Artigo Original 1

Authors

  • Júnia Leonne Dourado de Almeida Lima Fisioterapeuta e Enfermeira. Mestre em Enfermagem e Trabalho pela Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Especialista em Reabilitação do Assoalho Pélvico e Tratamento de Incontinência Urinária Feminina (UNIFESP). Pós-graduanda em Estomaterapia – UNICAMP. Docente do curso de Enfermagem da Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC) – Centro de Educação Superior do Oeste (CEO).
  • Maria Helena Baena de Moraes Lopes Enfermeira. Doutora em Ciências. Professora Associada do Departamento de Enfermagem da FCM – UNICAMP. Pós-graduanda em Estomaterapia – UNICAMP.

Abstract

Qualidade de Vida em Mulheres com Incontinência Urinária no Puerpério

ResumoOs objetivos deste estudo foram avaliar a qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) de puérperas incontinentes e verificar o quanto a incontinência urinária (IU) interfere na qualidade de vida (QV) destas mulheres. Trata-se de estudo de corte transversal do tipo correlacional. Foram entrevistadas 220 puérperas, no período entre 30 e 180 dias de pós-parto, por meio de um formulário e dois instrumentos de avaliação de QVRS, sendo um genérico, o SF-36 e outro específico para mulheres incontinentes, o King’s Health Questionnaire (KHQ). Os resultados mostraram que a IU de esforço foi a mais comum no puerpério e a maioria das puérperas apresentava uma pequena perda urinária. Houve diferença significativa nos domínios do SF-36 capacidade funcional (p=0,0046) e estado geral de saúde (p=0,0241) na comparação entre puérperas continentes e incontinentes. Nas puérperas incontinentes, constatou-se média maior dos seguintes domínios do KHQ: medida de gravidade, percepção geral de saúde e impacto da incontinência. Houve correlação entre vários domínios do SF-36 e do KHQ. O estudo permitiu concluir que a QVRS de mulheres continentes e incontinentes foi semelhante, com exceção dos domínios capacidade funcional e estado geral de saúde do SF-36, mais comprometido entre as mulheres incontinentes. Ao usar, o KHQ observouse que o impacto em todos os domínios foi pequeno, quando se compara com outros estudos, mas para algumas mulheres o problema afetou de forma importante sua QVRS, atingindo o escore máximo em alguns domínios.Palavras Chaves: Incontinência urinária. Qualidade de vida. Período pós-parto.AbstractThe aims of this study were to assess the health-related quality of life (HRQoL) of women with postnatal incontinence and to evaluate the impact of urinary incontinence on the HRQoL of these patients. This was a cross-sectional, correlational study. Interviews were conducted with 220 women within 30 to 180 days after delivery. The interviews were performed using two assessment tools: the Medical Outcomes Study 36-Item Short Form Health Survey (SF-36), and the King’s Health Questionnaire (KHQ). Results revealed that stress urinary incontinence was the most common type of incontinence in the postpartum period, and that most patients reported leakage of small amount of urine. There was a significant difference between women with and without postnatal incontinence in physical functioning (p=0.0046) and general health scores (p=0.0241) on the SF-36. Women without postnatal incontinence reported higher mean scores on the severity measures, general health perception, and incontinence impact domains of the KHQ compared with those with postnatal incontinence. There was statistical correlation among several domains of the SF-36 and KHQ. In conclusion, the HRQoL of women with and without postnatal incontinence was similar, except for the fact that women with postnatal incontinence reported lower scores on the physical functioning and general health domains of the SF-36, corresponding to a worse health status. The impact of postnatal incontinence on all domains of the KHG was small compared with that reported by other studies, but this condition had a significant impact on the HRQoL of some women, who reported the highest scores on some of the KHG domains.Key words: Urinary incontinence. Quality of life. Postpartum period.ResúmenLos objetivos del estudio fueron: evaluar la calidad