Artigo Original 2

Authors

  • Jocilene de Mesquita Silveira Estomaterapeuta (TiSOBEST). Enfermeira do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar -Hospital Privado de Fortaleza - CE.
  • Maria Euridéa de Castro Estomaterapeuta (TiSOBEST). Livre Docente em Enfermagem pela UNIRIO-RJ. Coordenadora do Curso de Especialização em Estomaterapia de Fortaleza-Ce.

Abstract

Práxis dos Enfermeiros Assistenciais nos Cuidados com as Feridas Cirúrgicas

ResumoNa práxis dos enfermeiros assistenciais, encontramos condutas diversificadas no manejo com as feridas cirúrgicas. Objetivou-se investigar a práxis dos enfermeiros no cuidado com os clientes cirúrgicos. O universo do estudo constou de 12 enfermeiras lotadas nas unidades cirúrgicas, em dois Hospitais privados de Fortaleza-CE. Utilizou-se para coleta de dados uma entrevista semi- estruturada e diário de campo. Analisaram-se os dados em categorias analíticas. Revelou-se a necessidade de um cuidado holístico, associando os processos bio-psico-sócio-emocionais com o cliente cirúrgico e família. As enfermeiras usam produtos tópicos não recomendados, sendo a escolha individualizada ou seguimento de prescrição médica. As coberturas com tecnologia avançada foram usadas em casos isolados. Não existe protocolo. Atuam na maioria de modo dependente ou interdependente. Não operacionaliza a SAE e não embasam o cuidado em teoria científica. Sugerimos a criação de um Serviço de Estomaterapia para que as enfermeiras tenham apoio técnico-científico constantes durante a práxis do cuidado com as feridas cirúrgicas.Palavras-chave: Enfermagem. Prática profissional. Ferida Cirúrgica.AbstractIn the practices of nursing assistants, diferent courses of actions are taken in the management of surgical wounds. The objective of this study was to investigate nursing practices in the management of surgical patients. The sample consisted of 12 nurses working in surgical units of two private hospitals in Fortaleza, CE, Brazil. Data were colected through a semi-structured interview and from the nurse´s diary. The data were analyzed according to analytical categories. The results revealed the need for holistic care, taking into account the biological, psychological, social and economic processes, and surgical patient and his/her family perspectives. It was observed that the nurses used non-recommended topical products, and the choice for products would folow or not folow medical prescriptions. Treatments using modern technologies were used in isolated cases. The nurses folowed no protocol, and they usualy acted independently or interdependently. The care provided was not based on scientific concepts, and the Specialized Assistance Service (SAS) guidelines were not folowed. Based on these findings, we suggest the establishment of a Stomatherapy Service to provide continuous technical and scientific support to nurses in their daily practice and care of surgical wounds.Keywords: Nursing. Professional practices. Surgical wound.IntroduçãoPós-modernidade tem sido caracterizada pela transição e chamamento dos profissionais à quebra de paradigmas ainda existente no processo de cuidar das lesões teciduais, em adotarem novas condutas acerca dos cuidados avançados no tratamento de feridas e a implementação da Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE) no cotidiano dos enfermeiros, com vistas a qualificar a assistência de enfermagem de maneira científica e contribuindo como indicador de qualidade para instituição.O interesse deste tema surgiu quando se observou o cotidiano das enfermeiras assistenciais no cuidado com as feridas cirúrgicas. As mesmas tinham muitas dúvidas em relação ao tratamento tópico das feridas cirúrgicas e mantinham condutas diversificadas, individualizadas ao cuidar das feridas, com gastos desnecessários de agentes tópicos e coberturas.O tratamento de ferida cirúrgica com retardo de cicatrização exige do enfermeiro uma atualização constante dos avanços científicos e tecnológicos, bem como o conhecimento da variedade dos produtos existentes no mercado, que possam abreviar o processo de cicatrização. É imprescindível o conhecimento da fisiologia da reparação tecidual e dos fatores locais e sistêmicos que possam interferir no tratamento avançado de feridas1.A existência de algoritmos norteia a prática dos enfermeiros, abrevia o processo de cicatrização e reduz os custos para instituição. Um consenso no cuidado de feridas cirúrgicas ou normas de condutas norteia o enfermeiro no manejo com a ferida cirúrgica e contribui para uma reabilitação precoce do cliente cirúrgico2.Ao avaliar o cliente