Artigo Original 2
Abstract
Dificuldades para o uso de Inovações: Assistência às Pessoas com Feridas Crônicas nas Unidades de Saúde de Ribeirão Preto
ResumoTradicionalmente, o trabalho na área da saúde é permeado por pesquisas e progressos científicos, para prevenção e tratamento dos agravos, incluindo as feridas. No entanto, nem sempre os profissionais têm acesso ou acreditam nas informações. Esta pesquisa foi descritiva, transversal e quantitativa, com 60 enfermeiros da SMS-RP, em 2004. Objetivou-se identificar o perfil dos enfermeiros e analisar o uso do Manual de Assistência Integral às Pessoas com Feridas Crônicas, que contém recomendações para a prática. Os resultados mostraram que 91,6% dos profissionais eram mulheres, 88,1 % com mais de 35 anos e 86,7% com mais de 15 anos de formado. Observou-se a falta de padronização do local de documentação e no uso dos instrumentos. Como dificuldades para adoção das inovações, identificou-se a falta de produtos, o pequeno número de enfermeiro nas UBS e membros da equipe que não estavam convencidos da necessidade de mudanças.Palavras-chaves: Cicatrização de feridas. Assistência de enfermagem. Curativos.AbstractTraditionally, the work in health area is based on research and on scientific progress to the prevention and treatment of diseases including wounds. However professionals very often do not have access or believe on this information. This descriptive, transversal and quantitative research was done with 60 nurses from SMS-RP in 2004. The goal was to identify their profile and to analyze the use of a Manual of Integral Care to People with Chronic Wounds that have recommendations to practice. The results showed that 91.6% were women, 88.1% more than 35 years old and 86.7% with more than 15 years since graduation. It was observed a lack of standardization related to the place of documentation and the tools for it. The identified difficulties to adoption of innovations were: lack of adequate products, low number of nurses at the health units and staff members that were not convinced about the need of change.Keywords: Wound healing. Nursing care. Dressings.IntroduçãoTradicionalmente, o trabalho na área da saúde é permeado por constantes pesquisas e progressos científicos, direcionados tanto para prevenção quanto para o tratamento dos contínuos agravos que acometem os seres humanos, incluindo as feridas. No entanto, é sabido que nem sempre os profissionais têm acesso a essas informações, seja pela indisponibilidade das mesmas ou por não incorporarem, à sua prática, momentos de estudo e atualização.Cuidar das pessoas com feridas crônicas sempre fez parte da assistência da enfermagem. Para Hess (2002), a estruturação dessa assistência requer a incorporação tanto da arte quanto da ciência do cuidado com feridas. A arte refere-se à habilidade técnica do profissional e a ciência diz respeito ao conhecimento e à compreensão do processo patológico e do tratamento adequado.Figueiredo (2000) destacou que é necessário que o enfermeiro incorpore também em sua prática a questão ética do cuidado, considerando a dimensão bio-psico-sócio-espiritual da pessoa, e não somente a sua lesão. Acredita-se que a esta dimensão ética do cuidado, precisa ser incluída a reflexão pelo profissional quanto à resolutividade de sua prática no contexto institucional, para a obtenção de resultados positivos e melhoria da qualidade de vida da clientela.Em Ribeirão Preto, na última década, houve um aumento da demanda nos serviços de saúde de pacientes com feridas crônicas, problema este detectado por trabalhadores do Serviço de Assistência Domiciliar (SAD) e das salas de curativos das unidades de saúde da rede municipal. Acreditase que esta demanda foi gerada principalmente pelo aumento de vítimas das “causas externas”, tais como acidentes de trânsitos e a violência urbana e ao aumento das complicações das doenças crônicas como diabetes e acidente vascular cerebral.A significativa melhora do atendimento préhospitalar também pode ter contribuído para o aumento da sobrevida das pessoas em condições crônicas que, muitas vezes, apresentam seqüelas como a úlcera por pressão. Outro fator que influenciou esta mudança da demanda foi a própria reorganização do Sistema Único de Saúde – SUS, direcionando a assistência das pessoas com feridas crônicas para a atenção básica.Hayashi e Bobroff (2003), afirmam que “a enfermeira tem sido tradicionalmente