Artigo Original 2

Authors

  • Yara Lanne Santiago Galdino Enfermeira Estomaterapeuta da Associação dos Estomizados do Ceará e da Estratégia Saúde da Família no Município de Fortaleza. Membro do Grupo de Pesquisa Enfermagem, Educação, Saúde e Sociedade, da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
  • Maria Euridéa Castro Livre docente. Coordenadora da Especialização em Enfermagem em Estomaterapia pela Universidade Estadual do Ceará. Docente do Curso de Bacharelado em Enfermagem da Universidade Estadual do Ceará.
  • Maria Lúcia Duarte Pereira Doutora em Enfermagem (USP), Enfermeira do Hospital São José de Doenças Infecciosas da Secretaria de Saúde do Estado do Ceará. Professora adjunta da Universidade Estadual do Ceará.
  • Sebastiana Shirley de Oliveira Lima Doutora em Saúde Pública-Universidad Americana Assunción PY(2011), Mestre em Saúde Pública(UECE). Enfermeira da Secretaria Estadual de Saúde do Ceará.
  • Francisca Alexandra Araújo da Silva
  • Maria Vilaní Cavalcante Guedes

Abstract

O Cotidiano da Pessoa Estomizada Frente às Necessidades Humanas Básicas Alteradas


ResumoO objetivo do estudo foi verificar as necessidades humanas básicas afetadas e alterações geradas no cotidiano da pessoa após submeter-se à confecção de estoma intestinal. Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, na sede da Associação dos Estomizados do Ceará. A amostra constou de 30 clientes com estomas intestinais. Os dados foram analisados por meio de análise de conteúdo. As categorias que emergiram foram alterações físicas, psíquicas e sociais, que foram divididas em subcategorias. Na categoria das alterações físicas, emergiram as seguintes subcategorias: alteração nas eliminações, sono, alimentação, vida sexual, limitações físicas e complicações com o estoma ou pele periestoma. Quanto aos sintomas psíquicos, observou-se que as falas revelaram alteração na auto-imagem, sentimento de conformismo ou aceitação do estoma e da sua nova condição de vida. Na categoria das alterações sociais, as falas revelaram mudanças no convívio familiar, nas atividades de lazer e no trabalho. Além de revelar a problemática da pessoa estomizada e os diferentes aspectos alterados em sua vida, o estudo ressalta aimportância de um atendimento especializado destinado a essa clientela. É importante que o serviço disponha de profissionais capacitados e sensibilizados para estimular a reintegração social dessas pessoas, orientando para a realização do autocuidado e proporcionando segurança para retomar suas atividades de vida diária mais precocemente.Descritores: Estomas cirúrgicos. Atividades cotidianas. Colostomia.AbstractThe aim of this study was to determinate the affected basic human needs and changes generated in everyday of the person after submitting to an intestinal stoma. This is a qualitative study, conducted at the seat of the Association of the Ostomized People in Ceará. The sample consisted of 30 clients with intestinal stoma. Data were analyzed by content analysis. The categories that emerged were: physical, psychological and social changes. They were divided into subcategories. The physical changes category included the following subcategories: evacuation changes, sleeping, eating, sexual, physical limitations and stoma and peristomal skin complication. As for psychological symptoms, it was observed changes in self-image, feelings of resignation or acceptance of the stoma and its new condition of life. The social changes category included changes in family life, leisure activities and work. The study also revealed the problems of people with stoma and the different aspects of changes in life, stressing the importance of a specialized care. It is important that the specialized care outpatient facility includes skilled professionals to stimulate the social reintegration of these people, orienting to the achievement of self-care, and providing security for them to resume their daily activities sooner.Descriptors: Surgical stomas. Activities of daily living. Colostomy.ResumenEl objetivo del estudio fue verificar las necesidades humanas básicas afectadas y las alteraciones que ocurren en el cotidiano de la persona después de someter-se a una confección de estoma intestinal. Trata-se de un estudio de abordaje cualitativa, realizado en la Asociación de los Ostomizados del Ceará. La muestra fué de 30 personas con estomas intestinales. Los datos fueron analizados ??por medio del análisis del contenido. Las categorías que emergieron fueron: alteraciones físicas, psíquicas y sociales. Las mismas fueron divididas en subcategorías. En la categoría de las alteraciones físicas emergieron las siguientes sub-categorías: alteración en la eliminación, sueño, alimentación, vida sexual, limitaciones físicas y complicaciones de estoma y piel periestoma. En cuanto a los síntomas psíquicos, se observaron alteraciones en la auto-imagen, sentimiento de aceptación del estoma y de de su nueva condición de vida. En la categoría de las alteraciones sociales, las conversaciones revelaron mudanzas en la convivencia familiar, actividades de recreación y en el trabajo. El estudio además de revelar la problemática de la persona ostomizada y de los diferentes aspectos de las alteraciones de su vida, resalta la importancia de un cuidado especializado. Es importante que los servicios que acompañan esta clientela dispongan de profesionales capacitados y sensibilizados para estimular la reintegración social de esas personas, orientándolas para la realización del autocuidado, y les proporcionando seguridad para retomar sus actividades de vida cotidiana o más pronto posible.Palabras clave: Estomas quirúrgicos. Actividades cotidianas. Colostomía.IntroduçãoO estomizado intestinal é a pessoa quenecessitou realizar uma abertura na parede abdominalpara desviar as eliminações do seu trajeto fisiológico. O vocábulo estoma tem origem grega, exprime ideiade boca. Colostomia e ileostomia são definidas, respectivamente, pela abertura do segmento cólicoou ileal na parede abdominal, visando o desvio doconteúdo fecal para o meio externo1. Criar uma definição para essa pessoa ou para a situação em queela se encontra é fácil, porém inúmeros são osproblemas decorrentes da criação de uma estomia navida das pessoas.A confecção de um estoma pode acarretaralterações, não só nas necessidades físicas do indivíduo, como também repercutir na satisfação desuas necessidades psíquicas e sociais. Tais mudançassão necessidade de realização do autocuidado, aquisição de material apropriado, adequação alimentar, convivência com a perda da continência intestinal, alteração da imagem corporal, alteração das atividadessociais, sexuais e cotidianas.Um adequado atendimento ao estomizado nãoconsiste somente no ensino sobre os cuidados de higiene e troca de bolsas coletoras. Faz-se necessáriauma assistência voltada para uma abordagem holística, visando a atender todas as necessidades básicas afetadas do indivíduo, visto que, estando elasintimamente relacionadas uma à outra, poderãodesencadear problemas de ordem biológica, psíquica, social e, até mesmo, espiritual.Objetiva-se no estudo identificar as alteraçõesnas necessidades humanas básicas de pessoassubmetidas à cirurgia para confecção de estomasintestinais, bem como observar as alterações geradasem seu cotidiano.MétodosEstudo de natureza exploratória e descritiva, com abordagem qualitativa, baseou-se na Teoria dasNecessidades Humanas Básicas. Segundo Horta2, os desequilíbrios geram, no ser humano, necessidadesque se caracterizam por estados de tensão conscientesou inconscientes que o levam a buscar satisfação dasmesmas para manter seu equilíbrio dinâmico no tempo e no espaço.Para a coleta de dados, utilizou-se a técnica de auto-relato estruturado e análise de conteúdo para acategorização das falas dos sujeitos participantes. Segundo Polit, Beck e Hungler3, os dados do auto-relato estruturado são coletados por meio de umdocumento formal, escrito, chamado instrumento. Neste estudo, esse instrumento constituiu o roteiro de entrevista, cujas perguntas foram feitas oralmentee face a face, sendo composto de questões quebuscaram o conhecimento e a compreensão dosseguintes aspectos: dados sócio-demográficos,alterações físicas, alterações psíquicas, alteraçõessociais ocorridas após a confecção do estoma, bemcomo os sentimentos gerados nos pacientes emrelação à nova condição.As entrevistas foram realizadas na Associação dos Estomizados do Ceará, localizada na cidade de Fortaleza, durante os meses de junho a julho de 2007.Em uma população constituída de 1543estomizados cadastrados na Associação, à época dacoleta de dados, a amostra constou de 30 clientes com estomas intestinais, maiores de 18 anos, em condições de responder à entrevista e que se dispuseram aparticipar do estudo. Para tanto, foram obedecidas asdeterminações éticas estabelecidas pela Resolução nº.196/1996, do Conselho Nacional de Saúde-CNS, sobre pesquisa envolvendo seres humanos, sendo disponibilizado e assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido-TCLE. A pesquisa foi submetida a apreciação aprovação doComitê de Ética em Pesquisa da UECE, com oparecer de n.06450903-6.Resultados e DiscussãoDentre os 30 entrevistados, 53% eram do sexo masculino; 56,6% pertenciam à faixa etária acima de50 anos e 50% apresentavam tempo de pós-operatórioinferior a cinco anos. O principal diagnóstico de basepara a confecção do estoma foi o adenocarcinomacolorretal (40%). Essa doença tem despertado maisatenção nos últimos anos, devido envolver uma amplainteração de fatores genéticos individuais e ambientais, principalmente relacionados à dieta alimentar4.Após a análise do conteúdo das entrevistas, asunidades de análise foram agrupadas conforme suaabrangência nas seguintes categorias temáticas: alterações físicas, psíquicas e sociais, com suasrespectivas subcategorias.Categoria temática 1: alterações físicasA respeito dessa categoria, encontraram-se seissubcategorias a saber: alterações na eliminação fecale de gases, no sono, na alimentação, na vida sexual, limitações físicas, e complicações relacionadas aoestoma ou pele periestoma.•Alteração na eliminação fecal e de gasesApós a confecção da estomia, o indivíduopassa a conviver com a mudança na forma de eliminaras fezes e todas as implicações decorrentes dessaalteração, conforme se pode confirmar por meio das falas:“Já pensou você chegar na casa de alguém com um negócio desse. Basta sair um vento ai todo mundo se admira.” (E. 13)“Procuro cuidar da minha higiene pessoal fazendoa minha irrigação que me deu outro sentido na minhavida.” (E. 21)“Eu tenho medo de encher e incomodar as pessoas. Sujar o banheiro. Aquele medo horrível, aquela vergonha. Fiquei com muita vergonha depois da colostomia.” (E. 22)As falas denotam o incômodo causado pelofato de ter que esvaziar o dispositivo, pelo medo depassar vexame devido à eliminação das fezespublicamente, bem como o medo de sujar o banheiroe suas vestimentas. Um entrevistado referiu o uso da autoirrigação como uma saída para melhorar suahigiene pessoal, o que deu outro sentido à sua vida. As alterações na atividade fisiológica das eliminaçõescausam nos pacientes angústias, pois, conformeafirmam Farias, Gomes e Zappas5, a perda docontrole esfincteriano reforça um sentimento de perda de uma parte do corpo, que agora éreconhecido pelo paciente como um corpo semcontrole e, por isso, disfuncional.• Alteração no padrão de sonoAs alterações do sono nas pessoas comestomas são significativas, surgindo em decorrênciadas inúmeras mudanças e dos problemas associadosao desvio do trajeto das eliminações. Uma parcelada amostra referiu ter dificuldade em conciliar o sono após a realização da cirurgia; outros pacientesinformaram conciliar o sono somente com ajuda de medicação:“Antes dela dormia bem, a noite toda. Hoje não durmo bem, sinto uma inquietação, uma ansiedade à noite.” (E. 1)“Antes da cirurgia eu dormia a noite todinha, agorade 20 em 20 minutos eu me acordo.” (E. 5)“No começo não conseguia dormir. Agora estou tomando antidepressivo e sendo acompanhada no CAPS.” (E. 11)Dentre os que referiram piora na qualidadedo sono, observa-se que, quase sempre, estárelacionada à ansiedade, à depressão, à poucaadaptação em relação à bolsa e ao posicionamentono leito. Em 1990, junto a pacientes do Clube dosColostomizados do Ceará, Castro6 verificou que 50% e 53,3% do grupo de iniciantes e de veteranos,respectivamente, apresentaram insônia após a confecção do estoma.Alguns pacientes negaram apresentar alteraçãono padrão de sono após a estomia. Houve inclusiveuma paciente que apresentou melhora no padrão dosono após a cirurgia, já que antes sentia fortes doresem conseqüência da colite.“Não mudou, eu já tinha perca de sono antes da cirurgia.” (E. 8)“No começo eu não sentia sono, mas depois de um ano fui me acostumando e melhorou. De lá pra cá, durmo bem”. (E. 20)“A colite não me deixava dormir muito, então eu me acordava pelo menos três vezes a noite. Hoje durmo a noite toda.” (E. 6)• Alteração na alimentaçãoUma parcela da amostra referiu alterações noapetite ou no padrão alimentar, ao ter deixado decomer algum alimento, quer seja por medo, desinformação, necessidade de alguma dietaespecífica ou alteração na consistência das fezes:“Não tenho mais muita vontade de comer. Logo, não é toda coisa que a gente pode comer. Não podecomer muito feijão, tem que ser tudo controlado. Massa também não pode muito, porque deixam asfezes muito secas.” (E. 7)“Foi só o negócio dessas fezes que não vem