Artigo Original 4 - Percepções de Familiares com Criança Estomizada sobre o Grupo de Apoio
Resumo
Trata-se de estudo realizado com familiar que cuida de criança estomizada. Os objetivos traçados foram para analisar
o momento no qual o familiar com criança estomizada recebeu informação quanto à existência de um grupo de
apoio e a percepção do familiar quanto à assistência recebida por esse grupo de apoio à criança estomizada. Trata-se
de um estudo exploratório, descritivo, com abordagem qualitativa. Os participantes foram familiares cadastrados em
um serviço para pessoas estomizadas de uma cidade mineira. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas.
Dos dados extraídos das falas dos entrevistados, emergiram dois tópicos para análise, sendo um deles momentos
adotados por profi ssionais para informar a existência de grupo de apoio para familiar com criança estomizada e o
outro, acolhimento como instrumento do cuidado. Evidenciou-se que houve sujeito que recebeu a informação sobre
a existência do grupo de apoio ainda durante a internação hospitalar da criança, enquanto o outro somente foi informado
após decorridos sete meses de pós-operatório. Assim, concluiu-se que ainda há lacuna no acesso à informação
da existência de grupo de apoio por parte dos familiares, e, quando estes frequentaram o grupo, manifestaram segurança
e satisfação com o atendimento recebido.
DESCRITORES: Cuidado da criança. Estomia. Comunicação interdisciplinar.
INTRODUÇÃO
O presente estudo foi derivado da pesquisa intitulada “A vida
em movimento: o familiar e a criança estomizada”1, da qual
emergiram três categorias de análise, sendo uma delas denominada
“Grupos de apoio: acessibilidade à informação por
parte de familiar de criança estomizada”. Primeiramente, é
importante esclarecer que, em relação à indicação do título da
pesquisa, levou-se em consideração que o cuidado da saúde
das pessoas abrange um horizonte de ações no que concerne
ao atendimento de suas necessidades básicas. As ações são
tomadas por movimentos de ida e volta, porque não caminham
somente na direção destinada, uma vez que causam
consequências, geram respostas satisfatórias ou de cunho
insatisfatório no indivíduo ou na coletividade. Há sempre
um elo lógico entre a ação e o seu impacto.
É válido ressaltar que, no âmbito das características
da vida em movimento, no seio da sociedade, a redemocratização
da política de saúde no Brasil intensi cou o
envolvimento de grupos, cada um em sua particularidade
de luta, para formular e tomar decisões no cerne das políticas
públicas. Da movimentação social para a defesa dos
direitos ao acesso à informação e assistência, surgiu, entre
outros, um ambiente favorável a propostas de participação
social efetiva de pessoas estomizadas, com a intenção de
estruturar as demandas de cuidados, isto é, acompanhar
de fato o atendimento de soluções de saúde e incorporar
resoluções como a agenda governamental2.
Entre as conquistas de pessoas estomizadas, tornando-as
seres de direitos, cita-se a legislação que inclui a estomia como
de ciência física3. A lei regulamenta a acessibilidade de pessoas
de cientes, dá destaque para indivíduos que têm estomia,
com ênfase para o acesso à atenção social expressiva nas
vitórias de políticas públicas. Na esteira do processo político,
a lei privilegia aspectos operacionais de acesso à assistência
social e confere relevância aos interesses de pessoas estomizadas,
signi cando situar o usuário dos serviços públicos
como centro de atenção.
Portanto, a acessibilidade à informação da existência
de grupos de apoio e a possibilidade de alcance para
a utilização desse espaço de atendimento são encaradas
como atributo para elevar a qualidade do cuidado
como direito adquirido do familiar da criança estomizada.
A informação deve acompanhar o atendimento
desde o período de pré-operatório até a sequência da
vida após a alta hospitalar. Nesse contexto, leva-se em
consideração o acesso universal e a atenção integral a
toda população brasileira, instituído entre os objetivos
do Sistema Único de Saúde4.
