Incontinências

Authors

  • Lucia Satie Hamanaka Enfermeira da Unidade de Urologia do Hospital São Paulo. Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Urológicas / Universidade Federal de São Paulo.
  • Regiane Quadros Glashan Professora Adjunta da Universidade Federal de São Paulo
  • Miguel Srougi Professor Titular da Disciplina de Urologia / Universidade Federal de São Paulo.

Abstract

Incontinência Urinaria Pós-Cirurgia do Cancer de Próstata: Um Desafio na Assistência de Enfermagem

ResumoOs autores fazem uma revisão da literatura enfocando a importância do enfermeiro no tratamento da incontinência urinaria pós-prostatectomia centrada em intervenções comportamentais e exercícios perineais.Palavras Chaves: Incontinencia urinaria, Prostatectomia, Exercícios perineais.AbstractThe authors make a literature review on the importance post prostatectomy focused in behavior interventions ad pelvic floor exercices.Key words: Urinary incontinence, Prostatectomy, Pelvic floor exercices.ResúmenLos autores hacen una revisión de la literatura resaltando la importância del enfermero em el tratemiento de la incontinência urinaria em el pos-operatorio de la próstata, centrada em las intervenciones comportamentales y ejercicios perineales.Palabras clave: Incontinencia urinaria, Prostatectomia, Ejercicios perineales.IntroduçãoO câncer de próstata é diagnosticado em mais de 165.000 americanos anualmente. Embora o diagnóstico de câncer de próstata localizado tenha aumentado nos últimos 10 anos, podemos afirmar que esta patologia é a segunda maior causadora de neoplasia que incide no homem em países desenvolvidos, acometendo 18% dos indivíduos com mais de 50 anos e sendo responsável por 11% das causas de morte por câncer anualmente¹.A incidência do câncer de próstata aumenta com a idade, atingindo quase 50% dos indivíduos na década dos 80 e provavelmente esse tumor não poupara nenhum homem que viver até os 100 anos².Quanto a sua etiologia, a instabilidade genética parece estar intimamente relacionada com o câncer de próstata. Todo homem nasce programado para ter câncer de próstata. Pois todos carregam em seu código genético protocogenes, que dão a ordem para uma célula normal se transforma em outra maligna. Isso só não ocorre indiscriminadamente porque a função desses oncogenes é naturalizada por genes protetores ou supressores, os quais promovem a apoptose das células malignas³.Outro aspecto importante na gênese do câncer de próstata é o papel da testosterona, que acelera o crescimento da neoplasia se esta já existir¹.Alguns autores citam fatores de risco associados ao desenvolvimento do câncer de próstata, como histórico familiar (quando parentes de 1° grau são acometidos pela doença), raça (negros são mais propensos e orientais têm menor incidências) e a dieta rica em gorduras polissaturadas³.Dentre as modalidades terapêuticas empregadas no câncer de próstata, a cirurgia tem evoluído positivamente como instrumento benéfico na remissão desta doença. Todavia algumas intercorrências podem advir após a cirurgia, em maior ou menor proporção, como é o caso da incontinência urinária e da disfunção sexual, e que podem atingir entre 30% a 76% dos pacientes4.Neste estudo de revisão, procuramos enfocar a reabilitação do trato urinário inferior como suporte para redução e melhora do padrão de continência e da qualidade de vida no homem submetido a cirurgia do câncer prostático. Nesse sentido, procurou-se demonstrar a importância do treinamento do assoalho pélvico e de modificações comportamentais na redução da incontinência urinária pós-prostatectomia.Incontinência pós-prostatectomiaApesar da evolução da técnica cirúrgica na remoção do tumor maligno de próstata, a incontinência urinária, a disfunção sexual e a infecção podem estar presentes no pós-operatório. Alguns autores definem a incontinência como uma incompetência primária esfincteriana4.Por outro lado, outros estudiosos reforçam a ideia de que a instabilidade detrusora presente no homem antes da cirurgia pode se agravar pela manipulação cirúrgica e potencializar as perdas urinárias¹.Assim, medidas terapêuticas menos agressivas são indicadas, como adequação hídrica/ alimentar, “manobras” que permitem reduzir as perdas urinárias aos esforços ou por urgência, micções programadas ou treinamento vesical e a execução de exercícios da musculatura pélvica com ou sem auxílio de equipamentos de retro- alimentação como é o caso do biofeedback5.Adequação hídrica / alimentarA maioria dos pacientes com incontinência urinária parcial procura restringir a ingestão de líquidos e de alimentos com alto teor de água, como frutas, legumes e leguminosas. A hidratação insuficiente acompanhada do baixo consumo de fibras alimentares contribui para a elevação do pH urinário, com efeito direto na mucosa vesical, ou seja, atua como um agressor químico da parede da bexiga. Em adição, a restrição de fibras na dieta, além de reduzir de maneira indireta a oferta diária de líquido, propicia o desenvolvimento da obstipação intestinal, fermentação na região do intestino grosso e consequente sobrecarga do assoalho pélvico durante as evacuações. Dessa forma, o mais adequado é orientar o paciente a manter uma ingestão hídrica diária baseada em seu peso corporal e o consumo de 20 gramas de fibras solúveis por dia, facilitando o trânsito intestinal, a manutenção das estruturas musculares pélvicas, a função do esfíncter anal e suprindo de líquido o organismo, para que este realize adequadamente suas funções metabólicas6,7.Manobras para evitar ou prevenir perdas urináriasA literatura tem se referido a importância de adaptações que o indivíduo com incontinência pode realizar para evitar ou impedir perdas urinárias no seu dia-a-dia.No caso de incontinência aos esforços, o paciente pode ser orientado a contrair o períneo por tempo determinado e ensinado progressivamente a aumentar esse tempo até que consiga realizar atividades como tossir, espirrar, erguer peso ou mesmo mudar de posição sem perder urina. Dessa forma, o homem é ensinado a contrair a musculatura perineal anteriormente aos aumentos da