normal, só vivo mais com diarréia, as vezes se eu tomar um mingau de aveia com leite, passo a noite no banheiro.” (E. 8)“O médico disse que eu não podia comer comida reimosa.” (E. 13)As falas revelam que as mudanças adotadasna alimentação se devem, principalmente, ao receiode diarréia ou de constipação ou à falta de informação correta. Observou-se também a existência de vários mitos e tabus alimentares, como deixar de ingerirdeterminados alimentos por serem “reimosos” ou“carregados”. Tudo isso leva à reflexão sobre aimportância da equipe multidisciplinar para umacorreta orientação desses pacientes. Smeltzer e Bare7 reforçam esse fato quando afirmam que a orientaçãonutricional individualizada auxilia no alcance do bem-estar e da adaptação, visto que uma dieta especialcom algumas restrições reduzirá a quantidade de odore de gases.Houve também aqueles pacientes quemantiveram o apetite e os hábitos alimentaresanteriores à cirurgia, não apresentando mudanças emrelação à escolha dos alimentos. Apenas umentrevistado referiu evitar alguns alimentos antes derealizar atividades sociais como forma de diminuir as eliminações de gases e fezes. E houve ainda aquelesque informaram se alimentar melhor após aconfecção do estoma, quer seja por terem passado aadotar hábitos alimentares mais saudáveis ou devido à melhora no apetite. Uma cliente atribuiu essamelhora à ausência das dores que sentia emconsequência da “colite”.“Quando vou sair de casa evito alimentos que possamcausar diarreia.” (E. 3)“O médico falou pra mim que eu comesse do jeito que já era acostumado.” (E. 10)“Passei a me alimentar melhor depois da cirurgia, pois na época da colite não comia direito.” (E. 2)As falas são corroboradas por autores 8,9 queafirmam sobre a importância da conduta dietéticaao paciente estomizado pois, a partir da alimentação, ele poderá chegar a um adequado estado nutricional, bem como à regularização de sua estomia por meiodo controle da diarréia, da constipação, da formaçãode gases e controle do odor atingindo, então, melhorqualidade de vida.• Alteração na vida sexualAlguns pacientes referiram alteração na suavida sexual após a confecção do estoma:“Às vezes tenho medo de magoar a cirurgia.” (E. 12)“Minha mulher não me quis mais por causa da bolsa. Nem as mulheres que eu procurei fora me quiseram quando viram a bolsa.” (E. 13)“Quando eu fiz isso aqui, ele ficou com nojo de mime não me procurou mais. Logo, ele tem muito medode câncer, e acha que pode pegar de mim.” (E. 17)“Isso ai não dá mais não... a cirurgia foi muito grande....” (E. 19)As falas revelam que as causas das alteraçõesna esfera sexual dessa clientela estão, em alguns casos, além de disfunções físicas. Tais mudanças devem-se, muitas vezes, ao medo, à insegurança, à discriminaçãopor parte do parceiro e alteração na auto-imagem. Observa-se também que alguns clientes, ao sereferirem à impotência ou à limitação ocorrida apósa cirurgia, fazem-no afirmando que “a cirurgia foimuito grande”, justificando e expressando, dessamaneira, suas limitações. Portanto, os estomas podemafetar o desempenho sexual e a sexualidade doindivíduo que podem, por sua vez, estar relacionadostanto a distorções na auto-imagem como a lesõesnervosas no ato operatório10.Outra parcela da amostra, no entanto, negoumudanças relacionadas à vida sexual após a realizaçãoda cirurgia que originou o estoma:“Não, pois eu já era viúva e não tinha relação com ninguém bem antes da cirurgia.” (E. 5)“Continuo tento relação com meu marido normalmente.” (E. 6)“Antes da cirurgia já não tinha mais relação commeu esposo, pois a gente já tava quase se separando. Depois da cirurgia não tive mais ninguém.” (E. 24)Naqueles pacientes que não tiveram alteraçãoem sua vida sexual após a confecção do estoma, amaioria já não tinha vida sexual ativa antes mesmoda confecção do estoma e manteve-se, assim, após acirurgia. Somente um participante do estudo negoua prática de atividade sexual antes e após a cirurgia.Kameo11 afirma que os colostomizados quesofrem cirurgia para retirada do carcinoma retal, relatam a impotência como um grande problema emrelação à fase anterior. Eles chegam a achar que oestoma muda a estabilidade do casamento. A mulher pode achar que o marido perdeu a afeição por eladevido à impotência; outros pacientes afirmam ficarconstrangidos durante a relação sexual devido àpresença da bolsa coletora. Tal percepção doestomizado em relação ao seu parceiro pode levá-loa isolar-se.