Grupo de apoio tem como marca a reinserção social da
pessoa estomizada, focando a independência desta para o
autocuidado e o restabelecimento da autonomia relativa à
vida cotidiana. Uma vez que o indivíduo não se caracteriza
apenas como ser biológico, deve ser apreendido em suas
múltiplas dimensões de ser social, assim as intervenções
de saúde devem ter abrangência interdisciplinar, fundada
sobre a troca de práticas e saberes entre os pro ssionais, a
pessoa estomizada e a família. Assinala-se que o elemento
nuclear do grupo de apoio é a assistência à reabilitação, na
qual o conjunto de ações deve convergir para responder as
carências e as necessidades de indivíduos, a m de tornar o
processo de viver estomizado menos insatisfatório.
Diante do exposto, este estudo elaborou as seguintes
questões norteadoras: quando o familiar que cuida de
criança estomizada recebeu informação quanto à existência
de grupo de apoio? Qual foi a percepção do familiar quanto
à assistência recebida pelo grupo de apoio?
OBJETIVOS
Os objetivos deste trabalho foram analisar o momento no
qual o familiar com criança estomizada recebeu informação
quanto à existência de grupo de apoio e analisar a percepção
do familiar quanto à assistência recebida pelo grupo de
apoio à criança estomizada.
MÉTODOS
O caminho metodológico traçado foi de natureza exploratória
descritiva, com abordagem qualitativa. O método
qualitativo deixa transparecer a compreensão da lógica do
objeto de estudo, seja este os grupos, as instituições ou os
atores sociais5 . É um tipo de abordagem que possibilita a
proximidade com o problema da pesquisa, com a nalidade
da exposição explícita das informações que cercam o tema.
O cenário utilizado para a investigação foi um serviço
destinado a atender pessoas estomizadas de uma cidade
mineira. A escolha por tal serviço deu-se em razão de
ele abranger outras cidades na esfera da municipalização
do Sistema Único de Saúde. Na época da investigação,
o serviço encontrava-se em funcionamento há mais de
duas décadas e apresentava uma equipe composta por
um assistente social, um estomaterapeuta, um médico
e umpsicólogo, os quais ofereciam atendimento individual
na sede e, também, em visitas a unidades de internamento
de hospitais da localidade. Ainda realizavam,
na sede, reuniões grupais com pessoas estomizadas para
promover uma ajuda mútua.
Os participantes eram familiares que cuidavam de crianças
estomizadas, cadastradas no serviço que serviu de cenário
para este estudo. No período de elaboração do projeto de
pesquisa, o serviço mencionado contava com cinco crianças
cadastradas. No momento destinado para proceder à coleta
de dados, foram encontrados somente dois familiares, cada
qual cuidando de uma criança, e foram eles os participantes
desta investigação.
Os motivos que levaram à exclusão do estudo os
outros três familiares foram os seguintes: uma criança
faleceu; a outra tinha residência em localidade diferente
da registrada nos arquivos do serviço, o que impossibilitou
o acesso ao novo endereço residencial; a terceira criança
encontrava-se internada para recuperação cirúrgica para
corrigir uma complicação da estomia e o familiar não se
encontrava em condições psicológicas favoráveis para
participar da entrevista. A julgar pela relevância da relação
familiar-criança estomizada-pro ssionais de saúde,
decidiu-se prosseguir com a realização desta pesquisa,
embora com a participação de apenas duas pessoas, por
conta dos pressupostos implícitos dessa relação na assistência,
capazes de revelações promissoras.
O instrumento de coleta de dados foi uma entrevista semiestruturada
dirigida ao familiar, que constou da seguinte questão
disparadora: você recebeu informação sobre a existência de um
grupo de apoio para assistência à criança estomizada? Qual foi
sua percepção sobre o trabalho desenvolvido pelo grupo? Também
foram levantados dados quanto à idade das crianças e aos motivos
que as levaram a terem estomias. O procedimento para
a coleta de dados foi realizado por meio de entrevistas
agendadas em locais indicados pelos participantes, sendo
eleitas as residências dos próprios familiares. Os dados
coletados foram organizados e analisados em tópicos, mediante
o conteúdo das mensagens expressadas pelos entrevistados.
No arranjo das mensagens, surgiram dois tópicos para análise:
momentos adotados por pro ssionais para informar
a existência de grupo de apoio para familiar com criança
estomizada e acolhimento como instrumento de cuidado.
