Artigo Original 3

Authors

  • Gisela Maria Assis Enfermeira. Estomaterapeuta (PUCPR). Projeto Voluntário na Associação dos Deficientes Físicos do Paraná.
  • Tatiana Moreschi Enfermeira. Estomaterapeuta (PUCPR). Projeto Voluntário na Associação dos Deficientes Físicos do Paraná.
  • Ana Rotília Erzinger Enfermeira. Estomaterapeuta. Mestre em Educação. Professora Adjunta do Curso de Enfermagem da PUCPR. Projeto Voluntário na Associação dos Deficientes Físicos do Paraná.
  • Gilvane Bail Enfermeiro (a) formado pela PUCPR. Endereço para correspondência: Gisela Maria Assis.
  • Maria Rosana de Bastos de Paula Enfermeiro (a) formado pela PUCPR.
  • João Vanderlei Machado Pedroso Enfermeiro (a) formado pela PUCPR.

Abstract

Autocateterismo Intermitente – Técnica Limpa: um Instrumento Efetivo no Resgate do Autocuidado

ResumoO autocateterismo vesical intermitente – técnica limpa (ACVI-TL) é uma forma de esvaziamento vesical importante na prevenção das complicações urinárias do indivíduo que sofreu uma lesão medular. A técnica proporciona independência e favorece a ressocialização. Esta pesquisa teve como objetivo avaliar se a orientação sistemática e motivação de um grupo de indivíduos com lesão medular para a realização do ACVI-TL podem favorecer o resgate do autocuidado. Utilizou-se de um programa de capacitação e motivação por meio de consultas de enfermagem semanais. Ao início do estudo seis de um total de oito participantes dependiam de um cuidador para o cateterismo, e sete eram expostos a condutas que comprometem os princípios da técnica limpa. Ao final do estudo, sete obtiveram condições de se autocateterizar com destreza e segurança. Considera-se, portanto, que um programa de orientação sistemática e motivação para o ACVI-TL pode ser favorável ao resgate do autocuidado.Descritores: Bexiga Urinária Neurogênica. Cateterismo Urinário. Autocuidado.AbstractClean intermittent self-catheterization (CISC) is a procedure to drain the bladder and an important means to prevent urinary complications in patients with spinal cord injury. This technique allows independence and contributes to the resocialization of the patient. The purpose of this study was to determine whether the systematic training and encouragement of a group of patients with spinal cord injury to perform CISC increases their ability to regain self-care. For this purpose, we used a motivational skills-training program based on weekly nurse visits. At the beginning of the study, six of eight participants were dependent on caregivers for catheterization, and the procedure was not performed using aseptic techniques in seven patients. At the end of the study, seven participants acquired the skills to perform CISC safely and effectively. We therefore believe that a systematic motivational skills-training program in the use of CISC may increase the ability of patients to regain self-care.Descriptors: Urinary Bladder, Neurogenic. Urinary Catheterization. Self Care.ResúmenEl autocateterismo vesical intermitente – técnica limpia (ACVI-TL) es efectiva y segura para el tratamiento y la prevención de las complicaciones vésico-urinarias de la persona con lesión medular. La técnica proporciona independencia y favorece la resocialización. Esta investigación tuvo como objetivo observar si la orientación sistemática y la motivación de un grupo de individuos con lesión medular para que realicen el ACVI-TL puede favorecerles el rescate del auto cuidado. Fue utilizado un programa de capacitación y motivación por medio de consultas semanales de enfermería. Al iniciar el estudio, 06 (seis) de 08 (ocho) participantes, dependían de un cuidador para efectuar el cateterismo. De ellos 07 eran expuestos a conductas que comprometen los principios de la técnica limpia. Al terminar el estudio, los 07 lograron condiciones de auto cateterizarse con destreza y seguridad. Por lo tanto, se considera que un programa de orientación sistemática y de motivación para el ACVI-TL puede favorecer el rescate del auto cuidado.Palabras clave: Vejiga Urinaria Neurogénica, Cateterismo Urinário. Autocuidado.IntroduçãoTornar-se dependente de um cuidador é, sem dúvida, um dos fatores mais estressantes para uma pessoa que foi