de vida relacionada con la salud (CVRS) de las puérperas con incontinencia urinaria (IU) y verificar cómo esta afecta la calidad de vida (CV) de las mujeres. Es un estudio correlacional, transversal. Fueron entrevistadas 220 mujeres, entre 30 y 180 días después del parto, por medio de un formulario y dos instrumentos para evaluar la CVRS ( SF-36 y King’s Health Questionnaire - KHQ). Los resultados demostraron que la IU de esfuerzo fue más común en el post-parto y la mayoría de las mujeres tuvieron una pequeña pérdida de orina. Hubieron diferencias significativas en los dominios de SF-36: capacidad funcional (p=0,0046) y el estado general de la salud (p=0,0241) al ser comparadas puérperas continentes e incontinentes. En las puérperas incontinentes se identificó un promedio mayor de los siguientes dominios del KHQ: medida de la gravedad, percepción general de la salud e impacto de la incontinencia. Se encontró una correlación entre varios dominios de SF-36 y del KHQ. El estudio permitió concluir que la CVRS de las mujeres continentes e incontinentes fue similar, con excepción de los dominios de la capacidad funcional y el estado general de salud del SF-36, que se encontraban más comprometidos entre las mujeres incontinentes. Durante la utilización del KHQ se observó que el impacto en todos los dominios fue pequeño al ser comparado con otros estudios; sin embargo, para algunas mujeres el problema afectaba su CVRS significativamente, alcanzando la máxima puntuación en algunos dominios.Palabras clave: Incontinencia urinária. Calidad de vida. Periodo de post-parto.IntroduçãoA incontinência urinária (IU), definida como “a queixa de qualquer perda involuntária de urina que é um problema social ou higiênico”1, é sintoma que ocorre com bastante frequência na gravidez e pode manter-se no puerpério ou mesmo permanecer ao longo da vida da mulher 2-5.No ciclo grávido-puerperal, a taxa de prevalência de IU é elevada, podendo na gravidez variar de 15 a 69,0%, e no puerpério de 5 a 42,0% 2-5. Em geral, o tipo de IU mais comum nesse período é a de esforço (IUE), com taxas entre 5 a 69,0%, a urge-incontinência ou incontinência urinária de urgência (IUU) tem prevalência de 4 a 55,0% e incontinência urinária mista (IUM), de 3 a 55,0% 3- 10.Para algumas mulheres, a IU é um problema significativo de saúde que restringe as atividades de vida diária, mas, para outras, é considerada como uma pequena inconveniência que é conseqüência natural do parto 11. Porém a IU pode causar deterioração da saúde que se reflete em mudanças no estilo de vida após o parto 6.A IU pode causar desconforto social e higiênico pelo medo constante da perda urinária, pelo cheiro de urina e pelas necessidades de usar protetores e trocas mais frequentes de peças íntimas ou, até mesmo, de roupas que interferem de modo negativo na qualidade de vida (QV) das mulheres 12. Além disso, a IU pode causar limitações em níveis físicos, como praticar esportes ou mesmo carregar objetos; diminuição ou abandono das atividades sociais, ocupacionais e domésticas; depressão e até evitar ter relações sexuais 13-15.Visando os possíveis danos que a IU pode causar, a Sociedade Internacional de Continência tem recomendado que medidas de avaliação de QV sejam incluídas em todos os estudos, como um complemento de medidas clínicas16.De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS)17, a QV é um conceito multidimensional que incorpora aspectos sociais, físicos e mentais e está relacionada com a percepção subjetiva do indivíduo sobre sua condição ou doença. Os instrumentos genéricos permitem avaliar simultaneamente vários domínios, podem ser usados em qualquer população, permitindo comparações entre pessoas com diferentes patologias, mas possuem capacidade limitada de identificar aspectos específicos da QV afetadas por determinada patologia. Os instrumentos específicos são clinicamente mais sensíveis, mas não permitem comparações entre patologias distintas e são restritos aos domínios de relevância do aspecto a ser avaliado18.O “Medical Outcome Study 36-item Short-Form Health Survey (SF-36)” é um instrumento de avaliação de QV genérico, bastante usado por vários