torna-se imperiosa a utilização da SAE, um instrumento legal, que garante autonomia e segurança nas ações do enfermeiro3 sendo de fundamental importância para identificação dos diagnósticos de enfermagem.O diagnóstico de enfermagem é definido como um julgamento clínico acerca das reações de um indivíduo, família e comunidade, a problemas reais ou potenciais de saúde ou a processos de vida4.Visa o estudo destacar as dificuldades no cuidado com feridas cirúrgicas, para estabelecer algoritmos, para garantir a qualidade do cuidado, permitindo aos profissionais um direcionamento técnico e científico na assistência à pessoa com feridas.Objetivos- Investigar a práxis dos enfermeiros assistenciais no cuidado com as feridas cirúrgicas.- Identificar os recursos disponíveis e os procedimentos técnico-científicos utilizados pelos enfermeiros.- Averiguar o conhecimento dos enfermeiros frente atualização dos avanços científicos e tecnológicos no cuidado com as feridas cirúrgicas.-Investigar a implementação da SAE frente ao cuidado com feridas.MétodosEstudo descritivo e exploratório, realizado em dois Hospitais privados na cidade de Fortaleza-CE, com média de 20 leitos por unidade cirúrgica, com atendimentos de cirurgias gerais e eletivas, com os curativos das feridas cirúrgicas sendo exclusivo das enfermeiras.O universo do estudo compreendeu dezessete enfermeiras, sendo oito da 1ª Instituição e nove da 2ª Instituição. A população coincidiu com a amostra, sendo assim as autoras responsáveis pelos resultados do estudo.Os dados foram coletados após a aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará, no período de 2 meses, obedecendo a todas as recomendações advindas da Resolução 196/965.Utilizou-se entrevista semi-estruturada, observação livre durante os plantões de cada enfermeira (6 horas), diário de campo e prontuário do cliente.As informações foram organizadas em categorias analíticas, seguindo convergência fonética de acordo com o método de análise de conteúdo proposto por Bardin6.Resultados e DiscussãoDestacaram-se três categorias:Percepção da enfermeira no cuidado com o cliente cirúrgico; Processo de cuidar do cliente cirúrgico e Implementação da SAE no cliente cirúrgico.Percepção da enfermeira no cuidado com o cliente cirúrgicoOs resultados revelaram a necessidade de um cuidado holístico com o cliente cirúrgico, mas as enfermeiras declaram que as atividades burocráticas acabam impedindo que isto ocorra, sendo que os cuidados são direcionados para os sinais de urgência e emergência."Não é só a ferida cirúrgica desse paciente, tem que vê-lo como um todo! (...) controle glicêmico, corticóide a longo prazo, presença de febre, aceitação da dieta, estado emocional, parte de higiene e de conforto (...) a instituição sobrecarrega de atividades burocráticas, a gente acaba fazendo aquela parte de urgência e emergência." enfa 2Percebemos que os cuidados prestados pelas enfermeiras estão voltados para os desequilíbrios orgânicos. Os aspectos que envolvem o processo saúde-doença do cliente cirúrgico não podem estar restritos apenas ao equilíbrio/ desequilíbrio orgânico associado aos processos biológicos, deve-se avaliar, também, os aspectos psico-sócio-emocionais que envolvam o cliente cirúrgico e seus familiares2.Processo de cuidar do cliente cirúrgico As enfermeiras, ao serem questionadas quanto aos critérios de avaliação da ferida cirúrgica, oito (8) declararam importante avaliar sinais e sintomas para diferenciar uma ferida limpa da infectada e, nesta última, avaliação da cultura no caso de drenagem da ferida."... observação dos sinais flogísticos, presença de secreção, tecido desvitalizado, presença de febre, dor, avaliação da cultura nas feridas infectadas.." enfas 1, 4 a 8, 11 e 12 ".. um instrumento de avaliação na realidade não tem!" enfa 2Observamos nos depoimentos e na observação livre que a avaliação da ferida cirúrgica acontece do ponto de vista subjetivo e individualizado das enfermeiras, inexistindo uma ficha de avaliação da ferida, não tendo um padrão de registro, dificultando o acompanhamento da evolução ou involução da reparação tecidual.Em relação aos agentes tópicos, as enfermeiras não seguem um protocolo padronizado, identificamos condutas em desacordo com os avanços científicos recomendados para feridas cirúrgicas, proposto pela Portaria 930 Ministério da Saúde e outros autores7,8,9.".. na ferida de1ª intenção, às vezes nem uso o soro, só o éter, limpa, mais nada!" enfa 7"..nas feridas infectadas alguns cirurgiões utilizam a técnica antiga de P.V.P.I. + açúcar. Acaba o paciente ficando mais tempo internado.."enfas 