vítima de uma lesão da medula espinhal. Deixar de ter autonomia para atividades básicas e essenciais é, muitas vezes, um fator desmotivador na luta pela vida. A situação se agrava ao se considerar o fato de que essa dependência, na maioria das vezes é, inclusive, o que torna esses momentos constrangedores e indesejados para as necessidades fisiológicas.A lesão medular é uma agressão à medula espinhal, que pode resultar em danos neurológicos, relacionados às funções motora, sensitiva, visceral, sexual e trófica 1. Trata-se de um grave problema social pois atinge, principalmente, indivíduos jovens, em idade produtiva, que passam a depender de um dispendioso processo de reabilitação para manter uma melhor qualidade de vida.Na lesão medular, as disfunções do aparelho vesico-urinário são de grande relevância, tendo em vista que podem resultar em complicações que, se não tratadas adequadamente, tendem a evoluir até a perda da função renal, que ainda hoje é uma das principais causas de morte entre pessoas com lesão medular 2.A disfunção primária resultante da lesão medular é definida como bexiga neurogênica que se caracteriza por alteração no enchimento ou no esvaziamento vesical causada por falha de comunicação do aparelho urinário com o Sistema Nervoso Central. A bexiga pode se apresentar espástica ou flácida, também definida como hiperreflexa ou arreflexa, sendo que existe relação entre a disfunção apresentada e o nível de lesão 2, 3.Entre as complicaçoes da bexiga neurogênica destacam-se: infecção do trato urinário (ITU), que resulta da presença de diurese pós miccional ou da distensão detrusora; dissinergismo vesicoesfincteriano, caracterizado pela perda de coordenação entre a contração detrusora e relaxamento esficteriano; refluxo vésico ureteral, que tende a evoluir para hidronefrose (dilatação do cálice renal e acúmulo de diurese); e disreflexia autonômica, síndrome potencialmente fatal, onde uma descarga simpática exacerbada é desencadeada pela distensão detrusora ou colônica 4.Dentre as formas de se prevenir e tratar as complicações vesico-urinárias pode-se citar a realização do ACVI-TL, que consiste na introdução de um catéter na bexiga pela uretra, periodicamente, pela pessoa com disfunção 5. Desde 1972, comprovou-se que não há necessidade de que esse procedimento seja realizado com técnica estéril e sim com técnica limpa, considerando que, se evitada a hiperdistensão da bexiga, a resistência do hospedeiro é a maior barreira contra a infecção6.Além dos benefícios fisiológicos proporcionados pela realização do ACVI-TL, devese considerar a promoção do autocuidado envolvida no processo, pois esta contribui de maneira significativa para a reintrodução na vida familiar e social 7.Pacientes que utilizam a técnica como escolha para o esvaziamento vesical relatam como pontos positivos do autocateterismo o retorno à vida social, a segurança na relação sexual, a liberdade e o benefício de se livrar das fraldas ou de coletores de urina 8.A atuação dos pesquisadores junto a pessoas com lesão medular possibilitou a constatação de que, embora apresentassem condições de se autocateterizarem, muitos não o faziam, devido ao fato de não terem sido capacitados e motivados para esse fim, passando, desta forma, a dependerem de um cuidador para sua realização, levando à perda da privacidade e autonomia e dificultando, assim, o processo de ressocialização.Diante da problemática apresentada, elaborou-se a seguinte questão norteadora: a orientação e motivação sistemática de um grupo de pessoa com lesão medular para a realização do ACVI-TL pode ser um fator favorável ao resgate do autocuidado?A pesquisa de campo foi norteada pelos seguintes objetivos:- orientar o indivíduo com lesão medular para a técnica do ACVI-TL;- identificar as necessidades do indivíduo com lesão medular na realização do Autocateterismo Vesical Intermitente – Técnica Limpa (ACVI-TL);- acompanhar o indivíduo com lesão medular no processo de aprendizagem da técnica do ACVITL, visando o resgate do autocuidado e- elaborar um manual ilustrado para orientação dos indivíduos com lesão medular quanto ao ACVI-TL.MétodosTrata-se de um estudo exploratóriodescritivo.O estudo foi realizado em uma