Artigo Original 2

Authors

  • Anileme Gómez Valdes Enfermeira, Hospital das Forças Armadas – HFA, Ex-Bolsista do Programa de Iniciação Científica CNPq/DPP-UnB; Brasília – DF.
  • Ivone Kamada Enfermeira. Doutor em Enfermagem, Departamento de Enfermagem, Universidade de Brasília – UnB; Endereço para correspondência: SQN 206, bloco F, ap. 306, Asa Norte, Brasília – DF.
  • Rosilane de Carvalho Cristo Enfermeira. Mestre em Enfermagem, Departamento de Enfermagem, Universidade de Brasília – UnB; Brasília – DF.
  • Simone Batista da Costa Enfermeira, Hospital Universitário de Brasília – HUB; Brasília – DF.
  • Andréa Mathes Faustino Enfermeira. Mestre em Enfermagem, Departamento de Enfermagem, Universidade de Brasília – UnB; Brasília – DF.

Abstract

Experiências de Crianças com Estomias: Estudo Qualitativo

ResumoO trabalho teve como objetivo compreender como a criança vivencia a estomia. Trata-se de um estudo qualitativo que utilizou a entrevista semi-estruturada para a coleta de dados. Os sujeitos de estudo foram crianças, em idade escolar, com estomias, atendidas nos serviços de cirurgia pediátrica. Na análise dos dados surgiram quatro categorias: implicações nas atividades de vida diária e atividades de vida de lazer, sentimentos e perspectivas em relação ao futuro. Os principais relatos obtidos foram relativos às restrições na realização de atividades da faixa etária, preocupação com o acessório utilizado, sentimentos de vergonha, desejo de reconstituição do trânsito intestinal ou urinário. As crianças apresentaram dificuldade de expressar suas vivências a respeito da estomia. Crianças que tiveram suas estomias realizadas em idades precoces mostraram-se mais confortáveis ao falar do tema.Descritores: Estomia. Crianças com deficiência. Percepção.AbstractThe aim of the study was to understand how children experience the impact of having a stoma. This was a qualitative study using semi-structured interviews to collect data. The subjects were school-age children with a stoma, who attended a pediatric surgical service. Data analysis revealed four influence factors: limitations in daily life and recreation activities, and feelings and perspectives about the future. Most of the children reported difficulties in performing age-related activities, concerns with the ostomy device, and feelings of shame, and expressed the desire to have the continuity of the urinary or intestinal tract reestablished. The children had difficulty in expressing their experiences with the stoma; children who had ostomy early in life were more comfortable talking about the subject.Descriptors: Ostomy. Disabled children. Perception.ResumenEl estudio tuvo como objetivo entender cómo los niños experimentan el estoma. Se trata de un estudio cualitativo que utilizó la entrevista semiestructurada para la recolección de los datos. Los sujetos del estudio eran niños en edad escolar, con estomas, atendidos en servicios de cirugía pediátrica. En el análisis de los datos emergieron cuatro categorías: implicaciones para las actividades de la vida diaria y actividades de ocio, los sentimientos y visiones para el futuro. Los principales resultados que se obtuvieron fueron en relación con las restricciones en la realización de actividades propias de la edad, la preocupación por el uso de accesorios, el sentimiento de vergüenza y el deseo de la reconstitución del tránsito urinario o intestinal. Los niños tuvieron dificultad para expresar sus experiencias sobre el estoma. Los niños en los cuales fueron realizados sus estomas en edades tempranas demostraron sentirse más cómodos al hablar sobre el tema.Descriptores: Ostomía. Niños con discapacidad. Percepción.IntroduçãoA infância, que vai desde o nascimento até aproximadamente o décimo-segundo ano de vida, é um período de grande desenvolvimento físico, social e psicológico, sendo que o desenvolvimento psicológico é característica primordial, o qual envolve mudanças graduais no comportamento da criança e na aquisição das bases de sua personalidade 1.