• Limitações físicasQuanto à referência ou não de limitações físicas impostas ao cotidiano dos estomizados bemcomo para a realização do autocuidado após aconfecção do estoma, observam-se diferentes respostas. Algumas pessoas encontraram uma sériede obstáculos em suas atividades cotidianas:“A dificuldade de fazer a luta de casa.” (E. 17)“É ruim pra gente se abaixar, fazer tudo que a gente fazia antes, pegar peso. Nisso é ruim.” (E. 28)“Não posso pegar peso e pouco coloco minha filha no colo.” (E. 3)Segundo Maruyama12, o paciente percebe a suanova condição ao fazer uso do seu corpo, onde entãopoderá ver-se incapacitado para manter as atividades cotidianas.Houve também pessoas que não referiramtantos obstáculos no seu dia a dia ou encontram-se mais adaptadas em suas atividades:“Tinha dificuldade pra trocar a bolsa no começo, mas fui me adaptando. Agora troco a bolsa só.” (E. 10)“Tudo normal, faço minhas coisas, só evito pegar peso.” (E. 12)“A mesma luta que tinha em casa, tenho até hoje.Faço tudo em casa, lavo roupa, cozinho, varro quintal.” (E. 17)Com o decorrer do tempo e dependendo daevolução da doença e das possibilidades de adaptaçãoencontradas, o estomizado desenvolve estratégias deenfrentamento para lidar com os problemas ou asmodificações cotidianas ocorridas em função da estomia1,13. Assim, a pessoa necessita de um tempopara adaptar-se à nova condição de estomizado, quepode levar dias, semanas ou meses.• Complicações do estoma e da pele periestomaNo momento da realização da entrevista, algumas pessoas apresentavam algum tipo deproblema com o estoma ou a pele periestoma. Dessamaneira, se pôde observar o quanto a presença dessas complicações físicas interferiu em diversos setoresda vida desses pacientes como lazer, auto-imagem, uso do dispositivo, atividade física, etc.:“O ânus ficou muito pra dentro, então as fezesacabam passando por baixo, ao invés de cair na bolsa. Ai eu tenho que trocar a bolsa todos os dias, e vaiferindo a pele.” (E. 7)“Quando eu ando muito, vai repuxando e começa aarder, porque a pele ta ferida. O estoma ta retraído, ficando mais difícil de segurar a bolsa.” (E. 11)“Deixei até de fazer caminhada, pois tenho medo por causa da hérnia.” (E. 13)“A colostomia não me atrapalha muito não, mas ashérnias são muito feias.” (E. 17)Por meio dessas falas, constata-se que ospacientes que apresentavam dermatite periestoma, apresentavam também algum outro problemacrônico associado (retração ou hérnia). Isto é, a lesãode pele tinha como causa outro tipo de complicação. A dermatite periestoma costuma ser a complicaçãomais comum e sua ocorrência depende dascaracterísticas do estoma e do autocuidado. Costuma ser mais freqüente nas ileostomias, onde o efluenteé mais alcalino e contém enzimas que, em contatocom a pele, causam dermatite química14,15.Por outro lado, algumas pessoas nuncaapresentaram alteração da integridade da pele ourelacionadas ao estoma, outras já as apresentaramanteriormente mas estavam bem no momento da entrevista:“Ela é normal, a pele é toda direitinha.” (E. 9)“Já tive irritação na pele ao redor dela, mas atualmente está tudo bem.” (E. 2, 23)“Já tive prolapso, mas corrigi com cirurgia.” (E. 22)A qualidade de vida e a adaptação do indivíduocom estomas intestinais, especialmente de caráterdefinitivo, podem estar associadas às complicaçõesdo estoma14. Porém, existem medidas que podemcontribuir para reduzir tais complicações como ademarcação no período pré-operatório, construçãoadequada do estoma, escolha adequada dosequipamentos, educação do paciente e cuidador, bemcomo a oferta de uma assistência interdisciplinar14,15.Categoria temática 2: alterações nas necessidades psíquicasNesta categoria temática, incluíram-se trêssubcategorias: alteração na auto-imagem, aceitaçãoda nova condição e conformismo em relação ao estoma.• Alteração na auto-imagemAlguns pacientes manifestaram alteraçãosignificativa em relação à auto-imagem:“Não me vejo igual a maioria das pessoas. Me sintofeliz porque estou viva, mas essa não é a maiorfelicidade do mundo não. Muda muito a auto-estima. A gente não vive, a gente vegeta.” (E. 5)“Eu emagreci muito, ai a auto-estima fica láembaixo, magra demais, com cara de doente. Aichama muita atenção, fica todo mundo olhando. Quando me olho no espelho me acho muito feia, dáuma impressão muito ruim.” (E. 11)“Quando eu não usava isso era alegre e satisfeito. Ai com isso aqui até pra andar num transporte édifícil. Se tivessem me dito que ia ficar com essabolsa, não tinha deixado. Ela é quem me mata.” (E. 13)“Porque você sempre fica preocupada com a bolsa, nem