associação filantrópica de reabilitação, no estado do Paraná.Para a realização da pesquisa foram observados os preceitos éticos para pesquisa com seres humanos previstos na Resolução 196/96. O projeto foi apresentado e autorizado pelo presidente da Associação após a aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Parecer N. 405/07.A aproximação dos pesquisadores com a população alvo ocorreu por meio de um projeto voluntario de assistência de enfermagem ambulatorial, no local do estudo.Para a coleta de dados, foram selecionados indivíduos com lesão medular, com disfunção vésico-esfincteriana e indicação para utilização do cateterismo intermitente, como método de esvaziamento vesical, e que demonstraram interesse pelos benefícios de sua utilização. Como critério, ainda, estabeleceu-se que deveriam saber ler e escrever e aceitar participar do estudo assinando o Artigo Original termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).Essas informações foram levantadas por meio de consultas de enfermagem.A amostra constituiu-se de um total de oito participantes, número que os pesquisadores consideraram possível para prestar atendimento individualizado no período proposto para a coleta de dados.A coleta de dados foi realizada duas vezes na semana, no período da tarde, nos meses de setembro, outubro e novembro de 2007. Para cada participante foi agendado um mínimo de quatro consultas de enfermagem, possibilitando uma capacitação gradativa e seqüencial conforme descrito a seguir.Na primeira consulta os participantes foram orientados quanto à proposta do estudo, riscos e benefícios e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Na seqüência, realizou-se uma entrevista para levantamento de dados sociodemográficos (idade, sexo, estado civil, escolaridade, ocupação e renda familiar), da lesão medular (causa, tempo, grau e nível da lesão) e de informações referentes à eliminação urinária, forma de esvaziamento vesical desde o momento da lesão, evolução e adaptações realizadas, história de infecção urinária, dor, ardência na micção ou na cateterização, características da urina, intervalo miccional e aprendizado da técnica.Após o levantamento da condição atual e conseqüente identificação das situações problemáticas, iniciou-se a fase de capacitação para o autocateterismo vesical intermitente – técnica limpa.Inicialmente, utilizou-se um manual ilustrado, elaborado com base na literatura, o qual foi fornecido e discutido individualmente quanto a: preparo do material, escolha do local adequado, posicionamento e exposição da região genital, higienização das mãos, preparo do cateter, higiene da região genital, lubrificação, introdução, retirada e cuidados com o cateter para reutilização.Na segunda etapa, as pessoas foram orientadas sobre o preenchimento do diário miccional, onde deveriam registrar diariamente, durante 14 dias, o volume e as características da urina drenada (coloração e odor) a cada cateterização, além do volume de líquido ingerido, para uma determinação do intervalo ideal entre as cateterizações, e observação de sinais de infecção do trato urinário.Na seqüência, perguntou-se sobre a realização da técnica do ACVI-TL durante a semana, facilidades e dificuldades encontradas e adaptações realizadas. As informações coletadas foram descritas na evolução de enfermagem, em relatório impresso.Ainda nessa consulta, foi solicitado para que os participantes demonstrassem a técnica utilizada para o ACVI-TL para se observar e registrar as facilidades e dificuldades individuais, as quais foram registradas e discutidas quanto às possibilidades de solução.A consulta seguinte foi reservada para discussão e orientações referentes às dúvidas e dificuldades ainda não solucionadas nas consultas anteriores. Considerando-se que o diário miccional deveria ser entregue em duas semanas, os participantes não tinham o compromisso de comparecerem a esta consulta, porém os pesquisadores permaneceram disponíveis no local conforme horários estabelecidos.A quarta consulta foi reservada para devolução do diário miccional de 14 dias e discussão das possíveis dúvidas.ResultadosOito indivíduos, com idade variando entre 18 e 44 anos, com predominância de jovens entre 