É na idade escolar que as habilidades físicas, psicossociais, cognitivas e morais são desenvolvidas, expandidas, refinadas e sincronizadas de forma que o individuo possa vir a ser membro aceito e produtivo dentro da sociedade; a percepção de bem-estar é baseada em fatos prontamente observados como a presença ou ausência de enfermidade 1.Em termos gerais, a criança precisa ter suas necessidades satisfeitas para alcançar o desenvolvimento e crescimento adequado; e na presença de problemas de saúde, conta com recursos limitados para enfrentar as situações desconhecidas e dolorosas que a doença pode causar. Assim novas necessidades se fazem presentes e precisarão ser satisfeitas para minimizar as conseqüências negativas do processo de adoecimento 2.A intervenção cirúrgica e a confecção de um estoma são situações de saúde que podem gerar um episódio de alteração psicológica onde a criança precisa de apoio para resolver a crise, isto se deve principalmente ao desenvolvimento imaturo, à incapacidade de raciocinar logicamente e considerar as razões reais para a experiência de ter um estoma. Fatos como procedimentos dolorosos e invasivos podem ser interpretados de forma equivocada pela criança, que poderá entendê-los como punição, sentindo-se culpada por isso. Faz-se necessário proporcionar situações de apoio que facilitem a percepção da realidade, a fim de favorecer a expressão de emoções e sentimentos de ser uma criança com estoma 2.A realização de um estoma na criança, além de afetar a integridade corporal, afeta também a capacidade funcional, o convívio social e a qualidade de vida em geral, gerando grande impacto no cotidiano da criança e seus familiares. Entre as atividades afetadas estão as atividades de vida diária (AVD) que são parte do contexto infantil, especialmente as básicas como as de auto manutenção: banho, vestuário, alimentação, uso do banheiro, higiene oral e comunicação. O bom desempenho na realização das mesmas pela criança irá favorecer o desenvolvimento da sua independência bem como sua participação em seu ambiente domiciliar 3.Neste contexto de mudanças as atividades de lazer também podem estar prejudicadas, como por exemplo, atividades de jogos e brincadeiras, as quais representam uma fonte de conhecimento sobre o mundo e sobre si mesmo, contribuindo para o desenvolvimento de recursos cognitivos e afetivos que favorecem o raciocínio, tomada de decisões, solução de problemas e o desenvolvimento do potencial criativo da criança 4.O processo de enfrentamento e adaptação ao estoma depende de vários fatores condicionantes básicos como: idade, gênero, estado de saúde, orientação sociocultural, dinâmica familiar, estilo de vida, entre outros 5.Nas crianças, as estomias podem ser indicadas como tratamento de malformações congênitas, traumas, doenças inflamatórias e neoplasias do trato gastrointestinal, respiratório e sistema urinário. Em dependência do processo patológico e sua evolução, as estomias podem ser de caráter permanente ou temporário 6.A justificativa para a realização desta pesquisa se deve ao fato de responder a alguns questionamentos vivenciados pelos profissionais de enfermagem ao lidar com as crianças estomizadas, principalmente no que se refere à forma como a criança se vê com o estoma e posteriormente favorecer a elaboração do plano de cuidados com a criança pelo enfermeiro.Objetivo Este estudo teve como objetivo identificar como a criança vivencia ser/ estar estomizada, sob os aspectos das implicações nas atividades de vida diária, atividades de lazer, sentimentos e perspectivas em relação ao futuro.MétodosTrata-se de um estudo de abordagem qualitativa, que utilizou a técnica de entrevista semiestruturada, com um instrumento elaborado pelos próprios autores para a coleta dos dados.O método qualitativo propicia a valorização dos aspectos emocionais psicodinâmicos mobilizados nos sujeitos investigados. Este método busca dar interpretações a sentidos e a significações trazidas por tais indivíduos sobre os múltiplos fenômenos pertencentes ao binômio saúde-doença5.O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição pelo protocolo nº059/2007. Antes do início da pesquisa foi apresentado o objetivo da investigação aos pais das crianças e destes os que aceitaram participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.A amostra do estudo foi constituída de três crianças com estomias, atendidas nos serviços ambulatoriais de cirurgia pediátrica em um hospital de ensino de Brasília. Utilizaram-se como critérios de inclusão no estudo: ser criança com estomia, idade entre seis a 12 anos; cuja estomia tenha sido realizada no mínimo há 15 dias antes da entrevista com o pesquisador; ter capacidade de pensar de maneira lógica (criança em idade escolar) e de se expressar por meio de palavras e comportamentos; aceitar participar da