Revisão - Terapia Tópica para Ferida Crônica: Recomendações para a Prática Baseada em Evidências
Abstract
ResumoA transição demográfica e o aumento da expectativa de vida da população brasileira, aliadas ao aumento do número de pessoas com condições crônicas, predispõem essa população a complicações, dentre elas, a presença de feridas crônicas. Este estudo, revisão de literatura, teve como objetivo identificar as recomendações para a prática clínica referentes à terapia tópica para feridas crônicas, em diretrizes internacionais. Foi realizada a tradução, análise e síntese do conhecimento internacional quanto à terapia tópica para feridas crônicas, divulgado nas diretrizes da Wound, Ostomy and Continence Nurses Society (WOCN). Destacaram-se quatro etapas nas recomendações: limpeza da ferida, debridamento, escolha e aplicação da cobertura adequada e controle da infecção. O controle e manejo da ferida crônica não se limitam à terapia tópica, mas abrange também o controle da etiologia da lesão, bem como das comorbidades e do equilíbrio sistêmico.Descritores:Úlcera por pressão. Úlcera venosa. Pé diabético.AbstractDemographic transition and increasing life expectancy in Brazil associated with a growing number of people with chronic conditions render the population susceptible to complications, including chronic wounds. The aim of this literature review was to identify the recommendations for clinical practice regarding topical therapy for chronic wounds in international guidelines. The Wound, Ostomy and Continence Nursing (WOCN) Society guidelines for topical therapy of chronic wounds were translated into Brazilian Portuguese, evaluated, and the main points were summarized. The four most important recommended procedures were: wound cleansing, debridement, appropriate choice and use of the wound dressing, and infection control. Control and management of chronic wounds are not limited to topical therapy, but also involves controlling etiological factors of the lesion, as well as comorbidities and systemic balance.Descriptors:Pressure Ulcer. Venous Ulcer. Diabetic Foot.ResumenLa transición demográfica y el aumento de la expectativa de vida de la población brasileña, sumado al aumento de personas con enfermedades crónicas, predisponen a dicha población a complicaciones, entre ellas, la presencia de heridas crónicas. Este estudio de revisión de la literatura, tuvo como objetivo identificar en las normativas internacionales las recomendaciones para la práctica clínica referentes a la terapia tópica para heridas crónicas. Se realizó la traducción, análisis y resumen del conocimiento internacional referente a la terapia tópica para heridas crónicas, difundido en las normativas de la Wound, Ostomy and Continence Nursing Society (WOCN). Entre las recomendaciones, se destacaron cuatro etapas: limpieza de la herida, desbridamiento, elección y aplicación de cobertura adecuada y control de la infección. El control y la atención de la herida crónica no se limitan a la terapia tópica, incluyen también el control de la etiología de la lesión, así como de la comorbilidad y del equilibrio sistémicoPalabras clave:Úlcera por Presión. Úlcera venosa. Pie Diabético.IntroduçãoO quadro de transição demográficaapresentado no Brasil, com o aumento da expectativade vida da população, aliado ao aumento do númerode pessoas com condições crônicas, predispõem essapopulação às complicações, dentre elas, a presençade feridas crônicas. Tais feridas apresentam o processode cicatrização deficitário e prolongado, geramimpacto econômico e social aos serviços de saúde,bem como trazem implicações na vida da pessoa queapresenta tal problema e sua família1,2.Epidemiologicamente, a úlcera por pressão, opé diabético e a úlcera venosa são lesões crônicas comsignificante relevância. A ocorrência da úlcera porpressão é usada como indicador para avaliar aqualidade do cuidado prestado pelos serviços desaúde, com foco para a assistência de enfermagem3.Em estudos procedidos em hospitais do país,observou-se a prevalência de 18,52% de úlceras porpressão nos pacientes internados4, e a incidênciaglobal de 39,8% nos pacientes que apresentavam riscopara desenvolvimento dessa ferida, de acordo com aescala de Braden5. A úlcera venosa é a ferida de pernacom maior relevância epidemiológica e representacerca de 70% a 90% dos casos6. Em relação às úlcerasdiabéticas, estas levam freqüentemente à amputação,conseqüência séria, que acarreta mortalidade em 50%dos pacientes, em três anos7.O avanço científico e tecnológicotrouxe transformações na área da assistência à pessoacom ferida crônica. Em nível internacionalevidenciou-se uma maior compreensão acerca daetiologia das lesões e desenvolvimento de alternativaspara a terapia tópica de feridas. Por meio de políticaspúblicas, os altos custos