18 e 24 anos (seis indivíduos), participaram do projeto. Do total de participantes, cinco eram do sexo masculino. No que se refere à escolaridade, quatro possuíam ensino fundamental incompleto e quatro, ensino médio incompleto. Em relação às condições socioeconômicas, sete referiram renda familiar mensal de 1 a 3 salários mínimos.A causa mais freqüente da lesão medular foi ferimento por arma de fogo (FAF), representada por seis sujeitos, seguida por acidente automobilístico (dois). O nível de lesão predominante foi torácico, sendo que quatro apresentavam lesão entre T10 e T12 e, em dois, as lesões eram entre T2 e T4, sendo estes as vítimas de FAF; os dois sujeitos com lesão em região lombar (L1, L2) foram vítimas de acidente automobilístico.A respeito das intercorrências urinárias, desde o momento da lesão, sete pessoas relataram ter apresentado infecção urinária, quatro informaram já ter sentido dor suprapúbica no ato miccional e dois ardência durante a micção, sendo que este item poderia apresentar mais de uma resposta para cada sujeito.Do total de participantes, somente dois realizavam o ACVI-TL; os demais dependiam de um cuidador para a cateterização.Em relação ao local de aprendizagem da técnica, cinco referiram que haviam sido orientados no hospital de atendimento inicial, um adaptou a técnica visualizada no hospital e dois não receberam qualquer orientação anteriormente ao estudo.Quanto à higiene genital para a realização do cateterismo vesical intermitente no domicílio, observou-se que cinco não realizavam a higiene íntima com água e sabão; destes, três referiram utilização de solução de PVPI. Quando perguntados sobre a higienização das mãos, quatro afirmaram que lavavam as mãos com água e sabão, dois utilizavam somente álcool e dois utilizavam luvas esterilizadas.No que diz respeito à lubrificação do cateter, sete utilizavam lidocaína gel e um óleo de cânfora.As manobras de Valsalva e Credê foram referidas por quatro indivíduos. A reutilização do cateter não foi referida por qualquer participante.As dificuldades referidas ou observadas nas consultas foram categorizadas em masculino e feminino, a fim de facilitar a compreensão das condições do grupo e as particularidades apresentadas por homens ou mulheres. Três homens apresentaram dificuldades para abaixar as calças e dois, falta de destreza manual para segurar o pênis. Em menor freqüência, outras dificuldades foram apontadas ou observadas, como dor, medo para introduzir o cateter e falta de motivação.Dentre as mulheres, a maior dificuldade foi realizar a técnica na posição sentada, apresentada por três participantes, o que representa a totalidade das mulheres. Entre outros aspectos citados podem-se destacar a dificuldade da visualização da uretra, a perda urinária no intervalo entre as cateterizações, a irritação da mucosa vulvar decorrente das repetidas higienizações com água e sabão e a dificuldade de aquisição do cateter.O intervalo entre as cateterizações foi avaliado pelo diário miccional, devolvido por seis participantes, e mostrou que quatro deixaram de observar o intervalo máximo recomendado (8 horas), chegando até a 16 horas. O volume urinário variou entre 60 ml e 570 ml e as perdas espontâneas não foram registradas. A coloração e o odor da urina, descritos com maior freqüência, foram: amarelo claro e escuro e o odor normal (quatro sujeitos). Em relação à ingestão hídrica todos afirmaram ingerir aproximadamente 1,5 litro de líquido ao dia.Ao final do estudo, sete passaram a realizar com destreza e segurança o ACVI-TL, deixando de depender de um cuidador para essa função; apenas uma pessoa deixou de realizar o cateterismo por contra-indicação clínica.Com o desenvolvimento do estudo, em resposta à necessidade percebida, o manual utilizado para orientação foi reformulado com base nas principais dificuldades, facilidades e adaptações realizadas pelos participantes. Como exemplo de adaptações realizadas pelo grupo e para facilitar a realização da técnica, observaram-se o posicionamento na cadeira para mulheres, já citada, e o preparo do cateter conectado a uma garrafa plástica transparente (Figura 1).Figura 1: Preparo do cateter para o ACVI-TL (Fonte pessoal)DiscussãoA