pesquisadores para avaliar a QV de vida de mulheres incontinentes19-21, assim como o “King´s Health Questionnaire (KHQ)”, que é específico6,22,23. O KHQ é classificado pela Sociedade Internacional de Continência como altamente recomendado ou nível “A”, por ser considerado um questionário completo que avalia tanto o impacto da IU nos diferentes domínios da QV, como os sintomas percebidos pelas pacientes24.Apesar da alta taxa de prevalência de IU no puerpério e dos possíveis danos que esta sintomatologia pode causar à vida da mulher, há poucos estudos sobre a qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) de mulheres incontinentes no puerpério. Geralmente, são usados apenas questionários específicos, como é o caso do estudo de Dolan et al.6 que empregou o KHQ. Entretanto, esses estudos poderiam proporcionar à equipe de saúde um conhecimento mais amplo sobre o assunto, o que contribuiria para a escolha de condutas mais adequadas e para a avaliação mais abrangente do desfecho do tratamento.Para tanto, a proposta deste estudo foi comparar a QVRS de puérperas continentes e incontinentes, por meio de dois instrumentos de QV, um genérico (SF-36) e um específico (KHQ), a fim de verificar o quanto a IU interfere na QVRS destas mulheres.MétodoTrata-se de um estudo de corte transversal, do tipo correlacional realizado no período de agosto de 2008 a março de 2009, em uma Unidade Básica de Saúde (UBS), em Itapecerica da Serra, região metropolitana de São Paulo (Brasil).Neste local são atendidas mensalmente, em média, 20 a 22 puérperas para a primeira consulta de revisão puerperal, além das consultas de puericultura. Os sujeitos do estudo foram puérperas que aguardavam por consultas de revisão puerperal, atendimento de puericultura ou de vacinação dos filhos.Para o cálculo do tamanho amostral, levouse em conta a diferença de prevalência e os Odds Ratios dos estudos de Scarpa et al. 9 (43,5%), Foldspang et al.25 (28,3% e 12,0% no parto vaginal e cesáreo respectivamente) e Hvidman et al.26 (24,1%). Desse modo, estimou-se o total de 220 mulheres para constituir a amostra, considerandose o nível de significância de 5% e o poder do teste de 80%.Os critérios de inclusão foram ter tido gravidez única, estar entre 30 e 180 dias de pósparto e em aleitamento materno (com base na definição do Ministério da Saúde27 para o puerpério), não fazer uso de medicações que interferem no trato urinário inferior e podem alterar a função vesical; e não apresentar as seguintes comorbidades: diabetes mellitus; litíase renal; doença pulmonar obstrutiva crônica; doenças neurológicas; hipertensão arterial; infecção do trato urinário e história pregressa de cirurgia pélvica, com exceção de cirurgias de parto cesáreo.As mulheres com qualquer queixa de perda involuntária de urina, foram consideradas incontinentes, conforme definição da Sociedade Internacional de Continência28 que, por sua vez, foi classificada em: IUE - “perda involuntária de urina ao esforço como ao tossir, espirrar, rir, erguer peso, correr, pular ou ao realizar algum outro esforço físico”; urge-incontinência (IUU) - “perda involuntária de urina precedida de um súbito e incontrolável desejo de urinar, difícil de ser adiado” e, IUM - quando a mulher refere ter os dois sintomas.Para a coleta de dados foi utilizado um formulário e dois instrumentos para avaliar a QVRS, um que avalia a QV em geral, o SF-36, e outro que avalia a QV especificamente em mulheres incontinentes, o KHQ, ambos validados para a língua portuguesa por Ciconelli et al.29 e Tamanini et al.30, respectivamente.Um formulário específico foi elaborado e submetido à análise de validação de conteúdo, realizada por um painel de cinco juízes com experiência na área de obstetrícia e/ou IU. Algumas alterações foram sugeridas na elaboração das questões, resultando no instrumento final prétestado com dez puérperas, evidenciando não serem necessárias mais modificações.O formulário continha questões relativas às características sócio-demográficas (idade, raça/cor, escolaridade, estado civil, profissão, renda familiar); dados obstétricos (tipo de parto atual e anteriores; posição da mulher no parto vaginal – litotômica, semi-sentada, decúbito lateral e cócoras; paridade; trauma perineal; peso e perímetro cefálico do recém-nascido); sintomas urinários (início da IU na gestação atual; IU atual; tipo da IU; frequência; volume e período da perda urinária; uso de protetor ou forro; tipo de protetor usado; trocas diurnas e noturnas; perda de urina durante a relação sexual e se o companheiro sabia da perda urinária); índice de massa corpórea (IMC) na gestação e pós-parto e atividade sexual.O SF-36 é um questionário de QV multidimensional formado por 36 itens, reunidos em dois grandes componentes: físico e mental, sendo cada um formado por quatro domínios. O componente físico é composto pelos domínios: Capacidade Funcional, Aspectos Físicos, Dor e Estado Geral de Saúde. Quanto ao componente mental, abrange os domínios: Vitalidade, Aspectos Sociais, Aspectos Emocionais e Saúde Mental. Cada domínio corresponde a um valor que varia de 0 a 100, em que 0 indica o pior estado de saúde e 100, o melhor29. O coeficiente á de Cronbach para a escala total foi de 0,82 com variações de 0,78 a 0,82 nos oito domínios, o que indica evidências de consistência interna satisfatória31.O KHQ é composto por 21 questões que englobam oito domínios: Percepção Geral de Saúde, Impacto da Incontinência Urinária, Limitações de Atividades Diárias, Limitações Físicas, Limitações Sociais, Relações Pessoais, Emoções e Sono/ Disposição. Além destes domínios, existem duas outras escalas independentes: uma que avalia a gravidade da IU (medidas de gravidade) e a outra a presença e a intensidade dos sintomas urinários (escala de sintomas urinários). O KHQ é pontuado para cada um dos seus domínios, sem escore geral. Os escores variam de 0 a 100 em cada dimensão, e o valor de 100 indica a pior QV30. O coeficiente á de Cronbach da escala total foi 0,75, com variações de 0,70 a 0,77 nos oito domínios. Apesar de apresentar valores mais baixos, ainda se encontra no limite aceitável (0,70)31. Neste caso o á pode estar baixo devido ao valor do n da amostra que é pequeno (n= 22), e de acordo com alguns autores é recomendado um n de no mínimo 30 ou 50 sujeitos para o cálculo desse índice32.As participantes foram abordadas na sala de espera, sendo a princípio esclarecidas sobre a pesquisa por meio da leitura individual do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os três instrumentos foram aplicados pela própria pesquisadora na seguinte ordem: primeiramente o formulário elaborado para este estudo, seguido pelo SF-36 e, por fim, o KHQ. Aquelas que não apresentavam queixas de perda involuntária de urina apenas respondiam ao formulário e depois ao SF-36.O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, em 10/03/2008, parecer nº 110/2008, atendendo a legislação vigente no país.Análise EstatísticaA análise descritiva (média, desvio-padrão, mediana, mínimo, máximo e IQR) foi realizada para as variáveis contínuas (idade, pontuação do SF-36 e KHQ) e calculada a frequência das variáveis categóricas (questões dos questionários). As pontuações do SF-36 e do KHQ foram calculadas. Os escores foram testados quanto à normalidade por meio do teste de Kolmogorov- Smirnov e como os domínios não apresentaram distribuição normal, o teste de Mann-Whitney foi usado para comparar as pontuações dos domínios do SF-36 entre puérperas continentes e incontinentes.ResultadosForam entrevistadas 220 mulheres com idade média de 25,7±6,1 anos, variando 14 a 44 anos, que se encontravam, em média, no 97º dia de puerpério (±58,3 dias), com variação de 30 a 180 dias. A maioria era de cor branca (60,0%), vivia em união estável (98,64%), estudou até o ensino médio (63,2%), só se dedicava ao lar (53,6%), com uma renda familiar em torno de um a três salários mínimos (84,5%).Quanto à paridade 55,0% (121) eram multíparas, das quais 75 tiveram dois partos e 46 três ou mais partos. A maioria teve parto normal (54,1% ou 119); 44,5% (98), partos cesáreos e, 1,4% (3), parto fórceps. Com relação aos partos anteriores, 62,0% (75) tiveram somente parto normal, 30,6% (37) só partos cesáreos e 7,4% (9) mais de um tipo de parto, incluindo o fórceps.Dentre as 220 mulheres entrevistadas, 101 