pressão intra-abdominal8.Uma outra medida que o enfermeiro pode ensinar ao paciente com urgência miccional é a prática de contrações sucessivas em intervalos de 1 segundo (contrair - relaxar) para reduzir a Urgência e permitir que o paciente consiga a alcançar o sanitário sem perder urina no meio do caminho9.Micção ProgramadaConhecida também por treinamento miccional, consiste em manter micções em tempos pré-determinados mediante resultados do estudo urodinâmico. Os pacientes são orientados a urinar, sempre que possível, antes de se atingir com enchimento vesical o volume e pressão de perda urinária previstos no estudo, de maneira a prevenir perdas urinárias.O treinamento miccional também inclui táticas que auxiliam a distender progressivamente a bexiga, baseadas no ajuste hídrico e micções postergadas. Essas atividades permitem ao paciente ampliar seu intervalo urinário sempre que possível e é mais indicado para indivíduos com urgência miccional10,11.Treinamento do Assoalho Pélvico (TAP)O TAP é definido como contração e relaxamento voluntário seletivo e repetitivo da musculatura do assoalho pélvico, também chamados de exercícios de Kegel, e é indicado para auxiliar no fortalecimento de músculos que dão suporte as estruturas pélvicas bem como, em modalidades adaptadas, para prevenir perdas urinárias durante aumento da pressão intra- abdominal (tosse, espirro, carregar peso, mudar de posições) e episódios de urgência miccional12.A atuação específica dos exercícios da musculatura pélvica sobre o trato urinário inferior ainda não é completamente entendida. Alguns estudos apontam a relação entre mudanças na função do assoalho pélvico, como resistência do esfíncter anal, pressão máxima de fechamento uretral e redução de incontinência anal e urinária, tendo como mecanismo a hipertrofia da musculatura do diafragma uro-genital9,12.Para alguns pesquisadores, a prática de exercícios perineais no pré-operatório de prostatectomia seguido continuadamente no pós- operatório, pode abreviar a incontinência urinária de aproximadamente 180 dias para 130 dias. O que positivamente representa para o paciente a recuperação precoce da auto-estima e melhora na qualidade de vida13.Uma outra maneira de orientar o paciente a realizar adequadamente os exercícios do assoalho pélvico é por meio de equipamentos de retro- alimentação da informação ou mais comumente conhecido como “biofeedback”. Ele facilita o aprendizado de maneira auto- perceptiva, quer por meio de sinais sonoros ou sinais gráficos em tela de computador. Na verdade, a finalidade do aparelho é auxiliar o paciente a ganhar a consciência da atividade da musculatura perineal e a partir desse auto-conhecimento, utiliza-lo como estratégia para redução de perdas urinárias(9).Burgio ef al. (1989) estudaram a utilização do “biofeedback” em um grupo de homens submetidos a prostatectomia radical e observou que o uso do aparelho motivou o aprendizado dos exercícios e facilitou no acompanhamento da evolução e reabilitação da musculatura perineal. Ademais, proporcionou ao grupo de enfermeiros que efetuavam o tratamento, a programação individual da terapêutica proposta; os resultados obtidos em cada sessão serviam de base para novos ensaios e propostas terapêuticas.O equipamento deve ser usado em conjunção com outras técnicas comportamentais, como os próprios exercícios de Kegel, treinamento miccional, hidratação diária baseada no peso corporal e ajustada às necessidades individuais do dia-a-dia e a não utilização de alimentos ou substâncias que agridam a mucosa vesical8.O TAP em homens tem sido usado sozinho ou com auxílio de equipamento áudio visual e eletroestimulação anal8,14.Segundo a Agency for Health Care Policy and Research (AHCPR), nos Estados Unidos, os exercícios perineais facilitam o retorno da continência após prostatectomia. Em seu guia prático de tratamento, a AHCPR cita alguns trabalhos efetuados por grupos de pesquisa multiprofissional, que mostram resultados favoráveis com a utilização desta técnica15.A maioria dos autores especializados na área de reabilitação do assoalho pélvico são a favor da pratica dos exercícios de Kegel a partir do pós- operatório e mantidos por período indeterminado8,13,15.A efetividade dos exercícios pélvicos é assegurada pela persistência e pelo número de repetições efetuadas diariamente e monitorados pelo enfermeiro especialista. Para tanto, realiza-se acompanhamento clínico dos sinais e sintomas apresentados pelo paciente, pela evolução observada nos relatórios contínuos e por meio de escalas padronizadas ou numéricas, como é o caso do equipamento de biofeedback ou da escala de Oxford9.Alguns pesquisadores salientam que a prática diária dos exercícios perineais mesmo sem o auxílio proprioceptivo, como ó o caso do biofeedback, também é útil na reabilitação do assoalho pélvico e que quando bem orientada pode dispensar o uso de equipamentos como medida de reforço1,8.O delta percentual de melhora da incontinência urinária em homens pós- prostatectomia e submetidos aos exercícios perineais pode variar de 10% a 60%; quando associados a alfa bloqueadores e a anticolinérgicos, de acordo com a necessidade individual e conforme a avaliação médica, esse percentual pode ser elevado a 55% a 80%1,4.Em adição, autores reforçam a ideia de que os exercícios perineais podem ser complementados com utilização de eletroestimulação anal no homem. Esse equipamento auxiliaria a reduzir a urgência miccional referida por alguns pacientes após a prostatectomia e também atuaria como um reforço sensitivo no aprendizado e prática dos exercícios perineais1,8.ConclusõesA incontinência urinária pós-prostatectomia é uma complicação que acomete o homem de forma aleatória, sem relação com idade ou raça. Contudo, esta na dependência da técnica operatória e da habilidade do cirurgião. Uma vez identificada a incontinência, cabe a equipe multiprofissional procurar estabelecer um programa de continência focado nas possibilidades de cura ou de melhora do problema, procurando restabelecer o mais rápido possível a auto-estima do paciente bem como sua qualidade de vida.