Os entrevistados foram identi cados com os termos Sol e
Lua, para manter o anonimato.
Para realizar esta pesquisa, obedeceu-se aos princípios
e diretrizes do Conselho Nacional de Saúde, que
trata de pesquisa com seres humanos, e ela foi aprovada
sob o parecer no 147/2011.
RESULTADOS
Os familiares, participantes deste estudo foram duas mães
das crianças estomizadas. Uma delas tinha 30 anos de idade
e a outra 33. No que diz respeito às idades das crianças, uma
tinha 11 meses e a outra 2 anos de vida.
Quanto às causas que desencadearam a realização da
estomia nas crianças, encontravam-se as anomalias de megacólon
congênito e imperfuração anal. A primeira anomalia
manifesta-se com quadro de obstrução intestinal, podendo
aparecer em neonatos e adultos6 . A outra anomalia mencionada
trata-se da ausência de abertura anal, diagnóstico de
fácil detecção no momento da realização do exame de rotina
do recém-nascido, logo após o nascimento, na sala de parto.
A seguir, serão apresentados, em dois tópicos, os resultados
que responderam aos objetivos do estudo: o primeiro
tópico refere-se ao momento em que os familiares receberam
a informação sobre a existência do grupo de apoio, e o
segundo expressa as percepções desses familiares quanto às
orientações recebidas neste grupo de apoio.
Momentos adotados por
profi ssionais para informar a
existência de grupo de apoio para
familiar com criança estomizada
Quando os entrevistados foram questionados quanto
ao momento em que “receberam” a informação sobre a existência
e o local de funcionamento do serviço especializado
para atender pessoa estomizada, ou seja, o grupo de apoio,
obtiveram-se as seguintes respostas:
No dia da alta hospitalar, a enfermeira, o médico e a assistente
social informaram-me o endereço de serviço de ostomizados
e disseram-me que lá eu tinha acompanhamento e recebia
bolsa para colostomia. (Lua)
Depois de sete meses de cirurgia o médico mostrou para
mim a bolsinha e explicou onde funciona o serviço de
ostomizado. (Sol)
As falas con rmam que o acesso à informação foi, muitas
vezes, adiado a uma fase além de tardia do pós-operatório.
Também cou evidente, no caso de uma das depoentes, que
havia um único pro ssional que prestava informação acerca
do serviço especializado para estomizado.
Acolhimento como
instrumento do cuidado
Esta categoria surgiu por meio das percepções dos participantes
desta pesquisa, no que diz respeito ao atendimento
do serviço especializado para pessoas estomizadas. Sem desconsiderar
a atenção recebida durante a fase de internação
hospitalar, o termo “acolher” surgido referia-se somente ao
atendimento especializado prestado pelo grupo de apoio.
As falas foram as seguintes:
Qualquer dúvida que tenho do cuidado eu vou lá no núcleo
e recebo esclarecimentos e co tranquila. (Lua)
Eu tenho só que agradecer a equipe do núcleo pelo apoio
que tive. Os pro ssionais me acolheram num momento
que mais precisei [choro]. (Sol)
Em outra fala de Sol:
Percebi que houve negligência do médico pela demora de
falar pra mim da existência desse núcleo, só depois de sete
meses de cirurgia que ele falou do serviço. Lá recebo bolsinha
para colostomia, as explicações, dá segurança para
lidar com a criança. (Sol)
Os relatos dos entrevistados traduzem a grandeza que
representou o serviço organizado para a clientela com os
problemas específicos já citados. No entanto, um deles
lamentou o fato de ter tido acesso à informação desse serviço
somente após sete meses da cirurgia. O “choro” manifestado
signi cou lembranças de di culdades enfrentadas
para cuidar da criança.
DISCUSSÃO
Quanto mais orientada é uma pessoa, seja em qualquer
aspecto da vida, mais opções para auxiliá-la nas escolhas
possui; consequentemente, isso a deixa impregnada
pelo sentimento de liberdade, porque a orientação liberta
o indivíduo da desinformação, enfim, da ignorância.
Compreende-se que a informação, o conhecimento, permite
alargar horizontes da autonomia e da independência.