apresentaram IU em algum momento do ciclo grávido-puerperal; das quais 79 apresentaram IU somente na gravidez, 17 na gravidez e puerpério e cinco somente no puerpério. Dessa forma, a prevalência da IU na gravidez foi 43,6% (96 - 220) e no puerpério 10,0% (22 - 220).Os dados da Tabela 1 mostram a frequência e características da IU no puerpério. O tipo de IU mais frequente foi a IUE (4,6%), a urgeincontinência 2,7% e a IUM 2,7%. A maioria apresentava uma perda urinária pequena, mas 13,7% disseram perder grande volume. Cerca de um terço (31,8%) fez uso de forro, e isso lhe causou prejuízo ou incômodo. A perda urinária durante o intercurso sexual, embora pouco frequente (dois casos) atrapalhou o ato sexual. Grande parte dos companheiros (59,1%) sabia que a mulher apresentava IU e em três casos (23,1%), isso interferiu na relação sexual.Os dados da Tabela 2 descrevem as pontuações alcançadas nos diferentes domínios do SF-36 entre puérperas continentes e incontinentes. Ambos os grupos apresentaram maior média no domínio capacidade funcional (89,3±14,4 e 78±23,4, respectivamente) e menor média no domínio vitalidade (58±20,9 e 49,8±25,8). Observa-se que houve diferença significativa nos domínios capacidade funcional (p=0,0046) e estado geral de saúde (p=0,0241), com escores médios mais baixos entre as mulheres incontinentes.Os dados da Tabela 3 indicam as pontuações alcançadas nos diferentes domínios do KHQ, observa-se que houve maior média dos domínios medida de gravidade (31,2±12,1), percepção geral de saúde (28,4±16) e impacto da incontinência (27,3±28,4).DiscussãoA IU é um sintoma que ocorre com bastante frequência no ciclo grávido-puerperal, sendo sua taxa de prevalência maior na gravidez quando comparado ao puerpério4. De fato, no presente estudo a taxa de prevalência de IU neste período é elevada, porém é mais frequente na gravidez, sobretudo no último trimestre, quando comparada ao puerpério. Estudos de coorte mostram que o sintoma de perda urinária ultrapassa os 6 meses de pós-parto, e permanece por longos anos na vida da mulher, sendo a IUE o tipo mais comum no puerpério. Neste período, os fatores de risco que estão relacionados à IU são gravidez e o parto2,5,10,25 .A maioria das puérperas incontinentes tinha de pequena à moderada quantidade de perda de urina, sendo que somente uma referiu ter perda diária. De acordo com Samuelson et al.33 há uma relação entre a frequência dos episódios de perda de urina e como as mulheres consideram que a IU interfere em suas vidas. O presente estudo aponta que a IU afetou a QVRS das puérperas incontinentes, mas, não de forma severa quando utilizados instrumentos genérico e específico. A média dos escores dos oitos domínios do SF-36 foi semelhante entre puérperas incontinentes e continentes, com exceção dos domínios capacidade funcional e estado geral de saúde.Embora não houvesse diferença significativa na média do escore do domínio vitalidade, do SF- 36, entre as puérperas continentes e incontinentes, sua média foi inferior nos dois grupos, comparando-se com a população geral, sobretudo considerando-se as incontinentes. Isso sugere que o estado puerperal e as demandas decorrentes dos cuidados com a criança podem estar afetando esse domínio, o que é agravado quando a mulher tem IU. De fato, estudo recente encontrou diferença significativamente menor no domínio vitalidade e capacidade funcional em puérperas que tiveram parto cesáreo, quando comparadas àquelas com partos normais34. Esses aspectos devem ser mais bem investigados e variáveis de controle, como tipo de parto, devem ser consideradas.Houve diferença significativa na média dos domínios do SF-36 capacidade funcional e estado geral de saúde na comparação entre puérperas continentes e incontinentes. Isso sugere que a IU pode estar interferindo nesses dois domínios. Estudos demonstram que a IU interfere nos domínios limitação por aspecto físico e emocional de mulheres mais jovens21 e, em mulheres mais velhas a IU interfere mais no domínio mental19. No entanto, há controvérsias, Ho-Yin et al.35 observaram que, entre as mulheres em idade avançada, a IU causa prejuízo significativo nos aspectos físicos.

