Revisão 2
Abstract
Terapia nutricional para pessoas ileostomia
IntroduçãoA ressecção do intestino grosso, acompanhada de estoma íleo terminal para eliminação do conteúdo fecal, resulta do tratamento cirúrgico de várias enfermidades, sendo as mais comuns a doença vascular mesentérica, o câncer e a doença de Crohn¹.A reabilitação do individuo ileostomizado exige esforços de toda equipe interdisciplinar para adoção de medidas que contribuam para a adaptação intestinal e prevenção de intercorrências (desidratação, obstrução intestinal, extravasamento de fezes). Além disso, é fundamental a atenção para a adequada adaptação da bolsa ao estoma e educação do paciente para o autocuidado, medida essencial no que diz respeito á reintegração social do paciente².No caso de remoções extensas do intestino delgado (ID) (ressecção de 70 a 75%³ ou remanescente intestinal menos que 180cm4), observa-se severa diarreia/ esteatorréia, distúrbios hidroeletrolíticos e desnutrição, caracterizando a Síndrome do Intestino Curto (SIC0, como longo tempo de estabilização (3 a 12 meses, podendo chegar até 2 anos) e necessidade de amplos cuidados de ordem metabólica e nutricional para o controle clinico¹.A terapia nutricional para indivíduos ileostomizado e/ou com SIC, deve compreender avaliações nutricionais periódicas, planejamento dietoterápico individualizado e educação nutricional.Este artigo tem como objetivo abordar a terapia nutricional na ressecção intestinal om ileostomia, com base em um estudo de revisão bibliográfica, contribuindo assim para atualização científica frente a este assunto.História clínicaÉ importante considerar a extensão do remanescente intestinal, local ressecado, integridade do remanescente e de outros órgãos (estomago, pâncreas, fígado) e prejuízos nutricionais condicionados pela doença de base¹.Com remanescente com extensão de até 110 a 150 cm, é possível manter o estado nutricional com alimentação via oreal¹. A presença da válvula ileocecal favorece a evolução da dieta pela redução do tempo de transito, enquanto a perda do íleo terminal preocupa pela especificidade desta porção na absorção da vitamina B12 e de sais biliares conjugados¹.Doentes de Crohn apresentam pior evolução em relação a controles da mesma idade, por terem maior incidência de áreas de ID não saudáveis, indicando a importância da integridade do ID remanescente na reabilitação¹. Também tem valor a integridade do estomago. A ocorrência de hipersecreção gástrica, primária ou secundaria a ressecções de segmentos proximais, prejudica a absorção de gorduras por inativação da lipase pancreática de medicação (bloqueadores H2)5. Já a gastrectomia associada acarreta problemas pelo rápido esvaziamento gástrico (Síndrome de Dumping), exigindo adaptações dietéticas específicas¹.É necessário verificar possíveis deficiências nutricionais pré-operatórias, visto que 30 a 40% dos pacientes com câncer do trato digestório apresentam desnutrição energético-proteica e que, na doença de Crohn, 80% dos pacientes apresentam perda de peso, hipoalbuminemia e anemia e, 14 a 33%, depleção de magnésio.Indicadores nutricionaisAs avaliações nutricionais periódicas fornecem subsídios para o planejamento e evolução da dieta6.Ponto-chave para a adesão á dieta é a individualização para a adesão á dieta é a individualização do cardápio através do levantamento do hábito alimentar (preferencias, intolerâncias, aversões, apetite, dificuldades para aquisição e preparo de alimentos, entre outros)6. A avaliação do consumo (registro da ingestão) norteia a evolução dietética, ao contribuir para verificação da tolerância aos alimentos conforme são reintroduzidos e ao permitir a avaliação do aprendizado do cliente, como a sua capacidade de fazer substituição de alimentos segundo o hábito intestinal. Contribui, ainda, para avaliar a necessidade de suplementação vitamínica-mineral e de complementação ou substituição da dieta via oral por nutrição enteral ou parenteral.Os indicadores antropométricos permitem acompanhar a evolução do estado nutricional. O tamanho corporal e suas proporções, estimados principalmente por medidas de peso, estatura, pregas cutâneas, circunferências e bioimpedância elétrica, são indicadores diretos do estado nutricional. A bioimpedância elétrica também auxilia na observação