toda roupa dá certo pra você vestir. Agora sóuso mais roupas folgadas.” E. 4“Não vou à uma praia, nem festas, porque as roupasestão apertadas.” E. 10“Agora nem uma roupa dá mais certo pra mim. Nuncamais me senti bem vestida.” E. 26As falas mostram sinais característicos de alteração na auto-imagem, demonstrados com osurgimento de depressão, medo, ansiedade, decepção, angústia, perda da auto-estima. Esses sentimentosrequerem a mobilização de todos os recursosdisponíveis para preservar e reestruturar a suapersonalidade¹. Segundo Castro6, a mudança na auto-imagem perturba o cliente levando-o a um estado detensão devido à perda do centro de referência emrelação ao seu posicionamento na sociedade e em seuambiente. Portanto, a enfermeira, ao cuidar desse cliente, não pode ignorar a visão que ele tem de sipróprio, do seu corpo e de seu ambiente, refletida noque se denomina imagem corporal.A dificuldade em relação ao uso de roupastambém foi uma problemática que surgiu com certafreqüência nas falas dos entrevistados pois, apesar denão se tratar de uma limitação física, essa dificuldade surge a partir da alteração gerada pela confecção doestoma e ocasiona alteração na auto-imagem docliente. Maruyama12 afirma que a pessoa com estomiareconhece que suas vestimentas evidenciam sua novaimagem corporal, uma vez que delineiam o corpo e, no seu caso, delinear implica evidenciar o artefato, ouseja, o volume da bolsa e do seu conteúdo, revelandosua deficiência e imagem corporal alterada.• Aceitação da nova condiçãoNo entanto, alguns clientes expressaram maioraceitação da nova condição de vida. Tal fato pode ser observado na manifestação da maior liberdade e adaptação às atividades de vida diária, bem como de lazer:“De início já me senti melhor, pois me livrei da colite que me causava dores freqüentes e me deixava muito dependente de remédios. Nunca enfrentei nenhum tipo de obstáculo ou discriminação por causa dela.” (E. 2)“No começo todo mundo tem certa dificuldade de adaptação, mas depois, com o convívio, a família, o marido, todo mundo apoiando... A ileostomia não me impede de nada...” (E. 6)“Sou alegre. Eu dizia que se soubesse que tinha um câncer eu ia morrer, quando soube tive um começo de depressão. Mas depois de uns três dias que comecei o tratamento, fiquei confiante e alegre de novo. Os médicos dizem que sou uma mulher muito forte.” (E. 17)Nos discursos dos entrevistados, observa-se que, em alguns casos, o paciente atinge um nível de aceitação que passa a identificar o estoma como parte inerente ao seu corpo. Castro6 afirma que o estomizado realiza um esforço essencial para aceitar a realidade, optar pelos novos valores de vida, com as adaptações necessárias e passar a viver alegremente, se possível.• ConformismoAlguns pacientes revelaram conformismo em relação à presença do estoma ou, contrariamente, mostraram ansiedade quanto ao seu fechamento:“Não é só eu que tenho isso.” (E. 8)“Graças a Deus agora ta melhor, o médico vai tirar ela daqui a uns dias.” (E. 16)“Se não fosse essa bolsa talvez eu já tivesse morrido.” (E. 17)Em uma das falas, a pessoa mostra sentimento de conformismo e de resignação em relação à nova situação. Perugini et al.16 afirmam que esse conformismo, geralmente, vem impregnado de um discurso de fé e religiosidade. Porém, quando o cliente recebe orientação adequada acerca do seu problema de saúde, sobre as “vantagens” de realizar a cirurgia, bem como sobre o que irá acontecer com ele após a confecção do estoma, parece que a aceitação torna-se mais facilitada. Certamente, isso é possível graças a intervenções interdisciplinares adequadas que propiciam a melhoria da qualidade de vida da cleintela16.Para tanto, é fundamental que o estomaterapeuta identifique e respeite o processo de luto em que vive o paciente estomizado para, então, iniciar o ensino do autocuidado como forma de maximizar o controle e a segurança, favorecendo, assim, já no hospital, o processo de reconstrução da própria identidade 1,17.Categoria temática 3: alterações sociaisNa construção desta categoria temática, foram analisadas as seguintes subcategorias: alterações noconvívio familiar e alterações nas atividades de lazer e alterações no trabalho.• Alterações no convívio familiarAlguns pacientes referiram alterações noconvívio familiar após a confecção do estoma, porém essas alterações variaram entre dois extremos. Isto é, enquanto alguns citaram mudanças negativas como abandono, desprezo, preconceito e exclusão; outrosjá referiram melhora no relacionamento familiar. Houve dois pacientes que se casaram após a realizaçãoda cirurgia.