caracterização da amostra confirma dados apresentados em literatura de que jovens do sexo masculino são os mais acometidos pelo trauma raquimedular. O mesmo pode-se dizer do ferimento por arma de fogo como principal causa de lesão 4, 9.Pode-se relacionar a baixa renda familiar referida com a baixa escolaridade, fatos que tornam mais desafiador o processo de reabilitação pois, por um lado o paciente é afastado do trabalho em idade produtiva, passando a depender de uma renda normalmente inferior com gastos maiores do que os habituais, por outro lado apresentará maior dificuldade de recolocação no mercado de trabalho devido à baixa escolaridade.Quanto às características da lesão medular, houve predominância de lesão em nível torácico, divergindo dos dados encontrados em literatura que apontam a coluna cervical e lombar como mais sujeitas à lesão devido à grande mobilidade dessas regiões 10. Esta divergência pode ser explicada pelo fato da maioria dos participantes serem vítimas de ferimentos por arma de fogo, os quais independem da relação entre a mobilidade da coluna e a lesão.Entre os diversos fatores levantados, um fato que chamou a atenção neste estudo foi a dependência para a realização do cateterismo vesical intermitente, apresentado por seis participantes. Considerando que a totalidade dos indivíduos do estudo eram paraplégicos e possuíam condições motoras para sua realização, era esperado que saíssem da instituição de atendimento inicial com as devidas orientações para sua utilização.Quanto à capacitação realizada no hospital de atendimento inicial, sabe-se que, ainda na hospitalização, quando os sintomas agudos diminuem ou ficam sob controle, os objetivos da assistência de enfermagem devem ser focados no aprendizado de estratégias necessárias para lidar com as alterações que a lesão impõe, entre elas a função vesical 2. O objetivo da técnica, assim como a técnica propriamente dita, deve ser claramente explicado para o paciente, com isso observa-se maior adesão ao tratamento 11.Além de saírem da internação, dependentes de um cuidador, para a realização do cateterismo vesical intermitente, todos demonstraram condutas que tendem a comprometer os benefícios propostos pela técnica limpa.A utilização de antissépticos e luvas esterilizadas, relatadas por alguns indivíduos, diz respeito à técnica estéril do cateterismo intermitente.Estudo12 comparativo entre a técnica limpa e estéril mostrou que, para 36 culturas urinárias, 43% dos pacientes desenvolveram ITU sintomática, 37% do grupo de técnica limpa e 45% do grupo de técnica estéril (p< 0,05), demonstrando que a técnica limpa, no cenário da reabilitação, não coloca o paciente em risco aumentado de desenvolver ITU sintomática.Quanto à reutilização do cateter, prática não adotada pelos indivíduos anteriormente ao início da pesquisa, pesquisadores13 compararam índices de ITU em crianças com estoma urinário continente, com cateter convencional reutilizável e cateter prélubrificado, de uso único, verificando que não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos.A higienização das mãos com água e sabão antes da técnica é indispensável para o controle da infecção urinária, assim como a higiene da região genital. Ambas dispensam o uso de agentes antissépticos que, além de serem irritantes para a mucosa quando em uso prolongado, promovem resistência bacteriana. A utilização de luva é desnecessária e não dispensa a higienização das mãos 8, 11.Outro aspecto relevante foi a utilização de lubrificante oleoso. Autores11 apontam que esse tipo de agente pode provocar obstrução do cateter além do risco da formação de cálculo vesical.Um dos participantes que já realizava o ACVI-TL anteriormente ao estudo lançava mão de uma adaptação que contribuiu para a capacitação do grupo. Trata-se da utilização de uma garrafa plástica transparente de 500 ml, conectada ao cateter por uma rolha de papel. Observou-se que além de permitir a mensuração do volume, favorecia a visualização das características da urina além de resolver uma das dificuldades com a cateterização, pois freqüentemente ocorrem respingos durante a eliminação, exigindo maior habilidade psicomotora para evitar molhar as roupas.Durante o estudo, grande