do estado de hidratação6.Sinais e sintomas físicos ajudam a detectar deficiências de nutrientes e intercorrências. A depleção de magnésio, comum nesta afecção, pode se expressar por fadiga, depressão, irritabilidade, fraqueza muscula e até convulsão5. A desidratação, com necessidade de suplementação parenteral, pode ser indicada pelo débito urinário menor que 800 ml7, enquanto a obstrução intestinal pode ser sinalizada por distensão abdominal, náuseas e vomitos².O acompanhamento dos exames bioquímicos e hematológicos é fundamental para avaliação das perdas de eletrólitos, deficiências de nutrientes e evolução do estado nutricional. Principalmente na primeira faze do tratamento, onde os esforços estão voltados para a reposição hidroeletrolítica, deve-se monitorar atentamente os níveis séricos de K, Ca, P e Mg. Também deve-se monitorar Na, CI, Fe, Zn, Cu, Vitamina B12, ácido fólico, vitamina A e vitamina D, que podem precisar de ajustes via medicamentosa1.Terapia nutricionalA terapia nutricional é um coadjuvante essencial para a reabilitação intestinal, tendo como meta a progressiva adequação da dieta ás necessidades calórico-protéicas, com concomitante melhora de absorção e da diarreia, de modo que o estado nutricional seja mantido ou recuperado e a reintegração á sociedade seja garantida8.O nutricionista deve orientas o paciente ileostomizado quanto á ação dos alimentos, segundo o seu efeito habitual no intestino, esclarecer para a avaliação lenta e gradual e capacitar para a substituição de alimentos do cardápio, de acordo com o habito intestinal. Esta capacitação, junto com o aconselhamento de mudanças comportamentais como disciplina de horário, tempo mais prolongado de mastigação e ingestão fracionada ao longo do dia, integram á educação para o autocuidado, atendendo ao direito do individuo ostomizado de “receber apoio e informações... para aumentar o entendimento sobre as condições e adaptações necessárias para alcançar um padrão de vida satisfatório para viver com o estoma”9.Neste contexto, é relevante para qualidade de vida e reintegração social, o esforço para evitar a monotonia alimentar e tabus alimentares. A dieta deve progredir para uma alimentação o mais próxima da normal, excluindo-se apenas os alimentos realmente não tolerados5. A reintrodução deve ser direcionada pela prudência, não pelo medo.A hidratação é um dos destaques da terapia nutricional. A ingestão hídrica deve ser 2,0 litros/dia, ou conforme débito da ileostomia. Inicia-se com a ingestão fracionada ao longo do dia de líquidos não irritantes e não hipotônicos (agua-de-coco-verde, soro caseiro e algumas bebidas esportivas). Bebidas hipotônicas como agua, chá, café, sucos de frutas e bebidas alcoólicas devem ser restringidas, pois provocam efluxo de sódio para o lúmen intestinal, aumentando as perdas deste mineral. Os líquidos ofertados devem ter uma concentração de sódio em torno de 90 mmol/L e, de preferencia, conter também glicose, visto que no jejuno ocorre absorção conjugada de sódio e glicose5. Vale ainda ressaltar que a glicose deve ser utilizada preferencialmente á sacarose ou lactose por ser menos fermentável10.Outra prioridade do cuidado nutricional é o controle da ingestão de fibras e de alimentos que usualmente apresentam efeitos laxativos e fermentativos, visando melhorar a consistência das fezes e reduzir do volume do efluente5, 11.Inicialmente, deve-se restringir alimentos ricos em fibras insolúveis e orientar o consumo de alimentos que sejam fortes de fibras solúveis, por causa da viscosidade que proporcionam¹. No estudo de Sobotka et al¹², a suplementação com 30-35g/dia de fibras solúveis foi eficaz em melhorar a consistência das fezes. Contudo, ao longo do processo de reabilitação, as fibras insolúveis devem ser reintroduzidas gradualmente, buscando-se atingir a recomendação atual de ingestão de fibras, que é de 20 a 35g de fibras alimentarem por dia, sendo 25% fibra solúvel¹³. As fibras merecem destaque ainda pelo seu efeito tampão, auxiliando no caso de hipersecreção gastrica14. No Quadro 1 estão relacionadas algumas fontes de fibras solúveis e insolúveis.Quadro 1 - Alimentos fontes de fibras solúveis e insolúveis.Fonte: Adaptado de Caruso L14
Quadro 2 - Alimentos relacionados com a formação de gases e odores nas fezes.