“As vezes eu reclamo comigo mesma, e meu esposonão usa nem o mesmo sabonete que eu uso.” (E. 17)“Quando fiz a cirurgia já tava divorciado da minhamulher, mas depois da cirurgia a gente ficou até mais próximo, ela sempre me ajuda.” (E. 1)“Quando me operei eu era sozinho. Depois da cirurgia conheci minha segunda esposa e já estamoscasados há 12 anos.” (E. 23)Maruyama e Zago17 afirmam que as reações eos sentimentos dos portadores e seus familiares são fortemente influenciados pelos aspectos valorizadosem nossa cultura como saúde, corpo perfeito e vida. Portanto, naqueles pacientes que referiram mudançasnegativas no relacionamento familiar, esses parâmetros de valores são vistos nos sentimentos detristeza, depressão, sofrimento, medos e incertezas e, principalmente, pela impotência frente à declaraçãoda finitude da vida demonstrados através de suas falas.Outra parcela da amostra negou qualquer tipode alteração no convívio familiar após a confecção do estoma, recebendo apoio e ajuda familiar:“Minhas filhas e minha família sempre meapoiaram.” (E. 3)“Meu marido sempre procura me apoiar e minhafamília me ajudou muito também a cuidar do neném depois da cirurgia.” (E. 4)“Realizei a cirurgia com três anos de casada, depois disso engravidei. Foi tudo normal, fiz tratamentopara engravidar de novo e não consegui, daí adotei uma menina.” (E. 6)Pode-se verificar nas falas que o apoio familiarfoi reconhecido como de fundamental importânciapara esses pacientes. Sonobe, Barichello e Zago13 reforçam esse fato quando afirmam que o apoio e oestímulo dados pelas pessoas significativas podemajudar o paciente a superar os sentimentos de perda, negação, revolta e falta de esperança. Afirmam aindaque eles se apegam a esse apoio para modificar esuperar as suas limitações.• Alterações no lazerO receio de tornar pública sua nova condição, e por conta dela ser rejeitado devido a ruídos e odores, leva alguns pacientes a restringirem ou mesmoeliminarem o contato com a comunidade, resultando em isolamento social17. Uma parcela bastantesignificativa sentiu-se afetada nas atividades de lazer, tendo como causa principal novamente a presençada eliminação de fezes e gases, o incômodo geradopelos mesmos e, principalmente, a dificuldade oureceio em relação a lugar apropriado paraesvaziamento e troca da bolsa:“Tenho medo de ela encher durante os passeios e eunão ter como esvaziar.” (E. 28)“Não to saindo de casa pra canto nenhum. Pois nãome adapto muito às roupas com ela. As pessoas vêema bolsa por baixo da blusa e ficam olhando, pensamque estou com alguma arma.” (E. 10)“É ruim, pois uma vez aconteceu de a bolsa ficar umpouco folgada e vazar secreção quando eu estava forade casa. Ai eu fiquei com muita vergonha.” (E. 19)A perda do controle da eliminação de fezes e gases pode ocasionar o isolamento psicológico esocial do indivíduo, baseado em sentimentos quepermeiam as relações sociais1,18. Portanto, é importante que os pacientes e seus familiares recebamuma assistência multiprofissional adequada ao tipo eà gravidade das alterações apresentadas19.No entanto, alguns pacientes realizam atividades de lazer sem demonstrar maiores dificuldades, embora refiram ter passado por umperíodo de adaptação inicial para realizar tais atividades:“Não sinto empecilho por causa dela, freqüento passeios, viagens, saio para passear.” (E. 3)“Por exemplo, se eu vou passar dois dias fora eutomo um laxante pra limpar, ai limpa e pronto, passo três dias bem direitinho.” (E. 5)“Sempre passeio e viajo quando quero normalmente, mas às vezes não tem um local adequado paraesvaziar a bolsa.” (E. 3)Um paciente referiu utilizar meios parapromover o esvaziamento do intestino utilizando laxantes. Para o estomizado, a possibilidade docontrole voluntário das exonerações pelo estoma, comausência de vazamentos e odores, é essencial e constitui o único fator capaz de tirá-lo da condiçãode paciente, para a condição desejada de indivíduo normal2,20. A incontinência intestinal molda novos comportamentos no estomizado relacionados àhigiene pessoal, ao hábito de usar o banheiro, de sairde casa, de criar ou providenciar dispositivos, denecessitar de ajuda para que sua deficiência quase nãoseja percebida, evitando com isso sentimentos devergonha e inconveniência12.Houve também quem afirmasse aumento dafreqüência das atividades de lazer até como umartifício para sair do marasmo ou da quebra de rotinagerada após a confecção do estoma, onde muitos delesacabam se aposentando ou restringindo suasatividades diárias após a cirurgia. Desse modo, aspecto importante para essa clientela é a possibilidadede retorno às atividades sociais, laborais e de lazer anteriores à cirurgia. Essas perspectivas dependemdo suporte encontrado na família e na estrutura deatendimento profissional 2,13.