responsável pela avaliação de feridas. Entretanto, muitas vezes baseia-se em evidências poucas seguras que, freqüentemente, falham na apresentação de informações precisas”.A constatação do aumento da demanda de pacientes, a complexidade dos casos atendidos e a falta de resolutividade nas ações, levaram alguns profissionais de enfermagem da Secretaria Municipal da Saúde de Ribeirão Preto (SMS-RP) que atuava no SAD na assistência a pacientes com feridas crônicas, a refletir sobre a sua prática e a concluir que na realização de curativos, as condutas adotadas não eram uniformizadas. Talvez estivessem desatualizadas, pois eram provenientes de sua formação acadêmica não tão recente e da experiência individual, com produtos que muitas vezes não alcançavam os resultados esperados em termos de cicatrização. Esta situação trazia insatisfação aos pacientes além de insegurança para os profissionais, as quais eram verbalizadas no espaço das reuniões mensais da equipe.Visando a melhoria da qualidade da assistência, a atualização dos trabalhadores e a padronização das condutas na rede, a equipe buscou, em 1999, realizar parcerias com outros profissionais de saúde da SMS-RP e com docentes da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – EERP – USP. Foi, então, ampliado o grupo de estudo com a finalidade de atualizar o conhecimento, construir e divulgar protocolos para a assistência a pacientes com feridas crônicas.O conhecimento obtido pelas atividades educativas e reflexivas despertou no grupo o desejo pela busca por uma assistência integral ao paciente, embasada no processo natural de cicatrização e na avaliação criteriosa dos fatores locais e sistêmicos que podem interferir no mesmo e no uso de tratamento tópico recomendado como adequado na literatura científica.As estratégias de atualização incluíram oficinas de trabalho, busca e análise crítica de literatura científica e os trabalhadores concluíram que a prática de enfermagem não era sistematizada, os conhecimentos não eram atualizados e as condutas eram pautadas na avaliação individual no “acerto e erro”. Os produtos disponibilizados na rede na época eram predominantemente antisépticos e pomadas com antibióticos, pois o principal objetivo da assistência era controlar a infecção por meio de terapias tópicas. As oficinas de trabalho e a análise da literatura levaram a construção do Manual de Assistência Integral às Pessoas com Feridas Crônicas. As recomendações contidas no protocolo do tratamento tópico consideram a fase de cicatrização da ferida e sua apresentação clínica, os objetivos do tratamento, os produtos recomendados e padronizados pela Comissão e as medidas coadjuvantes.Em 2001, foram realizadas oficinas pedagógicas (OP) e a entrega do Manual, para outros profissionais da saúde da SMS-RP que não pertenciam ao grupo de estudo, com o objetivo de disseminar as recomendações. Nesse período, a Divisão de Enfermagem, juntamente com SAD, elaborou “Kits” compostos por vários tipos de coberturas e produtos para tratamento tópico, oriundos de doações de diversos representantes de indústrias, que além de possibilitar o início da implementação das recomendações do Manual, permitiu a avaliação quanti-qualitativa dos produtos e a pré-qualificação para especificação dos produtos para a compra. Posteriormente, esses produtos foram testados em diferentes Unidades de Saúde pelos enfermeiros capacitados nas OP, e então padronizados pela SMS-RP. Assim, os trabalhadores dispunham do Manual com as recomendações para a prevenção e tratamento das feridas e os produtos necessários para o tratamento tópico. O Manual foi disponibilizado no site da SMS-RP. Para avaliar e incentivar a adesão, os membros da comissão realizaram visitas nas Unidades de Saúde.Um ano após esse processo, o mesmo grupo, consolidado como “Comissão de Assistência, Assessoria e Pesquisa em Feridas”, revisou o manual e continuou a assessorar os profissionais das salas de curativo. Apesar do caráter informal, os momentos vivenciados no local da prestação direta da assistência, permitiram observar a baixa adesão às recomendações, não apenas relacionadas ao uso das novas condutas terapêuticas, como também à falta de registros sistematizados de avaliação da ferida, prescrição e evolução da assistência.Diante disso, os membros da Comissão propuseram-se a realizar um estudo com o objetivo de identificar e descrever a situação, no que se refere