pesquisa com a autorização dos pais.A identificação da amostra foi realizada no período de dezembro de 2007 a junho de 2008, quando foram consultados os Livros de Registro de Cirurgias dos períodos de janeiro de 2004 a maio de 2008. Por meio da consulta a estes documentos foram identificados os nomes e os registros de prontuário de 32 crianças com estomias. Posteriormente esses prontuários foram consultados para obter informações como idades das crianças e telefones de contato. Das 32 crianças, 29 foram excluídas por não se encaixarem nos critérios de inclusão ou outras situações: quatro crianças tiveram suas estomias reconstituídas; uma já tinha mais de doze anos de idade; uma foi a óbito; dezesseis crianças tinham menos de seis anos; seis não foram localizadas e uma apresentava traqueostomia, tendo dificuldades para comunicarse verbalmente. Ao final, a amostra foi constituída de três crianças, nomeadas com as letras maiúsculas do alfabeto A, B e C, a fim de manter o anonimato. A abordagem inicial foi feita com as mães, por meio de telefonema através do qual foram explicados os objetivos do estudo e, após o consentimento verbal, foi agendada uma visita domicilia, momento em que assinavam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A conversa com a criança foi feita com a presença da mãe, porém somente a criança respondia às perguntas. A entrevista foi gravada e posteriormente transcrita.Os dados foram analisados por meio de análise de conteúdo e agrupados nas categorias: Implicações nas atividades de vida diária e atividades de vida de lazer, Sentimentos e Perspectivas em relação ao futuro.ResultadosDas três crianças que atenderam aos critérios de inclusão, duas eram do sexo masculino e uma do feminino. As idades das crianças foram seis, sete e oito anos de idade. Clinicamente predominaram a presença de estomas intestinais nas três crianças, sendo que em uma delas havia tanto o estoma intestinal quanto o urinário. As causas da realização dos estomas foram: em duas crianças devido a malformações congênitas, no caso megacólon congênito e em uma devido à extrofia de cloaca com ânus imperfurado. O tempo das estomias entre as crianças variou de um ano e meio a seis anos (média de tempo com o estoma de 4,5 anos).As três crianças apresentaram dificuldades de expressar suas vivências e o que sentiam a respeito de sua condição de estar com estomia. A criança A, com estomia há um ano e meio, durante a entrevista, mostrou-se tímida e manteve seu olhar fixo no chão a maior parte do tempo. Por outro lado, existiram contradições entre suas falas e sua linguagem não-verbal.Deve-se destacar que nos depoimentos obtidos, o aspecto mais enfatizado pelas crianças foi o uso do dispositivo coletor. As três crianças, ao falarem sobre suas estomias, não se referiam especificamente ao estoma -à “abertura” em si- e sim ao dispositivo coletor, como se só existisse a bolsa coletora para eles e não a estomia.• Implicações nas Atividades de Vida Diária e Atividades de Vida de Lazer Pelas falas obtidas, percebe-se que as atividades de lazer/recreação realizadas pelas crianças com estomias são mais passivas:  “... eu não posso jogar bola, nem andar de bicicleta, nem correr”(A) “
...quase a vida toda é diferente, quase a vida toda. Por que eu não posso correr igual aos outros, não posso deitar de bruço, não posso brincar no recreio que tem muito menino”(C)
Atividades de vida diária, como o ato de vestir-se, tornaram-se difíceis de realização, como demonstra o depoimento abaixo:
“...a bolsa atrapalha para vestir roupa, quando vou por sapato... Assim... fica atrapalhando porque eu tenho que pôr a mão na barriga. Vestir a blusa, na hora fica atrapalhando” (B) “
...só abaixo com as pernas abertas” (C)
 As dificuldades que as crianças com estomia apresentaram na execução das atividades de vida diária, como demonstrado na fala de B, podem repercutir no não-desenvolvimento pleno de seu senso de autonomia e competências já que se cria certa dependência aos pais para executar determinadas atividades.Frente a vários questionamentos, foram obtidas as seguintes informações, que podem revelar aspectos relacionados às atividades de vida diária:  “... a diferença de eu não ter que ir ao banheiro todo dia. (...) acho melhor, por causa que eu posso ficar fazendo os meus deveres e minhas coisas e não me enrolar indo no banheiro” (A)
