Entrevista

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  • Marco da Estomaterapia Brasileira

Resumo

Marco da Estomaterapia Brasileira A paulistana Vera Lúcia Conceição de Gouveia Santos, a princípio, pensou tornar-se farmacêutica ou bioquímica, mas, felizmente, foi na Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo que concluiu a graduação. De tudo o que aprendeu a professora Vera afirma que atualização constante, liderança e trabalho em equipe são as melhores ferramentas que tem utilizado.Sem dúvida alguma, a entrevistada da Revista Estima é o marco da Estomaterapia no país. Dentre as inúmeras atividades relevantes para a área, professora Vera deu sua grande contribuição no desenvolvimento do primeiro curso de Estomaterapia no Brasil.Sua atuação direta junto à SOBEST, desde sua fundação e durante os anos de presidência e secretaria, caracteriza sua luta pela identidade da especialidade e pelo fortalecimento da enfermagem.É uma das responsáveis pela coordenação de uma trilogia em estomaterapia, cujo primeiro volume foi lançado em 2000 e trata do cuidar de ostomizados. Em parceria com a também estomaterapeuta professora Isabel Cesaretti, já se encontra em fase de elaboração o segundo volume que abordará o cuidar de pessoas com feridas agudas e crônicas.A vivência internacional da professora vai além do curso de especialização, realizado na Espanha, em 1989. Desde 1992, ela participa dos congressos mundiais do WCET e, desde 2001, dos congressos europeus, com apresentação de mais de cinco trabalhos em média, em cada edição. Para orgulho nacional, ela foi a primeira delegada internacional do Brasil junto ao WCET, de 1992 a 1994. Além disso, desde 1998 é membro dos comitês Editorial e de Educação daquele organismo. E para fechar sua biografia com chave de ouro para a estomaterapia, Vera Lúcia foi a responsável pela candidatura do Brasil para sediar o Congresso Mundial em 2004. Nada mais justo do que torná-la presidente do Congresso.Eternamente entusiasmada e otimista, Vera Lúcia enfatiza que, para seguir na Especialidade, o profissional deve “vestir a sua camisa”, o que significa: atualização constante, produção científica e trabalho em prol da SOBEST. “Desta maneira, espero um futuro brilhante para a estomaterapia, por meio de atuação competente e especialidade fortalecida.”Estima – Qual o motivo de sua especialização em estomaterapia?Vera Lúcia Conceição de Gouveia Santos – Desde a graduação, meu primeiro paciente cirúrgico possuía inúmeras fístulas abdominais e um estoma intestinal. Cheguei a fazer um estudo de caso a respeito e obtive êxito. Após a graduação, atuei dois anos em UTI e dois em Unidade Semi-Intensiva, portanto, em área de pacientes mais agudos. Ao sair do hospital e ingressar na universidade, já havia feito incursões na área de ostomias. Como docente, fui uma das fundadoras de um grupo de estudos em ostomias ligado à Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn) e também de um ambulatório para atendimento de pessoas com ostomias no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). A partir daí, todas as minhas atividades acadêmicas passaram a estar relacionadas ao tema ostomias, inclusive minha dissertação de mestrado – que versou sobre irrigação de colostomias – a qual concluí praticamente de modo simultâneo à realização do curso de especialização. Concluí meu doutorado também na área de ostomia. Desse modo, minha motivação foi principalmente acadêmica, e uma vez que a especialidade e o curso de especialização inexistiam no país – e havia regras para o seu estabelecimento – houve condições favorecedoras como a busca incessante de patrocínio para minha ida ao exterior, durante cerca de seis anos; meu mestrado iminente e o oferecimento de intercâmbio por parte da Universidad Complutense de Madrid. Esses fatores, além de minhas atividades específicas na área, culminaram na minha participação do curso de Experto en Estomaterapia para Enfermería, em Madri, em 1989.Estima – Há quanto tempo atua como enfermeira