Estudo com mulheres incontinentes não grávidas e idade média de 54 anos encontrou diferença significativa nos escores dos domínios limitação por aspectos físicos, dor, vitalidade e saúde mental quando comparados à IUE com a IUM, sendo a IUM é a que mais interfere na QV20.No entanto, estudos mostram que o SF- 36, ao ser aplicado em mulheres com IU, apresenta dificuldade de interpretar qualquer mudança, e sensibilidade limitada para pequenas alterações de sintomas21. O problema, em utilizar o SF-36 para avaliar a QVRS de mulheres incontinentes, é que os resultados são frequentemente insensíveis à condição específica de medida. Dessa forma, os instrumentos da QVRS específicos podem ser mais benéficos para avaliar o impacto da IU na QV20,21.Estudando a QVRS de puérperas incontinentes, por meio do KHQ, observam-se uma média maior nos domínios percepção geral de saúde, impacto da incontinência e medidas de gravidade, resultados semelhantes aos do estudo de Dolan et al.6 que avaliou puérperas no terceiro mês após o parto. Mas, com relação ao domínio medida de gravidade, nossa média foi maior (31,2) que aquela encontrada no referido estudo (23,3). Uma possível explicação para essa diferença é que, embora a maioria das mulheres tenha referido uma perda pequena de urina, cerca de um terço fez uso de forros, que é indicativo da preocupação com a perda urinária.Ao contrário do presente estudo, Dolan et al.6 encontraram uma média razoavelmente elevada no domínio sono e disposição (33,3). Talvez essa diferença se deva ao fato de que em nosso estudo, a IUE seja o tipo mais frequente no puerpério, e no de Dolan et al.6,a mais comum foi a IUM (55,3%), na qual podem estar presentes sintomas irritativos da bexiga, como a noctúria, que poderia interferir no sono e repouso.Ao comparar a média dos domínios do KHQ do atual estudo, com outros realizados em nosso meio22,23, com mulheres fora do período grávido-puerperal, observa-se que, no presente estudo, as médias nos domínios são menores. As mulheres entrevistadas no trabalho de Reti et al.22 tinha um tempo médio de 2 a 10 anos de início dos sintomas de IU e, é conhecido que os sintomas de IU só se agravam com o tempo14.De acordo com as pesquisas citadas, os domínios do KHQ que obtiveram maior média foram: impacto da incontinência, limitações de atividades diárias, limitações físicas, medidas de gravidade e percepção geral da saúde22,23. O presente estudo apresenta amplas variações em domínios, como impacto da incontinência e limitações físicas, mostrando que algumas puérperas consideraram a IU um problema grave, atribuindo o valor máximo (100) para esses domínios, ao passo que nenhuma pontuou o valor mínimo, isto é, zero, para medidas de gravidade.Um estudo multicêntrico realizado em quatro países da Europa, com mulheres não grávidas e idade média de 51 anos, mostrou que a IU interferiu nas atividades físicas, autopercepção e atividades sociais. Na França e Alemanha a IU causou moderado impacto na vida das mulheres e, no Reino Unido, o impacto foi severo. Na Espanha, o impacto foi mais acentuado em mulheres mais jovens quando comparadas às mais velhas, isso pode ser possível pelo fato das mais jovens estarem iniciando a carreira profissional e a vida pessoal14.Frente ao exposto, considerando-se a escassez de investigações e a relevância do problema, observa-se que são necessários mais estudos que avaliem a QVRS de puérperas incontinentes, com um número maior de sujeitos e que utilizem instrumentos genéricos e específicos, pois os instrumentos genéricos possibilitam a avaliação simultânea de várias áreas ou domínios, ser utilizados em qualquer população e fazer comparações entre pacientes com diferentes patologias18, o que pode ser útil para dimensionar o problema.No entanto, é de extrema importância avaliar a QVRS, pois com o conhecimento da prevalência de doenças crônicas e suas sequelas, os objetivos da atenção à saúde passaram a ser questionados, e cada vez mais esses objetivos deixam de ser a “cura” e passam a ser a “melhoria de vida” dos pacientes18.Para tanto, o instrumento de avaliação de QVRS permite a vigilância epidemiológica, a avaliação do efeito das políticas públicas, e, além disso, de forma individualizada, potencializa a avaliação diagnóstica da natureza e da severidade das doenças, traça diagnóstico, avalia a eficácia terapêutica e identifica fatores etiológicos35.ConclusõesA QV de vida de mulheres continentes e incontinentes foi semelhante, com exceção dos domínios capacidade funcional e estado geral de saúde do SF-36 que foi pior entre as mulheres incontinentes. Usando-se o questionário específico, KHQ, observou-se que o impacto em todos os domínios foi menor quando se comparou com outros estudos, mas para algumas mulheres o problema afetou de forma importante sua QV.Ressalta-se a importância da utilização de questionários genéricos e específicos, a fim de que as dimensões não adequadamente contempladas ou investigadas pelos questionários específicos possam ser avaliadas pelos genéricos.Por fim, é sempre importante lembrar que a QV pode ser afetada de maneira diversa pela IU em um mesmo grupo de mulheres, visto que depende da frequência e intensidade da perda urinária, dentre outros fatores, sendo sempre útil a avaliação da QVRS para que a assistência seja individualizada.Os dados da tabela 3 indicam as pontuações alcançadas nos diferentes domínios do KHQ, observa-se que houve maior média dos domínios medida de gravidade (31,2±12,1), percepção geral de saúde (28,4±16) e impacto da incontinência (27,3±28,4).