parte dos problemas apresentados pelo grupo foi relacionada com a baixa familiaridade com a técnica, destacando-se as dificuldades para posicionar-se, abaixar as calças, visualizar a uretra, introduzir o cateter além da falta de destreza manual para segurar o pênis. Todas essas dificuldades foram trabalhadas durante as consultas, sendo resolvidas.Quanto à dificuldade de abaixar as calças, os pesquisadores demonstraram as maneiras possíveis, sendo uma delas a elevação de um lado do quadril com auxílio do membro superior correspondente e a utilização do outro membro para abaixar a calça, repetindo o procedimento bilateralmente, quantas vezes fossem necessárias até à visualização da região genital. A falta de destreza manual para segurar o pênis foi solucionada com demonstração repetida da técnica e incentivo à sua realização.A dificuldade de realizar a técnica na posição sentada, pelas mulheres, foi solucionada por uma das pacientes, que encontrou uma posição facilitadora: retirada do calçado e da roupa de um dos membros inferiores e elevação desse membro sobre o braço da cadeira, posicionando o espelho diretamente abaixo da região genital. Essa posição é demonstrada na Figura 2.Figura 2: Posicionamento para realização do ACVI-TL feminino na posição sentada (Fonte pessoal).Nos casos de perda urinária, seja nos intervalos entre as cateterizações seja na posição deitada, a associação de medicamentos anticolinérgicos, prescritos pelo urologista, proporcionou melhora considerável.Em estudo realizado na Inglaterra, os autores14 apresentam como dificuldades para utilização do cateterismo intermitente limpo, por pessoas com lesão medular: indisponibilidade do cuidador ou profissional de saúde para realizar cinco ou seis cateterizações diárias, falta de tempo do paciente para realizar o autocateterismo, indisponibilidade de instalações sanitárias adequadas em locais públicos, difícil acesso ao meato uretral por alterações anatômicas do prepúcio, falso trajeto uretral, espasmo esfincteriano, resistência em realizar cateterismo intermitente em pacientes idosos por parte de alguns profissionais de saúde e dificuldade no acesso ao meato uretral para cateterismo, quando sentado, especialmente em pacientes do sexo feminino.Em relação ao preenchimento do diário miccional, verificou-se que foi um instrumento importante para a determinação individualizada do intervalo entre as cateterizações, além de alertar para os sinais de infecção urinária e motivar o indivíduo ao hábito de observação das características da urina. Ao final do estudo, os participantes demonstraram conhecimento e condições psicomotoras para a realização do ACVI-TL.Considerações finaisA técnica limpa do ACVI já tem mais de três décadas e ainda hoje é pouco divulgada no Brasil. O desconhecimento ou resistência dos profissionais quanto à utilização do ACVI-TL, percebida no relato dos pacientes, de certa maneira justifica-se pela mínima referência ao assunto nos cursos de graduação, pela falta de abordagem na maioria dos livros de técnicas de enfermagem além da escassez de pesquisas nacionais.Os resultados apresentados apontam que, para a melhoria da assistência de enfermagem na reabilitação vesical da pessoa com lesão medular, há necessidade de: incentivo à realização de pesquisas voltadas para a avaliação do conhecimento e capacitação dos enfermeiros da área hospitalar e coletiva quanto à orientação do ACVI-TL; reuniões e planejamento multiprofissional nos locais de atendimento à pessoa com lesão medular; elaboração de protocolos de atendimento à pessoa com lesão medular na área hospitalar e coletiva; capacitação do paciente e do cuidador ainda na área hospitalar; encaminhamento do paciente para acompanhamento domiciliar ou ambulatorial com a equipe de saúde coletiva; e encaminhamento para a urologia para avaliação e acompanhamento do funcionamento do sistema urinário.Espera-se que as questões mencionadas possam se constituir de fator motivador para a busca de especialização na área de reabilitação e a realização de pesquisas que enriqueçam a literatura nacional sobre o assunto, facilitando a expansão do conhecimento e a conseqüente melhoria da assistência prestada a essa clientela.