estomaterapeuta?Vera Lúcia – Desde que realizei o curso, em 1989. Durante quase dez anos tive uma atuação clínica, em nível ambulatorial, no Núcleo de Assistência a Ostomizados (NAO) do HC-FMUSP, em caráter de integração docente-assistencial. Essa integração levou o grupo de profissionais do NAO à elaboração de uma portaria para normatização da assistência a ostomizados junto à Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, a qual vigora até hoje. Posteriormente, nos últimos nove anos, venho atuando como especialista somente em nível acadêmico – no ensino e pesquisa – além de ser membro atuante da SOBEST, desde sua fundação, e junto ao World Council of Enterostomal Therapists e ao Ministério da Saúde, no que se refere às políticas públicas de assistência às pessoas com ostomias.Estima – Nesses anos de atuação, como a senhora define as mudanças na enfermagem em estomaterapia?Vera Lúcia – Atualmente, temos o que se poderia chamar de “massa crítica” dentro da especialidade, a partir da formação em três diferentes cursos existentes no país. Ao admitirmos que somos, quantitativamente, mais de 250 estomaterapeutas, e qualitativamente talvez cerca de 150 especialistas, em quase todo o território nacional, verificam-se transformações mesmo que sutis no panorama da assistência, principalmente na área de ostomias e, mais recentemente, também em feridas. Há serviços de estomaterapia em organização; há uma participação mais efetiva dos especialistas junto às Secretarias de Saúde, principalmente em nível municipal, na implementação de normas e protocolos de atenção; padronização de produtos; organização de eventos científicos como jornadas e simpósios e outros. Devemos ressaltar a fundação da SOBEST como um grande marco político e científico da especialidade. A estomaterapia, porém, “sofre” dos males que atingem a profissão enfermagem, como a falta de autonomia e de identidade. Assim, há, ainda, muitíssimo o que realizar.Estima – E qual é o grande desafio para a especialidade?Vera Lúcia – Creio que um grande desafio refere-se ao estabelecimento de normas e padrões de assistência nas três áreas de abrangência da especialidade, o que permitirá, principalmente, maior autonomia uma vez isso seja realizado no âmbito da sociedade e respaldado pelo Conselho Federal de Enfermagem (COFEn), com poder de lei. Além disso, a titulação é um sonho antigo que começa a concretizar-se por intermédio de nossa sociedade, em busca do selo de qualidade para o especialista e, conseqüentemente, para a estomaterapia como um todo.Estima – Atualmente, como caminha a pesquisa em estomaterapia?Vera Lúcia – Ainda é muito incipiente para especialistas com atuação eminentemente clínica, embora seja um aspecto bastante valorizado nos cursos de especialização. Por outro lado, esse é um problema da própria profissão, embora se verifique aumento significativo das bolsas de iniciação científica nos cursos de graduação em enfermagem, além do maior acesso e ingresso de enfermeiros clínicos nos cursos de pós-graduação sensu strictu (mestrado e doutorado). Isso é fundamental para o crescimento da investigação à medida que esses profissionais retornam aos seus campos de prática aplicando os resultados de suas investigações, gerando novos problemas de pesquisa e orientando novos projetos.Estima – Qual é a importância da especialização em estomaterapia?Vera Lúcia – A especialização visa à verticalização do conhecimento e sua aplicação clínica. Assim, espera-se que o estomaterapeuta, por sua atuação especializada e diferenciada, possa gerar melhor custo–efetividade no cuidar, otimizar recursos materiais, reciclar o pessoal, organizar e implementar serviços de estomaterapia, organizar e implementar protocolos de assistência, conduzir projetos de pesquisa, atuar em equipe multidisciplinar e atuar politicamente para o estabelecimento da identidade do especialista e, conseqüentemente, do próprio enfermeiro.Estima – Como está o avanço da área no Brasil?Vera Lúcia – Além dos aspectos mencionados, temos inúmeros produtos