Downloads

Download data is not yet available.

References

Abrams P, Cardozo L, Fall M, Griffiths D, Rosier P, Ulmsten U, Kerrebroeck P, Victor A, Wein A. The standardization of terminology of lower urinary tract function: Report from the standardization sub-committee of the International Continence Society. Neurourology and Urodynamics 2002; 21(2):167-78.

Viktrup L, Rortveit G, Lose G. Risk of stress urinary incontinence twelve years after the first pregnancy and delivery. Obstet Gynecol 2006; 108(2): 248-54.

Bo K, Backe-Hansen KL. Do elite athletes experience low back, pelvic girdle and pelvic floor complaints during and after pregnancy? Scand J Med Sci Sports 2007; 17(5): 480-87.

Lewicky-Gaupp C, Cão DC, Culberstson S. Urinary and anal incontinence in African American teenaged gravidas during pregnancy and the puerperium. J Pediatr Adolesc Gynecol 2008; 21(1): 21-26.

Wesnes SL, Rortveit G, BØ K, Hunskaar S. Urinary incontinence during pregnancy. Obstet Gynecol 2007; 109(4): 922-28.

Dolan LM, Walsh D, Hamilton S, Marshall K, Thompson K, Ashe RG. A study of quality of life in primigravidae with urinary incontinence. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunction 2004; 15(3): 160-64.

Sun MJ; Chen GD; Chang SY; Lin KC; Chen SY. Prevalence of lower urinary tract symptoms during pregnancy in Taiwan. J Formos Med Assoc 2005; 104(3): 185-89.

van Brummen HJ; Bruinse HW; van de Pol G; Heintz AP; van der Vaart CH. Bothersome lower urinary tract symptoms 1 year after first delivery: prevalence an the effect of childbirth. BJU Int 2006; 98(1): 89-95.

Scarpa KP, Herman V, Palma PC, Ricceto CL, Morais SS. Prevalence and correlates of stress incontinence before and during pregnancy. Acta Med Port 2006; 19(5): 349-56.

Herrmann V, Scarpa K, Palma PCR, Riccetto CZ. Stress urinary incontinence 3 years after pregnancy: correlation to mode of delivery and parity. Int Urogynecol J 2009; 20 (3): 281-88.

Chaliha C, Kalia V, Stanton SL, Monga A, Sultan AH. Antenatal prediction of postpartum urinary and fecal incontinence incontinence . Obstet Gynecol 1999; 94: 689-94.

Kelleher CJ. Quality of life and urinary incontinence. Baillieres Best Pract Res Clin Obstet Gyencol 2000; 14(2): 363-79.

Coyne KS, Zhou Z, Thompson C, Versi E. The impact on health-related quality life of stress, urge and mixed urinary incontinence. BJU Int 2003; 92(7): 731-35.

Papanicolaou S, Hunskaar S, Lose G, Sykes D. Assessment of bothersomenes and impact on quality of life of urinary incontinence in women in France, Germany, Spain and UK. BJU Int 2005; 96(6): 831-38.

Lopes MHBM, Higa R. Restrições causadas pela incontinência urinária à vida da mulher. Rev Esc Enferm USP 2006; 40(1): 34-41.

Blaivas JG, Appell RA, Fantl JÁ, Leach G, McGuire EJ, Resnick NM et al. Standards of efficacy for evaluation of treatment outcomes in urinary incontinence: recommendations of the Urodynamic Society. Neurourol Urodyn 1997; 16(3): 145-47.

The Word Health Organization Quality of Life assessment (WHOQOL): position paper from the World Health Organization. Soc Sci Med 1995; 41(10): 1403-09.