 A criança A reconheceu certo benefício que a estomia lhe proporciona como a diminuição das idas ao banheiro o qual restringia suas atividades diárias. A doença de base da criança A trazia implicações que a levavam a ir freqüentemente ao banheiro, o que trazia prejuízos no aproveitamento de seu tempo e acarretava estresse emocional. Atividades como ir à escola, brincar com os colegas e realizar o dever de casa são muito importantes para a criança em idade escolar, pelo fato de permitir o desenvolvimento cognitivo e físico, além de serem importantes para o desenvolvimento da identidade e das relações sociais 1.Algumas dessas perdas foram vivenciadas pelas crianças entrevistadas como mostram os depoimentos abaixo:   “(...) não posso brincar muito. Porque ela (referindose ao dispositivo coletor) não me deixa jogar bola, correr, que eu adoro correr, principalmente na rua” (A)
“...ainda não vou na escola porque minha mãe não me deixa. É por causa da bolsa, sabe” (B)
“...não posso brincar no recreio que tem muito menino (...) eu brinco lá perto do portão que tem menos meninos”(C)
 As limitações sociais, físicas e de lazer impostas às crianças com estomias podem estar relacionadas à qualidade dos dispositivos coletores. A preocupação excessiva sobre a possibilidade de a bolsa descolar acarretava insegurança, vergonha e medo na criança, afetando suas atividades.  “... a bolsa fica desgrudando a toda hora. De vez em quando ela (referindo-se à mãe) briga e ai ela amarra uma faixa na minha barriga e isso é ruim” (B)
 “...eu fico preocupado se a bolsa vai descolar porque dói muito. A bolsa descola sempre. Quando descola minha mãe troca no banheiro e dói um pouco” (C)
 As conseqüências das freqüentes trocas dos dispositivos coletores repercutiam nas atividades da criança. Na criança B, devido à freqüente atitude da mãe de mostrar-se irritada e tentar segurar a bolsa com faixas que a incomodam e, na criança C porque as trocas de bolsa constituíam momentos dolorosos. Em ambos os casos havia uma valoração subjetiva das crianças frente às trocas dos dispositivos coletores, o que é foi aspecto constante em suas vidas.• SentimentosAs crianças participantes apresentaram dificuldades de expressar seus sentimentos, principalmente a criança, com menor tempo com a estomia. Após perguntar sobre o que sentiam ao ter que viver com essa “abertura”, as falas obtidas, traduzem as dificuldades de expressão emocional:  
 “... não é bom ter essa bolsa grudada o dia todo por que... Sei lá... Não dá pra explicar direito” (A)
“...eu não sei te falar..” (C)
 Durante a entrevista com a criança A percebeu-se contradição frente o seu depoimento e sua linguagem não-verbal. Quando questionado se ficava preocupado quando alguma pessoa tomava conhecimento de sua estomia, a criança A respondeu verbalmente:  “... não me incomoda que outras pessoas vejam” (A)
 - enquanto direcionava a mão para o seu abdome para cobrir com sua roupa uma parte do dispositivo coletor que estava à vista. Este gesto demonstra a preocupação que a criança tem de expor seu estoma. Este fato pode estar relacionado a fatores como a necessidade de aceitação social e sentimentos de vergonha.Alguns estomizados procuram esconder sua condição como forma de evitar o estigma de ser “diferente”. Com as crianças entrevistadas não foi diferente:  “...quando eu brinco com meus amiguinhos eu não fico com vergonha porque a bolsa fica tampada no short. Eles não sabem que eu tenho isso. Eu não falo pra ninguém” (B)
 “...eu tenho vergonha que outros meninos vejam a minha bolsa. Eu escondo elas. Meus coleginhas agora já sabem. Mas eles não podem ver” (C)
 O sentimento de vergonha e medo de rejeição por ser diferente está relacionado à alteração que a criança sofre na sua imagem corporal:  
 “(...) diferente é que eu faço xixi aqui e cocô desse lado (diz assinalando os dispositivos coletores de ureterostomia e colostomia)” (C)
“... quero fazer xixi no “pintinho” e ter vida como todo mundo e não ter que usar mais essas bolsas” (C)
 Conforme os depoimentos mostram, a maioria das crianças com estomias entrevistadas não gostavam de viver com um estoma: “... não é bom porque ... sei lá... não dá pra explicar direito” (A) “...é muito ruim e eu não gosto dela, sabe por quê?”(B)• Perspectivas em relação ao futuroAs perspectivas das crianças para o futuro confluem para um mesmo desejo: a reconstituição do trânsito intestinal e urinário. Pelos depoimentos, conclui-se que eles aguardavam com muita ansiedade a oportunidade do fechamento dos estomas para realizar atividades típicas da faixa etária:  “... eu queria tirar essa bolsa, por causa que não posso brincar muito. Por que ela não me deixa jogar bola, correr, que eu adoro correr, principalmente na rua” (A)