Downloads

Download data is not yet available.

References

Lianza S. Medicina de reabilitação. 2ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1995.

Smeltzer SC, Bare BG. Brunner & Suddarth Tratado de enfermagem médico-cirúrgica. 10. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2005. p. 1354-59.

Bruschini H, Kano H, Damião R. Incontinência urinária, uroneurologia, disfunções miccionais. Sociedade Brasileira de Urologia. São Paulo: BG Editora; 1999. p. 17-24.

Greve JMD, Casalis MEP, Barros Filho TEP. Diagnóstico e tratamento da lesão da medula espinhal. São Paulo: Roca; 2001.

Fera P, Lelis MAS, Glashan RQ. Cateterismo vesical intermitente – técnica limpa – aspectos práticos e de enfermagem. Prática Hospitalar 2000;12:11-5.

Lapides J, Diokno AC, Silber SJ, Lowe BS. Clean intermittent selfcatheterization in the treatment of urinary tract disease. J Urol. 1972;167(2):458-461.

Azevedo MAJ, Maria MLSS, Soler LMA. Promovendo o autocuidado – treinamento e assistência de enfermagem a pacientes portadores de bexiga neurogênica. Rev Bras Enferm. 1990;43(1,2,3/4):52-7.

Lelis MAS, Graziano KU. Cateterismo vesical intermitente – técnica limpa: caracterização da prática vivenciada por um grupo de pacientes.[mestrado]. São Paulo: Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo. 1998.

Gaspar AP, Ingham SJMN, Vianna PCP, Santos FPE, Chamilian TR, Puertas EB. Avaliação epidemiológica dos pacientes com lesão medular atendidos no Lar Escola São Francisco. Acta Fisiátrica 2002;10(2):73-77.

Pires MTB. Manual de urgência em pronto-socorro. Rio de Janeiro: Medsi; 1999.

Froemming C, Smaniotto ML, Lima CLM. Cateterismo vesical intermitente. Rev HCPA 1988;8:29-35.

Moore KN, Burt J. Intermittent catheterization in the rehabilitation setting: a comparison of clean and sterile technique. Clin Rehabil. 2006;20(46):461-8.

Martins MS, Santos VLCG, Secoli SR, Mata SM, Nogueira DS, Souza DE. Estudo comparativo sobre dois tipos de cateteres para cateterismo intermitente limpo em crianças estomizadas. Rev Esc Enferm. USP 2009;43(4):865-71.

Vaidyanathan S, Soni BM, Singh G, Oo T, Hughes PL. Barriers to implementing intermittent catheterization in spinal cord injury patients in Northwest Regional Spinal Injuries Centre, Southport, U.K. The Scientific World Journal 2011;11:77–85.

Published

2016-03-23

How to Cite

1.
Assis GM, Moreschi T, Erzinger AR, Bail G, Paula MR de B de, Pedroso JVM. Artigo Original 3. ESTIMA [Internet]. 2016 Mar. 23 [cited 2024 Nov. 2];10(1). Available from: https://www.revistaestima.com.br/estima/article/view/73

Issue

Section

Article

Most read articles by the same author(s)