2 a 4".. em qualquer ferida cirúrgica uso soro fisiológico e só!" enfas 1 a 12Existe um consenso entre as enfermeiras do uso da solução fisiológica (SF) na limpeza das feridas cirúrgicas, no entanto durante a observação livre não encontramos a técnica de irrigação com as feridas abertas, de acordo com as recomendações científicas9,10,11.As enfermeiras declararam justificativas plausíveis do uso exclusivo do SF para limpeza tópica da ferida, demonstraram conhecimento do uso não mais recomendado dos outros agentes tópicos, mas de acordo com a subcategoria anterior, continuam utilizando na práxis os agentes tópicos citados. Seguem as falas:" ..Nas feridas de 1ª intenção, só uso do SF 0,9%, manter a ferida limpa, os pacientes vão para casa com a ferida descoberta e cicatriza muito bem!" enfa 3" .. eu não utilizo o P.V.P.I, acaba destruindo novas células (..) o último curso que eu fiz é que atualmente a gente não tem usado P.V.P.I., eu não vi grande melhora!" enfas 2 e 3".. O éter em cima da ferida arde, dói, desidrata e irrita a pele! (..) Molhar o curativo no banho fica fácil de tirar." enfas 3 e 11Apesar de haver um consenso entre as enfermeiras das vantagens do uso recomendado do SF no leito da ferida, demonstram que o conhecimento do desuso das outras substâncias é adquirido em cursos sobre feridas e/ou experiências das evidências negativas destes agentes nos seus clientes cirúrgicos.Nos depoimentos das enfermeiras e na observação livre, o uso das coberturas utilizadas nas feridas cirúrgicas baseia-se na conduta individualizada de cada profissional."Na ferida de 1ª intenção uso gazes simples e adesivo microporoso (..)!" enfas 1, 2, 3, 4, 5, 7, 10"No 1º PO de apendicectomia, retiro o curativo e deixo exposto (..) nas laparotomia e revascularização no 5º PO, deixo descoberto!" enfa 9"Nas deiscências nós conseguimos fechar a ferida com alginato de cálcio (..) tem uma excelente cicatrização e muito rápido!" enfas 2, 3, 5, 11De acordo com os depoimentos, oito (8) enfermeiras afirmaram o uso das coberturas com gazes simples e micropore nas feridas de 1ª intenção, mas inexistiu um protocolo de quantos dias pós- operatório deixam a ferida cirúrgica descoberta.No cuidado com as feridas de 2ª intenção, as enfermeiras declararam alguns casos isolados do uso de alginato de cálcio, com resultados positivos e que aceleraram o processo de cicatrização tecidual.Justificaram que o pouco uso destas coberturas modernas é por causa do custo elevado, estando em desacordo com alguns convênios de saúde ou situação financeira dos familiares, relatam também a pouca divulgação e aceitação destas coberturas pelos cirurgiões.".. a grande dificuldade para escolher esses produtos são os convênios, não autorizam o uso.." enfas 1 e 4"Algumas famílias são bem esclarecidas, ajudam, fazem questão de comprar o material, mas outras acham que o plano de saúde tem obrigação! Têm outras que são totalmente alheias!" enfa 6Registramos no diário de campo que a não aquisição das coberturas com tecnologia avançada leva as enfermeiras a utilizarem os curativos convencionais, muitas vezes não recomendado com o tipo de ferida cirúrgica e terapia tópica indicada, contribuindo para o retardo da cicatrização tecidual.Os resultados revelaram que nove (9) enfermeiras atuam no cuidado com as feridas cirúrgicas de modo interdependentes ou dependentes, como p. ex. seguimento de prescrições pelos cirurgiões. Segue os depoimentos:"... Com a ferida de 2ª intenção, nós indicamos o curativo sempre concomitante com a opinião do cirurgião.." enfas 4, 5, 10"Infelizmente, dentro da nossa realidade, o curativo ainda não é escolhido pela enfermeira! Seguimos prescrição médica." enfa 3"O cirurgião sempre pergunta para gente (...) Qual a tendência de hoje? Nós temos a liberdade de indicar, porque nós escolhemos os curativos" enfa 2De acordo com análise das entrevistas e observação livre, observou-se que na práxis a autonomia da enfermeira guarda estreita relação entre o conhecimento científico e atualização do processo de cuidar das feridas cirúrgicas. No estudo, nove (9) enfermeiras atuam de forma interdependente ou dependente do cirurgião e três (3) de forma independente.Os fatores que dificultam uma ação independente da enfermeira na práxis foram: falta de cobertura com tecnologia avançada ou a não aceitação do cirurgião. Vejamos um depoimento que corrobora com esta questão: "Tudo é a falta de material e abertura do cirurgião no cuidado com a ferida cirúrgica. Você não tem autonomia para nada! "enfa 6Implementação da SAE no cliente cirúrgicoAs enfermeiras citam as fases do processo