Artigo de Revisão 2 - O Cuidado de Enfermagem e as Lacunas na Assistência à Criança com Estomia: uma Revisão Integrativa
Abstract
RESUMO
Objetivo: Realizar revisão integrativa de estudos desenvolvidos pela enfermagem sobre cuidados com a criança com estomia
e seus familiares. Método: Revisão integrativa de literatura que utilizou as bases de dados Lilacs, MEDLINE, BIREME,
PubMed, SciELO e Cochrane Library, com os descritores: “estoma” or “estomia” or “ostomy” and “child” and “family nursing”.
Foram adotados como critério de inclusão os artigos em português, espanhol e inglês, disponíveis na íntegra, produzidos
no período de 2003 a 2013, que responderam a questão norteadora: O que tem sido publicado pela enfermagem sobre
cuidados à criança com estomia e aos seus familiares? Resultados: Os cinco artigos incluídos no presente estudo foram
publicados no período de 2008 a 2013 e abordaram questões relacionadas às difi culdades enfrentadas pelos familiares
de crianças com estomia e à falha na conduta dos profi ssionais de saúde. Conclusão: As difi culdades dos pais na aceitação
e nos cuidados à criança com estomia foram percebidas e apontadas como consequência da fragilidade e das lacunas
no planejamento da assistência de enfermagem durante a internação e no processo de alta hospitalar. Percebe-se
a necessidade de se ampliarem as investigações relacionadas à experiência de familiares (mãe, pai, criança e irmãos) e
profi ssionais de saúde sobre a temática, seja no hospital, no ambulatório ou em seus lares.
DESCRITORES: Estomia. Criança. Enfermagem familiar.
INTRODUÇÃO
Estomia é um termo de origem grega que signi ca abertura,
ou boca, de um órgão oco, confeccionada por meio de procedimento
cirúrgico, no qual o órgão passa a ter contato com
a superfície cutânea, para permitir a eliminação de e uentes
como secreções, fezes e urina; introdução de medicamentos
ou oferta de dietas1,2. Nas crianças, em sua maioria, são temporárias
e realizadas no período neonatal para tratamento de
malformações congênitas, de atresias e de doenças adquiridas.
Seu tempo de permanência pode variar de meses a anos,
dependendo da doença para a qual foi indicada sua confecção
e do número de cirurgias realizadas ao longo de sua vida3.
As causas mais frequentes para a confecção de estomia
intestinal no lactente são enterocolite necrosante, ânus imperfurado,
e doença de Hirschsprung (DH), também conhecida
por megacólon agangliônico congênito. Já nas crianças
maiores, são mais comuns doenças intestinais in amatórias,
problemas congênitos e as ureterostomias, devido a defeitos
de bexiga ou da porção distal do ureter4.
A criança submetida a essa cirurgia, assim como os seus
familiares, necessitam de cuidados especí cos e de acompanhamento
especializado que auxiliem nas necessidades biopsicossociais
e espirituais. Compete à enfermagem o planejamento
da assistência, o plano de cuidado contínuo, que compreende
as fases pré, trans e pós-operatória, a alta hospitalar e a manutenção
dos cuidados em casa. A assistência deve ser iniciada
no pré-operatório, com avaliação e orientações sobre o preparo
necessário para o enfrentamento da cirurgia, e continuar
durante o período em que a criança permanecer com a estomia5.
Na fase pré-operatória, a criança e sua família devem
ser esclarecidas sobre a cirurgia que resultará na alteração da
imagem corporal, uma vez que uma nova etapa se iniciará
na vida delas. Para facilitar a compreensão e minimizar as
repercussões advindas do tratamento, o enfermeiro poderá
utilizar brinquedos terapêuticos como manequins infantis
com estomia, equipamentos coletores com adesivos de modo
a facilitar a orientação da criança e dos pais6.
O momento de alta hospitalar deve ser planejado por uma
equipe multidisciplinar com a participação dos familiares, a
m de garantir o prosseguimento do cuidado com qualidade7.
Desde o pós-operatório imediato, deve-se sempre car
atento em relação às características do e uente, prevenindo o
desequilíbrio hidroeletrolítico, bem como aos cuidados com
a região periestomal, higienização da estomia, adequação do
equipamento coletor e acessórios. Os pro ssionais de saúde
e o cuidador devem conhecer os equipamentos e acessórios
disponíveis, tendo em vista uma grande diversidade de equipamentos
coletores e acessórios como cintos, pós, sprays e
pastas, que protegem a pele, com vistas a facilitar a adaptação
e melhorar a qualidade de vida da pessoa com estomia8.
Sendo assim, o objetivo deste estudo foi realizar revisão
integrativa deestudos desenvolvidos pela enfermagem
sobre cuidados com a criança com estomia e seus familiares.
MÉTODOS
Estudo descritivo, tipo revisão integrativa, cuja nalidade
consiste em reunir e sintetizar resultados de pesquisas sobre
determinado tema de forma sistemática e ordenada, possibilitando
o aprofundamento de conhecimento da questão
investigada. A revisão integrativa é norteada pelas seguintes
etapas: identi cação do tema; processo de busca na literatura;
categorização dos estudos; avaliação dos estudos incluídos
na literatura; interpretação dos resultados e apresentação
da revisão integrativa.
