçãoSíndrome compartimental (SC) é uma condição clínica definida como o aumento da pressão intersticial sobre a pressão de perfusão capilar dentro de um compartimento osteofascial fechado, podendo comprometer vasos, músculos e terminações nervosas, provocando dano tecidual¹.O diagnóstico é eminentemente clínico e a dor à palpação na região do compartimento afetadoé um dos sintomas mais importantes.Outros achados incluem edema precoce, aumento da consistência dos grupos musculares, dor desproporcional, incapacidade de flexão e extensão da estrutura afetada².As manifestações clínicas da síndrome compartimental são mais intensas e frequentes nos membros inferiores, principalmente na perna, decorrentes de um maior envolvimento de massa muscular e circulação distal terminal³.O tratamento da síndrome compartimental aguda é essencialmente cirúrgico, através da realização de fasciotomia, que deve ser considerada sempre que existe evidência de hipertensão compartimental¹, e realizada prioritariamente nos casos em que ocorre concomitante piora da função neurovascular dos membros acometidos4.A fasciotomia consiste na abertura cirúrgica dos compartimentos para aliviar a pressão interna e assim restabelecer a circulação sanguínea para os tecidos5, resultando em uma ferida cirúrgica aberta que necessita de cuidados tópicos adequados para acelerar a formação do tecido de granulação e minimizar o risco de infecção ou outras complicações.Com o desenvolvimento de tecnologias em saúde, têm-se desenvolvido curativos especiais com a finalidade de intensificar o processo de cicatrização, proporcionando ao cliente melhores condições de tratamento e recuperação. No entanto, a escolha do tipo de tratamento e modificações quanto ao tipo de terapia tópica devem respeitar critérios e considerar o processo evolutivo da lesão bem como os fatores econômicos e técnico-operacionais envolvidos6.O tratamento de feridas é uma das principais áreas de intervenção da enfermagem que atua com o propósito de restaurar a integridade tissular e oferecer condições para a melhora da qualidade de vida do indivíduo. Desse modo, é necessário que o profissional seja conhecedor da técnica correta de limpeza e aplicação de curativos, bem como dos materiais e tecnologias a serem usados durante o mesmo7.Um quadro de síndrome compartimental com realização de fasciotomia exige da enfermagem a implementação de cuidados especializados relativos às atividades técnicas, particularmente a terapia tópica, sendo fundamental o empoderamento desses profissionais na elaboração e implementação de um plano de cuidados adequado em situações específicas como essa.Diante do exposto, objetivou-se com este estudo descrever o caso clínico de um cliente com fasciotomia por síndrome compartimental, com ênfase nas ações de enfermagem.MétodosTrata-se de um relato de caso realizado no período de agosto a setembro de 2010, na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e Clínica de Cardiologia de um Hospital Universitário, referência em Pernambuco. O cliente foi avaliado em dias alternados pelo enfermeiro especialista durante todo o período de internação. A cada visita, realizava-se curativo da lesãoe estabelecia-se sua avaliação na seguinte ordem: mensuração da ferida, condições teciduais, perfusão do membro, exposição de estruturas profundas e progressão da granulação.Como conduta para terapia tópica, a cada avaliação, realizou-se o desbridamento instrumental dos fragmentos desvitalizados até a completa granulação da lesão, otimização do processo de granulação e favorecimento da epitelizaçãopor meio das coberturas indicadas. Ressalta-se que a implementação de cuidados, baseados no protocolo aplicado, foi realizada somente após a autorização do cliente, reservando-se a ele o direito de ser submetido ou não aos cuidados preconizados, além da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O presente estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da instituição onde foi desenvolvido, sendo aprovado pelo CAAE nº 0212.0.258.000-08. Os aspectos éticos e legais da pesquisa foram respeitados de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.Relato do casoJ.M.S.F, sexo masculino, 37 anos, com antecedentes pessoal e familiar de hipertensão arterial. Procurou o serviço hospitalar com diagnóstico de dissecção aórtica do tipo A, com queixas de dor, déficit muscular e parestesia em membro inferior esquerdo (MIE), sendo submetido à cirurgia de bypass fêmuro-femural em MIE por trombose femural esquerda. No dia seguinte, foi submetido à correção de dissecção de aorta tipo A, aneurismectomia, implante