 “... eu quero fazer a cirurgia pra fechar. Então eu vou poder vestir as roupas, brincar mai” (B)
 Os escolares estomizados refletiram sobre quais limitações poderão ser revertidas após a cirurgia reparadora. A principal atividade que querem retomar é o “brincar”. Este fato deve-se ao fato de que as brincadeiras estão relacionadas intimamente ao desenvolvimento psicossocial, cognitivo e físico da criança.Como é demonstrado no depoimento seguinte, a criança desejava superar sua condição de estomizado por meio da recuperação da sua função corporal, no esforço de sentir-se normal:  
 “... meu maior sonho é que eu quero fazer xixi no “pintinho” e ter vida como todo mundo e não ter que usar mais essas bolsas” (C)
DiscussãoA percepção da estomia entre as crianças entrevistadas foi que a bolsa coletora é vista como uma extensão do próprio corpo, uma vez fixada ao abdome uma vez que permite a materialização da vivência do corpo alterado e a mediação da percepção da qualidade do sofrimento do estomizado7 • Implicações nas Atividades de Vida Diária e Atividades de Vida de Lazer Na idade escolar, a criança retém os conceitos de temporalidade, de continuidade e, portanto entende a situação vivenciada. Segundo o modelo proposto por Jean Piaget, a criança desta faixa apresenta-se no estágio operacional concreto do desenvolvimento. É nesse estágio que ela consegue desenvolver o raciocínio indutivo, bem como superar mudanças e considerar a relação lógica envolvida nos acontecimentos 8.A presença do estoma gera mudanças na vida da criança que exigirão adaptação e aceitação. A criança na fase escolar tem capacidade cognitiva de tomar consciência das limitações causadas pela estomia em suas atividades de vida diária, incluindo, especialmente, atividades de lazer/recreação típicas da faixa etária. O tamanho maior e força das crianças nos anos escolares e o aperfeiçoamento das habilidades motoras contribuem para o desenvolvimento de atividades e jogos físicos 9. Durante esta fase as crianças correm rápido e pulam cada vez mais longe. Elas estão constantemente explorando as novas habilidades motoras.As razões para tais restrições estão principalmente relacionadas a orientações médicas que visam o não desenvolvimento de complicações físicas. A idéia de conviver eternamente com estomia e o equipamento coletor, muitas vezes provocam impacto negativo em suas vidas, apresentando reações emocionais como raiva, vergonha e depressão 10.As atividades físicas proporcionam vários benefícios para as crianças. Ajudam a promover o crescimento muscular e ósseo e o desenvolvimento cardiovascular. Também podem fornecer às crianças a possibilidade de aprenderem habilidades sociais importantes como trabalhar em grupo, além de permitir a utilização de habilidades cognitivas na elaboração de novas estratégias de jogo 9. Estes benefícios não são totalmente vivenciados pelas crianças com estomias. É necessário, portanto a busca de novas formas de atividades específicas para este grupo.A criança escolar luta pela aquisição do senso de realização e autonomia, superando, ao mesmo tempo, sentimentos de inferioridade. O objetivo central do desenvolvimento na segunda infância é o domínio das tarefas cuja conseqüência é aumento do nível de independência e distanciamento dos pais. A presença de doenças crônicas e/ou estomias e/ou deficiências físicas no escolar podem afetar a sua capacidade de realização e competição 2.Para crianças e adolescentes, bem-estar pode significar “... o quanto seus desejos e esperanças se aproximam do que realmente está acontecendo. Também reflete sua prospecção, tanto para si quanto para os outros...” e, é sujeito a alterações, sendo influenciada por eventos cotidianos e problemas crônicos 11.Uma condição crônica de saúde, como no caso da estomia, torna a pessoa mais triste e sem perspectiva levando-a ao isolamento social 12. Desta forma, o paciente tem sua qualidade de vida afetada.  • SentimentosA emoção é padrão complexo de transformações corporais e mentais que inclui excitação fisiológica, sentimentos, processos cognitivos e reações comportamentais como resposta a uma situação considerada significativa em termos pessoais 13.O estigma é um tributo depreciativo e um tipo especial de relação entre atributo e estereótipo, ou seja, o individuo é desqualificado para uma aceitação social plena quando tem uma fraqueza ou defeito físico 14.Para evitar a desacreditação social, o estomizado não revela sua deficiência para conhecidos pouco próximos e encobre sua condição através de utilização do vestuário 7 como no caso das crianças entrevistadas.A “manipulação da informação social” sobre o desvio/diferença constitui uma estratégia de preservação da identidade social prévia 7. É nesse aspecto que pode surgir um elevado nível de ansiedade entre os estomizados quanto a existir ou não o estoma, contar ou não, mentir ou não e para quem, quando, como e onde 8.Isso ocorre porque todo ser humano constrói, ao longo de sua vida, uma imagem de seu próprio corpo, que se ajusta aos costumes, ao ambiente em que vive, enfim, que atende as suas necessidades para se sentir situado em seu próprio mundo 7. O desajuste da imagem corporal de um indivíduo as exigências da sociedade pode transformá-lo em alvo de atitudes de rejeição. E é esta rejeição que a criança com estomia evita.A repercussão no campo emocional é mais acentuada em caso de crianças maiores, já que tem outras inserções sociais além do campo familiar. Como a criança com estomia apresenta dificuldade para acompanhar as atividades de outras crianças da mesma idade, essa situação pode desencadear de comportamentos de insegurança, isolamento social, recusa aos cuidados, receio de expor-se e da rejeição do grupo social, agressividade, apatia, falta de estimulo para suas realizações 15 • Perspectivas em relação ao FuturoA pessoa que apresenta um corpo imperfeito torna-se estigmatizado. O portador de estomia intestinal por julgar-se diferente, ou seja, por não apresentar as características e os atributos considerados normais pela sociedade tende a ser estigmatizado. A criança estigmatizada devido à estomia, além de ter a auto-imagem corporal afetada, luta por construir a sua identidade sociail 14 e assim no futuro poder participar da sociedade na qual convive e cresce.  ConclusõesAs vivências expressadas pelas crianças reafirmam sua individualidade e rompem a visão que o adulto deve, necessariamente, atuar como mediador na expressão das experiências do infante. Esta nova perspectiva de valorização da criança enquanto sujeito permitirá uma melhor atuação da enfermagem visando os aspectos biopsicossociais dos menores estomizados.Durante o estudo, as crianças apresentaram dificuldade de expressar suas vivencias a respeito da estomia. Crianças que tiveram estes procedimentos cirúrgicos realizados em idades mais precoces mostraram-se mais confortáveis ao falar do tema. A criança com menor tempo com estomia apresentou maior dificuldade para expressar suas experiências e sentimentos. Esta particularidade pode estar relacionada ao fato desta criança estar em fase de desenvolvimento de estratégias para o enfrentamento das mudanças cotidianas que acontecem devido à estomia.O impacto da estomia na vida da criança repercute no seu desenvolvimento biopsicossocial . A realização de uma estomia gera mudanças profundas no modo de vida também no âmbito emocional que exige a criação e utilização de estratégias, que devem ser pesquisadas junto aos pais, professores- em especial da área de educação física- e, profissionais de saúde para enfrentar essa condição.A compreensão das particularidades das crianças nesta condição, e a abordagem profissional podem atenuar o sofrimento e a não-aceitação da estomia. O conhecimento das vivências da criança com estomia poderá oferecer subsídios aos profissionais da saúde para promover mudanças no paradigma do atendimento, repercutindo na qualidade dos serviços de saúde prestados a esta criança.O conhecimento acerca das vivências de crianças com estomias ainda é muito restrito, há necessidade de estudos longitudinais, com grupos maiores, para que se possa planejar a assistência de saúde integral e integrada a esse grupo e sua família.


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Published

2016-03-23

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1.
Valdes AG, Kamada I, Cristo R de C, Costa SB da, Faustino AM. Artigo Original 2. ESTIMA [Internet]. 2016 Mar. 23 [cited 2024 Dec. 21];8(3). Available from: https://www.revistaestima.com.br/estima/article/view/60

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