à experiência dos enfermeiros na utilização das recomendações apresentadas no Manual para a assistência integral às pessoas com feridas crônicas e as sugestões apresentadas para melhorar a sua implementação. O desenvolvimento da proposta também possibilitou ao grupo uma primeira experiência de desenvolvimento de um estudo científico com todas as suas etapas, do planejamento à divulgação dos resultados. Nesta publicação, apresentamos os resultados parciais do estudo.MétodosTrata-se de uma pesquisa descritiva, transversal, identificada por Polit & Hungler (1995) como “Survey”, onde os indivíduos, por autorelato, responderam a uma série de perguntas propostas pelos investigadores. A análise dos dados foi feita de forma quantitativa. Foi desenvolvida com enfermeiros que atuavam nas 34 Unidades de Saúde da SMS-RP e a coleta de dados ocorreu no 1º semestre de 2004. Na época, a SMS – RP contava com 194 enfermeiros, com diferentes vínculos empregatícios. Para a seleção da amostra, foram excluídos os enfermeiros em cargos e funções administrativas; os comissionados em outros serviços; os participantes da Comissão de Assistência, Assessoria e Pesquisa em Feridas; os que atuavam no período noturno e plantão de finais de semana; os que atuavam em programas como Serviço de Atendimento Médico e de Urgência (SAMU), Vigilância Epidemiológica, e outros por não prestarem assistência na sala de curativo de forma rotineira; os enfermeiros em licenças ou férias e os que não concordaram em participar.A pesquisa foi realizada por todos os membros da Comissão que tiveram interesse e disponibilidade, desde a fase do planejamento até a redação dos resultados para divulgação, e contou com a participação de duas docentes de enfermagem com experiência na área. O projeto de pesquisa foi inicialmente apreciado e aprovado pelo secretário de saúde do município e pela chefia da divisão de enfermagem e encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto – USP onde foi aprovado.Para a coleta de dados foi construído um questionário com perguntas fechadas e abertas, divididas em três partes: 1) a caracterização dos profissionais e a participação nas atividades educativas, 2) a caracterização da Unidade de Saúde e a forma de atendimento ao paciente, 3) identificar a adesão dos enfermeiros às recomendações do manual, as conseqüências observadas e sugestões para melhorar a implementação. A primeira versão do instrumento foi submetida à análise de 15 enfermeiros que participam da Comissão para avaliação do conteúdo e da forma de apresentação. As sugestões para reformulação foram acatadas e na avaliação posterior houve consenso quanto à apresentação final do instrumento.A realização da pesquisa foi divulgada para todos os enfermeiros da rede. Os que atendiam aos critérios e aceitaram participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.Os dados foram analisados de forma quantitativa e descritiva após a sua transcrição para uma planilha eletrônica, utilizando programa de computador para cálculo da porcentagem e freqüência.Resultados e discussãoIdentificou-se que 82 enfermeiros prestavam assistência às pessoas com feridas crônicas, desses, 60 participaram do estudo (Tabela 1).Quanto ao sexo, observa-se o predomínio de profissionais do sexo feminino, uma característica universal da profissão de enfermagem.A respeito da idade, identificou-se que o grupo é heterogêneo e os indivíduos com mais de 35 anos representam 88,1 % dos sujeitos, porém, a maior freqüência foi observada na faixa etária de 45 a 50 anos. A idade mínima constatada foi 27 anos e a máxima 55 (média 43,28 e desvio padrão 5,59). Em relação ao tempo de formado, nota-se que 86,7% tinham mais de 15 anos, destacando-se que 51,7% trabalhavam entre 10 a 15 anos na SMSRP.Quanto às experiências anteriores, os locais de trabalho variaram, apresentando profissionais com atuações em diferentes tipos de instituições, predominando hospital público ou privado. Estes resultados demonstram que as oficinas oferecidas para atualização dos profissionais no tema feridas crônicas podem ter beneficiado os que tinham um longo tempo de formação e poderiam estar desatualizados quanto ao embasamento científico necessário para o cuidado. A experiência anterior em instituições hospitalares, apresentada por grande número de participantes, pode representar um benefício para o atendimento dos pacientes mais complexos, pois a assistência