com o tratamentodesencadearam pesquisas na Europa e EstadosUnidos da América resultando na produção dediretrizes que objetivam assegurar a melhor assistênciaàs pessoas com feridas crônicas8-11.A assistência de enfermagem para as pessoascom tais feridas vai além da realização do procedimento técnico do curativo. Devem serconsideradas as etapas que incluem desde a avaliaçãoclínica ou sistêmica do paciente à avaliação da ferida.Considerações acerca da etiologia da lesão, controledas co-morbidades e dos fatores causais, seleçãocriteriosa da terapia tópica são aspectosrecomendados pela literatura, visando ao alcance dosresultados esperados. Ressalta-se que o tratamentodeve ser subsidiado pelas práticas de prevenção, assimcomo, educação do paciente, família e cuidador.Implementar as etapas do processo deenfermagem favorece a identificação de fatores derisco que predispõem à injúria. Com a coleta de dadose a partir do diagnóstico de enfermagem “riscopara[...]” ou “integridade da pele prejudicada” e/ou“integridade tissular prejudicada”, o enfermeiro podedecidir as estratégias para a assistência que visam àadoção de medidas de prevenção ou redução de risco,bem como a melhor terapêutica para a ferida. Oenfermeiro desempenha papel importante noatendimento das Necessidades Humanas Básicas. Amanutenção da integridade tecidual é uma das metasdas intervenções de enfermagem que visam àsegurança do paciente12.Uma estratégia recomendada para oplanejamento da assistência de enfermagem é aPrática Baseada em Evidência, processo que combinaa pesquisa com a experiência clínica e preferênciasdo cliente/paciente, na decisão do profissional acercado que será desenvolvido13. Tal abordagem contrariaa prática clínica com ênfase em rituais, tradição,experiências clínicas isoladas, não sistemáticas eopiniões infundadas e reforça a utilização deresultados de pesquisas e de dados que possam gerarmelhoria da qualidade da assistência14. Em âmbitointernacional, encontram-se várias diretrizes,abordagens interdisciplinares e programaseducacionais para a prática clínica que orientam aprevenção e tratamento das feridas crônicas, visandoassim à implementação da prática baseada emevidências. A Wound, Ostomy and Continence Nurses Society(WOCN) é líder no estabelecimento de diretrizes paraa prática clínica no cuidado de pacientes com feridas,derivações fecais e urinárias e distúrbios decontinência. Essa sociedade desenvolveu diretrizesbaseadas em evidências para o gerenciamento depacientes com feridas, decorrentes de doençasvenosas e arteriais de membros inferiores, neuropatiaperiférica e úlceras por pressão8-10. São as seguintesas diretrizes da WOCN respectivamente para asúlceras por pressão (UP), úlcera neuropática (UN)ou pé diabético e úlceras venosas (UV): Guideline forprevention and management of pressure ulcers8; Guideline formanagement of wounds in patients with lower-extremityneuropathic disease9 e Guideline for management of woundsin patients with lower-extremity venous disease10.Frente à importância do conhecimento para aassistência de enfermagem às pessoas com feridascrônicas, presentes em todos os contextos do cuidar,este estudo objetivou realizar uma revisão de literaturasobre as práticas clínicas recomendadas para otratamento de feridas crônicas, tendo como objetoas diretrizes da WOCN. MétodosTrata-se de um estudo de revisão das diretrizes internacionais da Wound, Ostomy and Continence Nurses Society, de 2003 a 2005. Após a aquisição da versão original em inglês, por meio do endereço eletrônico www.wocn.org, procedeu-se à tradução livre das mesmas, com o propósito de facilitar a leitura e entendimento das recomendações indicadas pelas diretrizes. As versões em português foram validadas por estudiosos da área temática e por um profissional nativo da língua inglesa, especialista em idioma e cultura latinoamericana. Em seguida, realizou-se a síntese das recomendações comuns às três diretrizes estudadas, para a terapia tópica das feridas crônicas mencionadas.ResultadosAs diretrizes da WOCN abordam a avaliação e controle das condições clínicas das pessoas com feridas crônicas, bem como a prevenção de fatores de riscos que podem desencadear agravos e sua recorrência.Identificaram-se como recomendações para a terapia tópica as seguintes etapas: avaliação sistêmica do paciente, seguida do planejamento da intervenção para a terapia tópica, que consiste na avaliação da ferida, limpeza, desbridamento de tecidos desvitalizados, aplicação da cobertura tópica e controle e gerenciamento de infecção (Figura 1). Para a avaliação sistêmica da pessoa com ferida crônica, as diretrizes apontam para a necessidade de proceder à avaliação clínica direcionada à etiologia da lesão, ao estado nutricional e aos fatores que interferem no processo de cicatrização8-10.