Foram exploradas as bases de dados eletrônicas Literatura
Latino-Americana e do Caribe de Informações em Ciências
da Saúde (Lilacs), MEDLINE, BIREME, PubMed e as
bibliotecas virtuais Scienti c Electronic Library Online
(SciELO) e Cochrane Library em busca de artigos que
respondessem à questão norteadora: O que tem sido publicado
pela enfermagem sobre cuidados com a criança com
estomia e seus familiares?
Adotou-se como critério de inclusão os artigos em português,
espanhol e inglês, disponíveis na íntegra, produzidos
no período de 2003 a 2013. Como critérios de exclusão:
livros, relatórios de conferências, resumos de congresso, teses
e dissertações, trabalhos que se centravam em procedimentos
técnico-procedimentais, em dados epidemiológicos e em
complicações. Aqueles que apresentavam duplicidade nas
bases de dados foram excluídos.
Inicialmente, para o levantamento dos artigos, foi
determinado o uso dos descritores em português e inglês
“estoma” or “estomia” or “ostomy” and “child” and “family
nursing” , selecionados nos descritores em ciências da saúde
(DeCS) da BIREME, a partir do método integrado.
Dos12 artigos encontrados, foram excluídos os livros,
resumos de congresso, teses e dissertações, o que resultou
em 9 artigos. Em uma segunda análise, foram excluídos
os trabalhos que se centravam nos procedimentos técnicos
procedimentais, em dados epidemiológicos, e que se
encontravam em duplicidade nas bases de dados. A partir
dos critérios, foram selecionados cinco artigos, sendo
quatro nacionais e um internacional.
Para a análise dos artigos foi utilizado um instrumento
adaptado9 que permitiu levantar as dimensões dos estudos,
contendo principalmente as seguintes variáveis: identi cação
do artigo; ano; autor; país de publicação; periódico de
publicação; país de estudo; método; amostragem; resultados;
e conclusões do estudo. Todos os artigos selecionados foram
submetidos à leitura minuciosa, realizada em duas etapas:
na primeira foi realizada a síntese dos dados de identi cação
e a caracterização da amostra e, na segunda, a análise
do conteúdo dos artigos.
RESULTADOS
Dos cinco artigos selecionados para este estudo, veri cou-se
que o período de publicação foi de 2008 a 2013, nos idiomas
inglês, português e espanhol, em periódicos nacionais
e internacionais, a saber: Avances en Enfermería; Revista
de Enfermagem da UERJ; Revista Gaúcha Enfermagem;
Texto e Contexto Enfermagem; Revista de Pesquisa: cuidado
é fundamental. Foi observada predominância de publicações
em periódicos da área da Enfermagem e de estudos
com abordagem qualitativa com foco nas mães e nos pro-
ssionais de enfermagem (Quadro 1).
Foi constatado que os enfoques principais apontam para a
atuação do pro ssional de saúde, principalmente do enfermeiro
frente à criança com estomia e a seus familiares. Depreende-se
dos estudos a necessidade de melhor compreensão sobre a estomia
e o cuidado com a criança e com a família, não se limitando
aos procedimentos técnicos relacionados aos problemas físicos
mais evidentes. Torna-se primordial conjugar saberes e construir
conhecimentos voltados para a implementação de intervenções
que possibilitem amenizar o impacto da doença no
cotidiano de vida da criança e da família. Propõe-se a necessidade
do diálogo, a capacitação da equipe e a educação em saúde
com vistas à superação das desigualdades de poder, à conquista
da autonomia e ao empoderamento. Reiteram a existência de
lacuna entre o planejamento e o processo de alta, atribuídos,
principalmente, à falta de comunicação entre os pro ssionais
de saúde e a família. O trabalho em equipe e o envolvimento
da família no cuidado constituem poderosos estímulos para o
enfrentamento da doença.
DISCUSSÃO
Na revisão sistemática da literatura que examinou 14 artigos
publicados no período de 1993 a 2007, as autoras identi -
caram o impacto da confecção de uma estomia na criança
e em sua família. Devido à presença da estomia, os pais se
depararam com a necessidade de reorganizar as atividades
instrumentais da vida diária e desenvolver múltiplas habilidades
para atender às demandas dessas crianças1 .
As autoras seguem destacando que a presença de
uma estomia não só afeta o funcionamento siológico da
criança, mas também implica o seu manuseio, que passa
a ter significado importante nas atividades diárias da
criança, na organização de papéis e na dinâmica familiar.
Enfatizaramaimportância de uma equipe de enfermagem
altamente treinada nas instituições de saúde para assistir a
essas crianças e seus familiares1 .
Os cuidados de enfermagem centrados na família
são capazes de potencializar forças e minimizar problemas
decorrentes da situação de doença e de internação.