de endoprótese e fasciotomia de MIE em face lateral da coxa e perna secundária à síndrome compartimental. No pósoperatório imediato, cliente evoluiu com insuficiência renal aguda secundária à rabdomiólise, passando a realizar hemodiálise três vezes por semana. Na semana seguinte à realização da fasciotomia, a ferida evoluiu com exposição de estruturas profundas em face lateral da coxa, medindo cerca de 30x15x2 cm, com descolamento de margens e exsudação moderada de aspecto seroso. Durante a troca de curativo, constatou-se presença de odor fétido e necrose muscular por coagulação em face lateral da perna, exigindo desbridamento cirúrgico (processo infeccioso).Após o desbridamento cirúrgico, os curativos passaram a ser realizados a cada 48h. A limpeza era feitapor meio de irrigação da ferida, utilizando-se soro fisiológico (SF 0,9%) e solução antisséptica dePoliamino-propilbiguanida- Polihexanida (PHMB);as áreas desvitalizadasforam cobertas com hidrogel; alginato de cálcio foi utilizado como cobertura primária e compressas secas como secundária. Três semanas após o desbridamento, a ferida da coxa apresentava musculatura exposta, sem exsudação e sem sinais de infecção; a lesão da perna apresentava perda muscular e tendínea importante, exposição da tíbia em porção superior e áreas de tecido coagulado. A partir desse momento, optou-se pelo uso de irrigação antisséptica com PHMB e gaze não aderente na perna e uso de placa com colágeno (90%) e alginato (10%) como cobertura primáriana ferida da coxa. Indicou-se troca das coberturas primárias a cada 48h. Após mais uma semana de acompanhamento, observou-se pouca exsudação e ausência de tecido desvitalizado, embora ainda com exposição de porção da tíbia, mas já com epitelizaçãoinicial em margens e progressão da granulação no leitoda ferida (Foto 1). Na realização dos curativos posteriores, empregou-se SF 0,9% para limpeza e solução com PHMB para irrigação das feridas; manteve-se o uso de gaze não aderente na ferida da coxa e de placa com colágeno (90%) e alginato (10%) na lesão mais distal, mantendo-se a troca a cada 48h.Com o restabelecimento da função renal e melhora clínica, o cliente recebeu alta hospitalar após 45 dias da implementação dos cuidados de enfermagem, passando a ser acompanhado pelas enfermeiras no ambulatório de egressos de cirurgia do serviço de controle de infecção hospitalar até a cicatrização completa (Fotos 2 e 3). Como resultado desse processo, evitou-se a realização do enxerto de pele e, portanto, nova internação hospitalar. Tal fato levou as manifestações de satisfação do cliente, que teve suspensas as medicações antidepressivas, as quais fazia uso até então. O mesmo referiu melhores condições de sono e repouso bem como da aceitação da dieta. Sua acompanhante referiu melhora na socialização com os parentes e amigos.imagem 1Foto 1 - Medida aproximada da lesão: 15x6x1cm (em 16/09/2010).Quadro 1 - Evolução da ferida de acordo com o tratamento tópico implementado. Recife/PE; 2010.quadro 1 imagem 3Foto 3 - Lesão epitelizada (em 25/11/2010).Cuidados implementadosO emprego da Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE) possibilita a melhoria da qualidade da assistência de enfermagem beneficiando o cliente, por meio de um atendimento individualizado,holístico e especializado. Nessa perspectiva, foi elaborado um plano de cuidados direcionado aos problemas reais e potenciais de saúde identificados no cliente do estudo, a fim de que as ações realizadas contribuíssem para a melhoria de sua qualidade de vida.A partir dorelato de caso, o Quadro 2 mostra os principais diagnósticos, metas, intervenções e evolução de enfermagem do cliente. Discussão Diante da avaliação satisfatória, não somente em relação à resposta do cliente ao tratamento realizado como também ao seu estado clínico, toda a equipe multiprofissional reconheceu os benefícios dos cuidados.A cada 48 horas registrava-se a evolução das lesões do cliente em prontuário. Nenhuma intercorrência foi observada ou relatada durante a realização dos curativos. Observou-se que o tratamento com as coberturas implementadas favoreceu o conforto e a epitelização gradativa das lesões cutâneas dispensando enxerto, evitando riscos e custos cirúrgicos.Ao assistir um cliente com ferida, o enfermeiro deve avaliar o seu estado geral de saúde e em especial as condições e características da lesão. Essas ações são fundamentais para a escolha adequada do material a ser utilizado, no sentido de auxiliar o organismo a realizar o trabalho, que é fundamentalmente endógeno8. Nesse sentido, destaca-se que as coberturas utilizadas