Figura 1. Componentes da avaliação da pessoa com ferida crônica e etapas da terapia tópica.A avaliação com foco na etiologia da ferida objetiva identificar fatores causais e comorbidades que possam ser controlados ou eliminados. A mobilidade, a presença de fricção e/ ou cisalhamento, incontinência urinária e intestinal são aspectos considerados na avaliação da pessoa com UP8. Para pessoas com úlceras venosas, a avaliação de membros inferiores destina-se a identificar sinais e sintomas típicos, como a presença de edema, hemosiderose, veias varicosas, alterações na temperatura da pele e estado perfusional10.Na avaliação da pessoa com úlcera neuropática, o exame dos pés e extremidades inclui inspeção da pele, presença de calos e calosidades, avaliação da sensibilidade tátil e vibratória, perfusão periférica, e estado biomecânico e musculoesquelético9. As diretrizes apontam ainda a importância da avaliação nutricional para a cicatrização das feridas crônicas, incluindo a identificação de dados referentes aos hábitos alimentares, exame físico e parâmetros bioquímicos, com ênfase para o aporte de nutrientes favoráveis à cicatrização8-10. Os Quadros 1, 2, 3 e 4 mostram as recomendações segundo as diretrizes da WOCN para as demais etapas da terapia tópica: limpeza, desbridamento de tecidos desvitalizados, aplicação da cobertura, controle e gerenciamento de infecção das feridas crônicas




Downloads
References
- Rezende KF, Nunes MAP, Melo NH, Malerbi D, Chacra AR, Ferraz MB. Internações por pé diabético: comparação entre o custo direto estimado e o desembolso do SUS. Arq Bras Endrocrino Metab. 2008; 52(3):523-30.
- Carvalho ESdeS, Sadigursky D, Viana R. O significado da ferida para as pessoas que a vivenciam. Rev Estima [Periódico na Internet]. 2006 [Acesso em 10 Mar 2012]; 4(2):26-32. Disponível em: http:// w w w . r e v i s t a e s t i m a . c o m . b r / index.php?option=com_content&view=article&id=224%3aartigooriginal- 2&catid=31%3aedicao42&itemid=70&lang=pt
- Rabeh SAN, Caliri MHL. Úlcera de pressão: estratégias para divulgação do conhecimento na literatura de enfermagem. Rev Paul Enferm. 2003; 22(3):307-14.
- Camargo AS, Blanes L, Cavalcante NJF. Prevalência de úlcera por pressão em um hospital de infectologia. Rev Estima [Periódico na Internet]. 2007 [Acesso em 10 Mar 2012]; 5(2):32-6. Disponível em: http:// w w w . r e v i s t a e s t i m a . c o m . b r / index.php?option=com_content&view=article&id=68%3aartigooriginal- 4&catid=3%3aedicao52&itemid=74&lang=pt
- Rogenski NMB, Santos VLCG. Estudo sobre a incidência de úlceras por pressão em um hospital universitário. Rev Latino-Am Enfermagem [Periódico na Internet]. 2005 [Acesso em 09 Abr 2012]; 13 (4): 474-80. Disponível em: http://www.scielo.br/ scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0104-11692005000400003&lng=en. http://dx.doi.org/10.1590/s0104-11692005000400003.
- Borges EL. Tratamento de úlcera venosa: proposta de uma diretriz baseada em evidências. [Tese]. Ribeirão Preto: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo; 2005.