Noentanto, essa abordagem não pode se restringir apenas
ao momento de alta hospitalar da criança com estomia,
mas deve envolver todas as fases operatórias bem como
sua continuidade em casa.
O distanciamento entre os cuidados prestados à criança
com estomia em nível terciário e o processo de alta hospitalar
foi constatado em um estudo no qual participaram dez pro-
ssionais, dentre eles psicólogos, fonoaudiólogos, médicos,
enfermeiros e sioterapeutas. As autoras enfatizaram que o
planejamento para a alta não é realizado de forma sistematizada,
o que in uencia de forma negativa na qualidade da
assistência oferecida por esses pro ssionais. A constatação de
que “cada um faz de um jeito” traduz uma falha na qualidade
da assistência, pois indica falhas na comunicação, tornando
a assistência desarticulada. Recomendam a criação de diretriz
de planejamento de alta hospitalar, de modo a contemplar
as peculiaridades de cada caso. Destacam, ainda, que a
rede de cuidados às crianças com estomia e seus familiares
deve ser ampliada, dinamizando o processo de referência e
de contrarreferência para que ocorra uma integração entre
todos os níveis de atenção em saúde7 .
A capacidade para administrar os eventos de vida e obter
domínio sobre eles requer estímulo para a autonomia, o que
propicia o empoderamento por parte dos familiares de crianças
com estomia, para que os mesmos possam re etir e tomar
decisões frente à situação vivenciada, adquirindo maior independência
dos pro ssionais e/ou dos sistemas. Os pro ssionais
de enfermagem devem reconhecer as famílias como possuidoras
de conhecimento, respeitando e compartilhando seus
saberes e experiências, por meio da dialogicidade3 .
Corroborando esses achados estudo desenvolvido em
um hospital-escola pediátrico do sul do Brasil constatou
que, além das di culdades com o manuseio do equipamento
e com manutenção da pele, a família se depara também
com problemas relacionados à inserção social que resultam
desituações constrangedoras como preconceito, liberação
de odores e atus, aliado aos sentimentos de ser diferente.
Tornou-se evidente que as mães eram as principais
cuidadoras da criança com estomia, fato que pode favorecer
o estresse e a desestruturação familiar, principalmente
nas questões emocionais e afetivas. Por outro lado, quando
o cuidado é prestado de forma integral, centrado na compreensão
do paciente e do familiar, tornam-se menos estressantes
o retorno ao lar e à rotina diária10 .
Foi evidenciado em estudo realizado no Brasil com sete
mães de crianças com estomia que os sentidos maternos em
relação aos cuidados e ao desenvolvimento da criança são baseados
na subjetividade, e estão envolvidos em nuances culturais
inerentes a cada ser. Dessa forma, faz-se necessário que haja
uma aliança de saberes entre pro ssional e cliente, para que a
assistência prestada seja efetiva e de qualidade. Outra questão
trazida pelos autores diz respeito à espiritualidade que permeia
o cotidiano dessas famílias e traz consigo a capacidade de aceitação
da nova condição. Por esse motivo, é imprescindível que
as necessidades espirituais de cada pessoa sejam levadas em
consideração durante o cuidado de enfermagem11 .
Cabe ressaltar que, por mais que se aproprie do termo
família nessa investigação, sua abordagem é feita quase que
exclusivamente com as mães. Assim, a gura materna é apontada
como a principal cuidadora familiar, que sofre uma enorme
carga emocional e, na maioria das vezes, abdica de seu emprego
para cuidar do lho com estomia10 . Embora o pai acabe exercendo
um papel secundário nesses cuidados, isso não o isenta
de participar e de colaborar das atividades diárias com as mães.
Nesse contexto, nossas concepções coadunam com as
autoras, ao enfatizarem a importância de se realizar investimentos
em ações de capacitação e educação em saúde, bem
como a elaboração de protocolos com vistas à reabilitação
e à melhor qualidade de vida da criança e de segurança dos
familiares para lidar com a nova condição.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os cuidados de enfermagem com a criança com estomia
e com seus pais constituem objeto de investigação de um
grupo ainda limitado de pesquisadores.
Este estudo buscou aproximar e articular as temáticas
estomia, criança, família e enfermagem.
As di culdades dos pais na aceitação e nos cuidados com
a criança com estomia se devem às mudanças nas estruturas
familiares, às alterações no cotidiano e no estilo de vida, e às
orientações incorretas ou de cientes dos cuidados especí -
cos, sendo que esses decorrem da desarticulação do trabalho
em equipe e da necessidade de aprimoramento no processo
de educação em saúde.
Os resultados apontam para a necessidade de planejamento
da assistência em todos os níveis de atenção à saúde,
que envolvam não apenas os procedimentos técnicos, mas
sobretudo cuidados que atendam outras dimensões como
emocionais, afetivas e espirituais, o que é imprescindível na
concretude do cuidado.
Evidencia-se uma lacuna no conhecimento produzido
sobre o papel do pai como cuidador de uma criança com
estomia, uma vez que a mãe constitui a principal cuidadora
e foco de orientações pela equipe de saúde.
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