Campolina AG, Ciconelli RM. Qualidade de vida e medidas de utilidade: parâmetros clínicos para as tomadas de decisão em saúde. Rev Panam Salud Publica / Pan AM J Public Health 2006; 19(2): 128-35.

Araki I, Beppu M, Kajiwara M, Mikami Y, Zakoji H, Fukasawa M et al. Prevalence e impact on generic quality of life of urinary incontinence in Japanese working women: assessment by ICI questionnaire and SF-36 Health Survey. Urology 2005; 66 (1):88-93.

Oh S-J, Ku JA. Is a generic quality of life instrument helpful for evaluating women with urinary incontinence? Quality of Life Research 2006; 15: 493-501.

Paick J-S, Kim SW, Oh S-J, Ku JH. A generic health-related quality of life instrument, the Medical Outcomes Study Short-Form-36 in women with urinary incontinence. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol 2007; 130(1):18-24.

Reti MT, Simões JA, Herrmann V, Gurgel MSC, Morais SS. Qualidade de vida em mulheres após tratamento da incontinência urinária de esforço com fisioterapia. Rev Bras Ginecol Obstet 2007; 29(3): 134-40.

Silvia L, Lopes MHBM. Incontinência urinária em mulheres: razões da não procura por tratamento. Rev Esc Enferm USP 2009; 43(1): 72-78.

Naughton MJ, Donovan J, Badia X, Corcos J, Gotoh M, Kelleher C et al. Symptoms severity and QOL scales for urinary incontinence. Gastroenterolgy 2004; 126: s114-23.

Foldspang A, Hvidman L, Mommsen S, Nielsen JB. Risk of postpartum urinary incontinence associated with pregnancy and mode of delivery. Acta Obstet Gynecol Scand 2004; 83(10): 923-27.

Hvidman L, Foldspang A, Mommsen S, Nielsen JB. Correlates of urinary incontinence in pregnancy. Int Urogynecol J 2002; 13: 278-83.

Brasil. Ministério da Saúde, FEBRASGO E ABENFO. Parto, Aborto e Puerpério. Assistência Humanizada à Mulher 2003, p. 175.

Abrams P; Cardozo L; Fall M; Griffiths D; Rosier P; Ulmsten U et al. Padronização da terminologia da função do trato urinário inferior. Relato do subcomitê de padronização da Sociedade Internacional de Continência. Urodinâmica & Uroginecologia 2003; (6): 29-41.

Ciconelli RM, Ferraz MB, Santos WS, Meinão I, Quaresma MR. Tradução para a língua portuguesa e validação do questionário genérico e avaliação de qualidade de vida SF-36 (Brasil SF-36). Rev Bras Reumatol 1999; 39: 143-50.

Tamanini JTN, D’Ancona CAL, Botega NJ, Netto Jr NR. Validação do “King´s Health Questionnaire” para o português em mulheres com incontinência urinária. Rev Saúde Pública 2003; 37(2): 150-58.

Hair JFJ; Anderson RE; TahamR.L; Black WC. Multivariate Data Analysis. 5 ed. New Jersey: 1998. p.118.

Schmidt FL; Hunter JE.; Urry VW. Statistical power in criterion-related validity studies. Journal of Applied Psychology 1976; 61: 473-485.

Samuelsson E, Victor A, Tibblin G. A population study of urinary incontinence and nocturia among women aged 20- 59 years. Prevalence, well-being and wish for treatment. Acta Obstet Gynecol Scand 1997; 76: 74-80.

Torkan B, Sousan P, Lamyian M, Kazemnejad A, Montazeri A. Postnatal quality of life in women after normal vaginal delivery and cesarean section. BMC Pregnancy and Childbirth 2009; 9:4.

Ho-Yin PL, Man-Wah P, Shing-Kai Y. Effects of aging on generic SF-36 quality of life measurements in Hong Kong Chinese women with urinary incontinence. Acta Obstet Gynecol Scand 2003; 82: 275-79.

Published

2016-03-23

How to Cite

1.
Lima JLD de A, Lopes MHB de M. Artigo Original 1. ESTIMA [Internet]. 2016 Mar. 23 [cited 2024 Dec. 22];9(2). Available from: https://www.revistaestima.com.br/estima/article/view/65

Issue

Section

Article

Most read articles by the same author(s)