- McPhee SJ, Ganong WF. Fisiopatologia da doença: uma introdução à medicina clínica. Tradução da 5ª ed: McGraw-Hill.; 2008.
- Wound, Ostomy, and Continence Nurses Society (WOCN). Guideline for prevention and management of pressure ulcers. Glenview (IL): Wound, Ostomy, and Continence Nurses Society (WOCN) 2003. 52 p. WOCN clinical practice guideline.
- Wound, Ostomy, and Continence Nurses Society (WOCN). Guideline for management of wounds in patients with lower-extremity neuropathic disease. Glenview (IL): Wound, Ostomy, and Continence Nurses Society (WOCN); 2004. 57 p. (WOCN clinical practice guideline; nº. 3).
- Wound, Ostomy, and Continence Nurses Society (WOCN). Guideline for management of wounds in patients with lower-extremity venous disease. Glenview (IL): Wound, Ostomy, and Continence Nurses Society (WOCN); 2005. 42 p. (WOCN clinical practice guideline; nº. 4).
- European Pressure Ulcer Advisory Panel and National Pressure Ulcer Advisory Panel. Prevention and treatment of pressure ulcers: quick reference guide. Washington DC: National Pressure Ulcer Advisory Panel; 2009 (www.npuap.org) (www.epuap.org).
- Potter PA. Fundamentos de Enfermagem. 7ª ed. Rio de Janeiro: Mosby/Elsevier; 2009.
- Galvão CM., Sawada NO, Rossi LA. A prática baseada em evidências: considerações teóricas para sua implementação na enfermagem perioperatória. Rev Latino-Am Enferm. 2002; 10(5): 690-5.
- Domenico EBL, Ide CAC. Enfermagem baseada em evidências: princípios e aplicabilidades. Rev Latino-Am. Enferm. 2003; 11(1): 115-8.
- Wound, Ostomy, and Continence Nurses Society (WOCN). Guideline for prevention and management of pressure ulcers. Mount Laurel (NJ): Wound, Ostomy, and Continence Nurses Society (WOCN); 2010 Jun 1. 96 p. (WOCN clinical practice guideline; nº 2).
- Bryant RA, Nix DP. Acute & chronic wounds: current management concepts. Mosby Elsevier: St. Louis; 2007.
- Santos VLCG, Azevedo MAJ, Silva TS, Justo VM, Carvalho VF. Adaptação transcultural do Pressure Ulcer Scale for Healing (PUSH) para a língua portuguesa. Rev Latino-Am Enferm. 2005;13(3):305-313.
- Santos VLCG, Sellmer D, Massulo MME. Confiabilidade interobservadores do Pressure Ulcer Scale for Healing (PUSH) em pacientes com úlceras crônicas de perna. Rev Latino-Am Enferm. 2007;15:391-396.
- Martins EAP, Meneghin, P. Avaliação de três técnicas de limpeza do sítio cirúrgico infectado utilizando soro fisiológico. Cienc Cuid Saúde 2012;11(suplem):204-10.
- Sibbald RG, Leaoer DJ, Queen D. Iodine made easy. Wounds international. 2008; 2(2):1-6.
- Murdoch, R, Lagan, K M. The role of povidone and cadexomer iodine in the management of acute and chronic wounds. Physical Therapy Reviews 2013;18(3):207-216.
- Lipsky BA, Hoey C. Topical antimicrobial therapy for treating chronic wounds. Clin Infect Dis. 2009; 49(10):1541-9.
- Rangel EML, Caliri, MHL. Uso das diretrizes para tratamento da úlcera por pressão por enfermeiros de um hospital geral. Rev Eletr Enf. [Periódico na Internet]. 2009 [acesso em 15 Abr 2012]; 11(1):70-7. Disponível em: http://www.fen.ufg.br/revista/v11/n1/v11n1a09.htm.
- Medeiros ABF, Lopes CHAF, Jorge MSB. Análise da prevenção e tratamento das úlceras por pressão propostos por enfermeiros. Rev Esc Enferm USP [Periódico na Internet]. 2009 [acesso em 15 Abr 2012]; 43(1): 223-28. Disponível em: http://www.scielo.br/ scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342009000100029&lng=en.