de enfermagem, mas não implementam na prática, também não existe teoria de enfermagem embasando o cuidado de enfermagem com seus clientes cirúrgicos:".. coletamos os dados, o histórico do paciente, mas na realidade não embasamos em teoria nenhuma!" enfa 2"É difícil reconhecer isso! (..) a metodologia da assistência não é completa porque falta o diagnóstico, prescrição de enfermagem.." enfa 1"A gente aprende lá [Universidade] e não aplica aqui". enfa 6Como percebemos, o cuidado de enfermagem é realizado de modo assistemático, no qual não é aplicado o instrumento metodológico da profissão de enfermagem. Existem lamentações pelas enfermeiras porque não implementação a SAE, mas não culpam a academia por tal situação da práxis.O processo de enfermagem é a essência da prática de enfermagem, é o instrumento e a metodologia da profissão e, como tal, ajuda a enfermeira a tomar decisões, a prever e avaliar as conseqüências. O processo de enfermagem é uma atividade intelectual deliberada, na qual a prática é abordada de maneira ordenada e sistemática12.Ainda sobre as fases do processo de enfermagem, as enfermeiras alertaram para o respaldo legal que a prescrição de enfermagem garante ao enfermeiro e necessidade de melhorar a qualidade dos registros da evolução de enfermagem praticados na práxis.".. A prescrição de enfermagem é a nossa segurança, pois cada dia mais busca uma assistência voltada para os direitos do paciente (..) a gente não está prescrevendo, não está se respaldando." enfa 1, 6".. às vezes o enfermeiro resume tanto as evoluções de enfermagem e passa por cima de informações que são importantes!" enfa 6Percebemos nos depoimentos que o cuidado voltado para os direitos do cliente tornam- se obrigatória a implementação da SAE. A qualidade dos registros no prontuário assegura ao enfermeiro qualidade da assistência e torna-se imprescindível, principalmente pelo aspecto legal da obrigatoriedade de fazê-lo e por configurar um objeto de defesa profissional em caso de Processo Ético e/ou Judicial.As enfermeiras declararam uma variedade de dificuldades que impedem a implementação da SAE na prática, conforme revelam as falas:".. não dá pela impossibilidade do tempo! A instituição sobrecarrega de a t i v i d a d e s burocráticas.."enfas 2, 3 ,4".. as dificuldades são: falta de informação, união de todas, precisaria de todas seguir aquele critério, a mesma conduta, fazer um consenso.." enfa 7A falta de protocolos do cuidado de enfermagem com a ferida cirúrgica, unida à inexistência da implementação da SAE reflete na falta de gerenciamento das atividades no dia-a-dia, não contribuindo para a qualidade da instituição. As enfermeiras declararam a necessidade na prática de um protocolo de cuidado de enfermagem com as feridas cirúrgicas."Aqui não tem protocolo. Então poderia normatizar o atendimento, só quem ganha é o paciente." enfa 3A inexistência de normas padronizadas deixa os enfermeiros livres para planejar as atividades na práxis, cada um à sua maneira, uns mais experientes e outros menos, podendo prejudicar o processo de cicatrização. A normatização do cuidado de enfermagem, do ponto de vista operacional, assistencial e gerencial, torna-se benéfico para o cliente, família, enfermeiro e instituição.Considerações finaisDe acordo com os resultados da pesquisa, evidenciou-se que na práxis dos enfermeiros é necessário a implementação da SAE e seguimento de um protocolo de cuidado de enfermagem para o manejo com a ferida cirúrgica, contribuindo para promoção, prevenção de infecção de sítio cirúrgico e tratamento tópico da cicatrização nas feridas complicadas, melhor custo-benefício- efetividade dos produtos utilizados, atualização técnico-científica, rápida recuperação do cliente cirúrgico e como fator de contribuição para os indicadores de qualidade da assistência de enfermagem e da instituição.As instituições pesquisadas devem implementar um Serviço de Estomaterapia para dar apoio técnico-científico aos enfermeiros assistenciais e estimular os enfermeiros das unidades que cuidam das feridas cirúrgicas a buscar conhecimento na pós-graduação latu sensu , visto a necessidade dos enfermeiros modificarem o processo de cuidar com as feridas cirúrgicas complicadas, frente aos avanços tecnológicos e científicos vigentes.


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Published

2016-03-23

How to Cite

1.
Silveira J de M, Castro ME de. Artigo Original 2. ESTIMA [Internet]. 2016 Mar. 23 [cited 2024 Dec. 22];6(3). Available from: https://www.revistaestima.com.br/estima/article/view/45

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