• Alterações no trabalhoTodas as falas nesta subcategoria fazemreferência ao aspecto negativo gerado pelo fato de opaciente ter abandonado ou reduzido sua carga horáriade trabalho. Essa mudança é vista como uma privaçãoimposta pelo estoma para alguns pacientes.“Bom, o que eu vejo é que quando eu trabalhava não engordava. Agora que tive que me aposentar, só em casa comendo e dormindo, engordei demais.” (E. 13)“Tive que diminuir minha carga horária de trabalho, pois sinto muita dor. Não tenho confiança de ficar em locais públicos.” (E. 1)“É que eu gosto de trabalhar, não gosto de ficar parado, ai é aquele negócio, você tem que ficar indo ao banheiro.” (E. 11)Maruyama12 afirma que a função social docorpo está associada ao exercício do trabalho. Portanto, quando o estomizado se vê impossibilitadode desempenhar suas atividades laborais anteriores àcirurgia, quer seja pelo uso da bolsa ou por algumtipo de restrição física, surge um sentimento de medode perder sua autonomia e independência.Na promoção da autonomia do cliente, nãocabe ao profissional determinar o que seria melhorpara ele – o que seria considerado paternalismo – masinstrumentalizá-lo, por meio do processo educativo, para que ele mesmo possa tomar decisões seguras, com base nos próprios valores2,19.Considerações finaisO estudo revela a problemática e os diferentesaspectos que são alterados na vida de uma pessoa, após a confecção de um estoma intestinal. Por meioda análise de conteúdo dos discursos, identificaram-se as necessidades de ordem física, psíquica e socialque foram afetadas, bem como o impacto delas nocotidiano do paciente.As alterações físicas foram bastante representativas nas falas dos entrevistados, destacando o receio em relação ao escape de efluentes e gases oudesprendimento súbito da bolsa, bem como a ausênciade um local apropriado durante a ocorrência de algumevento súbito como esses.Nas alterações psíquicas, a mudança na auto-imagem é um aspecto que sobressai, uma vez que opaciente terá que redefinir sua imagem corporal, suamaneira de vestir-se e interagir com seu corpo. E quanto ao aspecto social, observou-se que a presençado estoma repercutiu tanto em nível familiar, no lazere nas atividades laborais dos clientes. As alterações nas atividades de lazer relacionaram-se, quase sempre, à vergonha ou a presença aparente de gases na bolsa.A Teoria das Necessidades Humanas Básicas tem uma importância fundamental para o estudo daspessoas estomizadas devido ao estado de desequilíbriogerado pela estomia. Essa clientela necessita de apoioprofissional e tecnológico, visando a restabelecer umequilíbrio dinâmico de suas necessidades. Isso, portanto, representa um grande desafio, poisalternativas devem ser encontradas não somente pormeio de dispositivos sofisticados, como também deapoio profissional qualificado que contribua para amelhor qualidade de vida dessa clientela.Dentre as limitações do estudo, destaca-se a heterogeneidade do grupo estudado em relação àscausas da confecção do estoma, ao posicionamentodo mesmo, a classificação do estoma, bem como ao tempo de convívio do paciente com a derivação. Talfato pode gerar percepções diversas a respeito dosquesitos analisados.Ressalta-se que o engajamento do pacientejunto à associação de estomizados facilita suareintegração social, pois lhe permite ver que existemvárias e diferentes pessoas na mesma situação que a sua, colaborando, portanto para o melhorentendimento e aceitação da nova situação, bem como para a reformulação de sua auto-imagem.Espera-se que os aspectos revelados a partirdeste estudo sejam oportunamente aprofundados edivulgados no sentido de buscar a cada dia uma melhorassistência ao paciente estomizado, fundamentada emconhecimento científico das reais necessidades dessa clientela.

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Published

2016-03-23

How to Cite

1.
Galdino YLS, Castro ME, Pereira MLD, Lima SS de O, Silva FAA da, Guedes MVC. Artigo Original 2. ESTIMA [Internet]. 2016 Mar. 23 [cited 2024 Dec. 22];10(3). Available from: https://www.revistaestima.com.br/estima/article/view/77

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