mostraram-se como recursosadequados, pois não causaram danos e aderência ao leito das lesões, favorecendo a sua retirada sem provocar traumas e com atuação positiva.Mandelbaum, Di Santis e Mandelbaum9 afirmam que curativos de gaze não aderente evitam adesão do curativo à ferida, permitindo assim o fluxo para o curativo secundário, preservam o tecido de granulação, não causam dor durante a troca e permitem grande adaptação aos locais.A limpeza da ferida deve ser realizada com uso de técnica e fluido que minimize trauma mecânico e químico. Neste caso, além do SF 0,9% utilizou-se solução com PHMB para irrigação e preparação do leito da ferida. O PHMB é um composto sintético que é estruturalmente semelhante aos peptídeos antimicrobianos naturais, que pode ser empregado nos cuidados dispensados às feridas colonizadas, criticamente colonizadas e infectadas10.Pinto11 afirma que esse produto mostrou-se eficaz como agente antisséptico e cicatrizante no tratamento de lesões em clientes com lesões diabéticas. Nesses pacientes, mostrou evolução positiva do processo cicatricial, diminuição de exsudato, desbridamento, eliminação do odor fétido e contração de bordos, em curto período de tempo, possibilitando o retorno dessas pessoas às suas atividades de vida diária, justificando a continuidade da utilização desse produto nesse tipo de clientela.Além da limpeza e desbridamento, outro princípio importante da terapia tópica de feridas é o controle do exsudato que é importante devido a vários fatores, tais como a diminuição do odor, aumento do conforto do cliente e melhora da autoestima. Embora o controle possa ser muitas vezes difícil, no presente caso, o alginato de cálcio estava recomendado devido ao seu alto poder de absorção12.Quadro 2 - Sistematização da Assistência de Enfermagem em um cliente com feridas. Recife/PE; 2010.quadro 2Após a redução do exsudato, adotou-se também o hidrogel por ser um produto que reduz significativamente a dor e que evita a desidratação das células, devido sua elevada umidade. Esse ambiente por ele formado ajuda no amolecimento dos tecidos desvitalizados, facilitando sua remoção e, nas áreas livres de tecidos desvitalizados, propicia o meio ideal para a reparação tecidual13.O colágeno biológico composto de colágeno (90%) e alginato (10%) pode ser usado com segurança nas feridas exsudativas, infectadas ou colonizadas. O colágeno nele presente promove granulação e epitelização, sendo quimiotáxico para macrófagos e fibroblastos, enquanto o alginato controla a exsudação, formando um gel que mantém o meio úmido, acelerando o processo cicatricial9.Em estudo comparativo14 entre o curativo de colágeno (90%) e alginato (10%) e o convencional de rayon, no tratamento das áreas doadoras de enxerto de pele, observou-se que esseproporcionou menos dor e desconforto ao cliente, epitelização mais rápida, menor tempo de internação e consequente redução significativa do custo final quando comparado ao tratamento convencional, mostrando a sua eficácia nesse tipo de lesões.ConclusãoA partir da assistência implementada, a evolução apresentada pelo cliente mostrou a importância da avaliação e do direcionamento dos cuidados especializados para a promoção do conforto, bem estar, prevenção de novas complicações, recuperação e, até mesmo, para a manutenção da vida do cliente. Houve otimização do tempo de cicatrização da lesão e evitou-se o procedimento cirúrgico de enxertia.Diante dos resultados obtidos, considera-se que a descrição detalhada do caso pode contribuir para a implementação da sistematização da assistência de enfermagem, desde a avaliação da lesão, realização do desbridamento instrumental e elaboração de protocolos de terapia tópica no caso específico. Pode, portanto, representar ferramenta importante para nortear enfermeiros e suas equipes, nos diversos cenários de atenção à saúde, em situações clínicas como a apresentada. Contribui ainda para reflexões acerca da importância do conhecimento e cuidado especializado e seu impacto na redução do tempo de internação do cliente, na redução de procedimentos cirúrgicos invasivos e, principalmente, na melhora da qualidade de vida e satisfação do cliente.

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Published

2013-03-01

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1.
Valença MP, Araujo NR de, Cavalcanti AT de A. Relato de Caso - Fasciotomia Pós Síndrome Compartimental: Relato de Caso. ESTIMA [Internet]. 2013 Mar. 1 [cited 2024 Dec. 22];11(1). Available from: https://www.revistaestima.com.br/estima/article/view/326

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