Downloads

Download data is not yet available.

References

McCallum TJ, Moore KN, Griffiths D. Urinary incontinence after radical prostatectomy. Urologic Nursing 2001; 21:113-9.

Srougi M, Simon SD. Câncer da próstata. In Câncer urológico. São Paulo, Editora Platina, 1996; p.281-359.

Srougi M, Schor N. Câncer de próstata. In Nefrologia e Urologia Clínica. São Paulo, Editora Sarvier, 1998;p225-240.

Butler L, Wamboldt BD, Marsh S, Bell D, jarvi K. Quality of life post radical prostatectomy. Urologic Nursing 2001; 21 :283-8.

Campbell S, Bruner DW. The identification ans screening of men at high risk for developing prostate câncer. Urologic Nursing 2000; 20:15-37.

Glashan RQ, Lelis MA, Fera P, Bruschini H. Intervenções comportamentais e exercícios perineais no manejo da incontinência urinária em mulheres idosas. Sinopse de Urologia 2002;5:102-6.

Schirier RW. Body fluid volume regulation in health and disease. Ann lntem Med 1990; 113:155.

Burgio KL, Ives DJ, Locher JL. Treatment seeking for urinary incontinence in adults. J Am Geriatr Soc 1994; 42:208-12.

Burgio, KL, Engel, BT. Biofeedback-assisted behavioral training for elderly men and women. J Am Geriatr Soc 1990;38:338-40.

Burgio KL, Engel BT, Scheve A. Behavioral treatment for UI in elderly inpatient: initial attempts to modify prompting and toileting procedures. Behav Ther 1988; 19:345-57.

Fantl JÁ, Wyman JF, Taylor JR. Efficacy of bladder training in older women and men with urinary incontinence. JAMA 1991; 265:609-13.

Bernier F. Relationship of a pelvic floor rehabilitation program for urinary incontinence to Oren,s Self-care. Urologic Nursing 2002; 22:378-90.

Burgio KL, Stuzman RE, Engel BT. Behavioral training for post-prostatectomy urinary incontinence. J Urol 1989; 141:303-6.

Schnelle JF. Treatment of urinary incontinence in nursing home patients by prompt voiding. J AM Geriatr Soc 1990;38:356-60.

Department of Health and Human Services. Agency for Health Care Policy and Research: Clinical Practice Guideline - Urinary incontinence in adults, 1996.

Published

2004-03-01

How to Cite

1.
Hamanaka LS, Glashan RQ, Srougi M. Incontinências. ESTIMA [Internet]. 2004 Mar. 1 [cited 2024 Nov. 22];2(1). Available from: https://www.revistaestima.com.br/estima/article/view/144

Issue

Section

Article