de empresas multinacionais e algumas nacionais, que mantêm nosso mercado atualizado; inserção de novas empresas com subsidiárias no país; a organização de futuros cursos de especialização em estados como Bahia e Paraná; a organização do próximo Congresso Mundial do WCET, através da SOBEST; manutenção da demanda por vagas nos cursos de especialização existentes; a revista Estima – da SOBEST; a demanda dos estomaterapeutas para acesso aos cursos de mestrado e doutorado; a criação de novas seções estaduais da SOBEST como Rio de Janeiro e Bahia; as publicações internacionais em revistas importantes para a especialidade como Wounds; Wound, Ostomy and Continence Nursing Journal; Ostomy/Wound Management e WCET Journal. Esses fatos têm atestado o papel de liderança do Brasil no que se refere à estomaterapia na América Latina bem como o reconhecimento internacional de seu desenvolvimento.Estima – Faltam profissionais no mercado nacional?Vera Lúcia – Embora não existam cálculos que determinem o “gold standard” quantitativo para a proporção: número de estomaterapeutas x número e tipo de clientes, conforme a área e o serviço, certamente o número atual (cerca de 250 ETs) é insuficiente para as demandas nacionais. Some-se o fato da distribuição completamente heterogênea dos especialistas brasileiros existentes, que se concentram principalmente em São Paulo.Estima – Qual a sua opinião sobre consultórios de enfermagem em estomaterapia?Vera Lúcia – Constituem mais uma alternativa para a atuação dos especialistas de enfermagem em geral, não apenas em estomaterapia. É fundamental, no entanto, que os especialistas desenvolvam uma visão empresarial e tenham o necessário suporte para o adequado planejamento estratégico relacionado às demandas reais e potenciais do mercado, recursos materiais e humanos também especializados, convênios de saúde e outros.Estima – Qual a importância da SOBEST para os profissionais?Vera Lúcia – A enfermagem, como profissão muito recente no cenário da saúde, não se caracteriza por aquilo que denominamos “espírito de corpo”, o que lhe tem sido prejudicial ao implicar lutas absolutamente isoladas e, portanto, sem ou com poucos resultados coletivos. A SOBEST é produto de uma luta coletiva, daí todas as dificuldades que enfrenta no desempenho de suas inúmeras atividades. Nunca devemos nos esquecer de que a sociedade científica não é um ser em si mesmo, ela somente existe ao integrar pessoas. Desse modo, perguntar o que a sociedade pode fazer por nós nunca foi e nunca será a boa e correta questão.Estima – Qual sua impressão sobre a revista Estima e o que espera para as próximas edições?Vera Lúcia – A revista Estima é a concretização de um sonho antigo que a atual gestão teve coragem para tornar realidade, apesar dos momentos difíceis que enfrentam as edições científicas de enfermagem no país. De qualquer modo, agora ela está presente em nossas vidas de estomaterapeutas e temos a obrigação de prestigiá-la. Isso significa que dispomos de um veículo de comunicação específico e, portanto, devemos escrever, publicar. A revista consiste num grande estímulo para todos aqueles que desejavam relatar suas experiências clínicas e para aqueles que iniciaram ou que gostariam de iniciar investigações científicas. É fundamental que os especialistas que identificam questões de pesquisa em sua prática busquem orientação para o desenvolvimento de trabalhos cujos resultados não somente enriquecerão a revista, a clínica e os pesquisadores como, principalmente, subsidiarão as evidências científicas para a prática especializada. Esses aspectos possibilitarão à revista atingir os critérios para indexação em bases de dados cada vez melhores.

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Publicado

2003-09-01

Como Citar

1.
Brasileira M da E. Entrevista. ESTIMA [Internet]. 1º de setembro de 2003 [citado 22º de novembro de 2024];1(3). Disponível em: https://www.revistaestima.com.br/estima/article/view/132

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Seção

Artigos