integral pode envolver outros procedimentos além do tratamento tópico da ferida. Dos 60 enfermeiros que aceitaram participar da pesquisa, 37 haviam participado da oficina pedagógica e desses, 35 transmitiram os conteúdos para outros profissionais do serviço incluindo auxiliares e técnicos de enfermagem, enfermeiros e médicos.Manuais com recomendações para a prática são considerados ferramentas básicas para a disseminação de novos conhecimentos e para estimularem os profissionais a avaliarem a sua prática (Logan e cols. 1999). Devem ser mantidos em local de fácil acesso para consulta sempre que necessário. O Manual de Assistência Integral às Pessoas com Feridas Crônicas foi disponibilizado para todas as Unidades na expectativa que fosse utilizado por todos os membros da equipe de saúde. Na Tabela 2 são apresentados os resultados quanto à localização e uso do manual pelos profissionais.A sala de curativo foi o local mais freqüente onde o manual era mantido na UBS, citado por 61,7% dos profissionais, seguido da sala do enfermeiro (40%). Outros locais também foram citados já que a questão possibilitava múltipla escolha. Quanto aos interessados em consultar o manual, identificou-se também uma diversidade. Os técnicos e auxiliares de enfermagem foram citados como os profissionais mais interessados na consulta do manual (71,7%), seguidos dos enfermeiros (66,7%) e alunos de enfermagem (36,7%).Outro aspecto bastante importante para a prática profissional é a documentação da assistência prestada. Como parte do protocolo foi proposta uma ficha para documentar a sistematização da assistência, do histórico de enfermagem à avaliação e evolução do cuidado. Na Tabela 3 são apresentados os formulários utilizados para a documentação e o destino dos impressos.Observa-se que não há uma padronização do local onde é feita a documentação da assistência prestada e evidenciou-se ainda o uso de registro em um livro da própria sala de curativo onde é informado somente o tipo e a quantidade de curativos realizados num determinado período, sem esclarecer o tipo de ferida, tipo de cobertura utilizada, condições gerais do paciente e da ferida como local, extensão e aspecto da ferida, entre outros.Estes dados permitiram constatar que não existe sistematização da enfermagem no cuidado de feridas e que o instrumento de acompanhamento de sua evolução é pouco utilizado. Para a realidade da assistência pelo SUS, a anotação na ficha Hygia é fundamental, pois ela é parte do sistema de informação da SMS-RP. Ressaltamos que durante as oficinas pedagógicas destacou-se a importância do preenchimento dos dois formulários e o seu arquivo no prontuário do paciente, onde esses registros podem ser consultados por toda a equipe de saúde e fornecerem subsídios para levantamento dos resultados da assistência, seja em termos de resolutividade e impacto das mudanças, seja em termos de custos.Dentre as diversas mudanças citadas, destacam-se como positivas a presença mais freqüente do enfermeiro na sala de curativos (66,7%), entrosamento entre a equipe de enfermagem (63,3%), maior segurança na realização de curativos (63,3%) e a utilização de novos tratamentos (60,0%). Observa-se que a introdução de novos tratamentos e coberturas representou, além de beneficio aos pacientes, uma maior segurança para os profissionais envolvidos na assistência. Quanto à percepção do uso das recomendações apresentadas no manual, 42% dos participantes referiram que fazem o uso sempre, e 45% que fazem o uso às vezes. As dificuldades na adoção das inovações propostas estavam relacionadas principalmente à falta de produtos recomendados, ao pequeno número de enfermeiro em cada UBS, o que não permitia que este permanecesse na sala de curativo e a presença de membros da equipe que não estavam convencidos da necessidade de mudanças.Considerações finaisO avanço tecnológico, que disponibiliza novas terapias, exige dos profissionais da área de saúde uma reflexão da prática realizada, consolidada em base científica, de tal forma que se justifiquem as ações adotadas na prevenção e tratamento das lesões, com compromisso de otimizar os recursos e oferecer qualidade na assistência. Entretanto, existem barreiras que impedem que as mudanças sejam feitas na prática, e essas precisam ser identificadas de forma que estratégias para transpôlas sejam planejadas.Downloads
References
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