Fonte: Adaptado de Mahan K, Arlin MT8 e Caruso L14
Os alimentos relacionados com o aumento da formação de gases (Quadro 2) devem ser restringidos, principalmente para evitar constrangimentos sociais pelos ruídos, porem, é fundamental testar a tolerância individual, limitando as restrições ao máximo possível. A mesma ponderação cabe aos alimentos associados com produção de odores desagradáveis nas fezes (Quadro 2), ainda mais com a compensação conseguida com a utilização de alimentos, relacionados com a redução de odores (Quadro 2) e de bolsas coletoras confeccionadas com plástico antiodor15.
Outra consideração importante, no sentido de evitar exclusão desnecessária de alimentos, é quanto á ingestão de alimentos fontes de gordura. A quantidade normal de gordura (em torno de 30% de valor calórico da dieta) não causa maior perda de efluente1, 5, devendo a dieta ser normolipídica.No entanto, vale ressaltar que, indivíduos com remanescente intestinal menos que 100 cm, com continuidade do cólon, faz-se necessária a restrição de lipídios. A presença de ácidos graxos de cadeia longa não absorvidos no cólon, leva a redução de absorção de agua e sódio, agravando a diarreia1, 5. Além disso, os ácidos graxos de cadeia longa são tóxicos para as bactérias colônicas, as quais são benéficas por produzirem ácidos graxos de cadeia curta, por fermentação de carboidratos mal absorvidos, fornecendo calorias adicionais e estimulando a retenção de agua e sódio 1,5. Preconiza-se assim, uma oferta inicial de 30g/ dia de lipídios, evoluindo ate 50g/ dia, sendo 50% na forma de triglicérides de cadeia media que podem ser absorvidos diretamente via portal1.Ainda no tocante ao risco de restrições excessivas, deve-se ter cautela quanto à lactose. Mateau16, em estudo com pacientes com SIC, não verificou benefícios com dietas isentas de lactose, evidenciando a necessidade de investigação da tolerância individual antes da retirada do leite e laticínios, e substituição por leite de soja ou leites com teor reduzido de lactose.Não havendo sucesso em atingir as necessidades nutricionais e/ ou manter/ recuperar o estado nutricional, deve-se utilizar complementos calórico-proteicos ou substituir a via oral por nutrição enteral ou parenteral¹.Quanto ao tipo de formula, embora a dieta elementar seja fácil absorção, a dieta polimérica tem a vantagem de ter menos osmolaridade e de favorecer a hiperplasia da mucosa e, assim, a adaptação intestinal, pois os nutrientes na forma intacta estimulam os processos digestivos normais (liberação das secreções biliopancreaticas e ação hormonal) 17,18.Também tem sido demonstrada promoção de hiperplasia da mucosa pela suplementação conjunta com glutamina e hormônio do crescimento17, 18.A necessidade de suplementação mineral ou vitamínica deve ser avaliada. Na SIC, dependendo da extensão do remanescente e da área ressecada, há necessidade de suplementação vitamínica: A (retinol-25.000UI/dia/VO),D(colecalcifero 50.000UI/dia/VO), K (menadiona 510mg/dia/VO), B12 (1mg intramuscular cada duas a quatro semanas) e de ácido fólico (15mg intramuscular semanalmente ou 1mg/VO/dia). A necessidade de suplementação de Na, K, CI, Ca, Mg, Fe, Zn e CU também deve ser analisada através de exames bioquímicos.Downloads
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