O indivíduo nessa condição pode assumir a direção que o
leva a avançar na defesa dos direitos humanos e da democracia7 .
Nessa linha de pensamento, há a necessária articulação
entre preservar a saúde ou a cura da doença com processos
que educam o indivíduo, instrumentando-o para a construção
e transformação de condutas da própria vida e também
do plano coletivo.
Portanto, saber da existência de grupo de apoio e a família
e o estomizado terem acesso à assistência oferecida por esses
serviços pode signi car uma forma de ajuda para enfrentamento
de limitações geradas pela alteração da imagem corporal
em razão da presença da estomia. Vale realçar que há sinais
visíveis de que, em 1975, o Brasil deu início à consolidação de
serviço para atender pessoas estomizadas8 . Percebe-se também
a multiplicação contínua desses serviços no âmbito nacional,
somado aos inúmeros eventos cientí cos, excelentes espaços para
atualização do saber. No entanto, ainda se depara com pessoas
desinformadas quanto aos cuidados e à existência de serviços
especializados presentes em sua comunidade. Nas condições
de diagnósticos de megacólon, imperfuração anal, anomalias
citadas neste estudo, presume-se que, para a conduta terapêutica,
a cirurgia que resulta em estomia é de fato indicada. Para
tanto, exigem-se cuidados especí cos desde o pré-operatório
até a pós-alta hospitalar.
Cabe ressaltar que não se deve pensar em um mundo
do trabalho cercado de alta tecnologia, no qual se faz troca,
conservação e desenvolvimento de saberes, sem o ajuste
da relação usuário e pro ssional à estrutura dos anseios da
sociedade à época em que se vive. Atualmente, buscam-se as
formas de raciocínio baseado em evidências, referindo-se ao
uso de informações válidas que dão base para o julgamento
e decisão9 . Portanto, a informação existente, comprovada
cienti camente, acerca de cuidados tem relevo para a vida
do sujeito com estomia e este deve ter acesso às informações
pertinentes ao cuidado especializado.
O acesso tardio à informação pode trazer impacto na qualidade
do cuidar, sobretudo quando retarda a indicação para o uso
de bolsa coletora especí ca para estomia. Cabe esclarecer que
o contato constante de fezes na pele tem como consequência o
surgimento de afecção cutânea reconhecida como dermatite de
contato10 . Salienta-se que, na literatura a m, não foram encontrados
estudos que contraindicam o uso de dispositivo infantil
para coleta de e uente intestinal em crianças com estomia.
Outro aspecto revelado neste estudo é o contexto em que a
assistência foi prestada, do ponto de vista da relação pro ssional
e familiar. Para um dos sujeitos, três pro ssionais estavam comprometidos
com essa relação: o assistente social, o enfermeiro e
o médico. Para o outro sujeito, o médico foi o único pro ssional
de referência para dar orientações. A re exão posta nesse contexto
traz à tona que, para a compreensão da condição humana
nos tempos atuais, exige-se um conjunto de saberes religados
para abraçar questões objetivas e aquelas que permeiam a subjetividade
do ser humano. Logo, um único pro ssional não dá
conta de compreender a totalidade da vida das pessoas para dar
respostas na saúde e, sobretudo, na doença. Pois, a multiplicidade
de necessidades básicas humanas pode manifestar alterações11 .
Foi também possível evidenciar neste estudo que os grupos
de apoio ocupam lugar de destaque na vida da pessoa estomizada
e de seus familiares, na perspectiva da convivência com indivíduos
em situação de saúde similar, para trocas de experiências e
aprendizados, assim como para a melhora da autoestima, proporcionando
a reintegração social, considerada comportamento
esperado no processo de reabilitação para quem possui estomia.
Na intenção de ilustrar a grandeza estimada para a existência de
grupos de apoio, há estudiosos12,13 que têm demonstrado preocupação
com o tema. Defendem a compreensão interdisciplinar
do cuidado, agregando valores como compromisso social para
promover assistência livre de riscos.
CONCLUSÃO
Este é um momento reservado para expor algumas re exões
da origem desta investigação a partir de dados obtidos, correspondendo
às falas dos entrevistados. A preocupação gira em
torno de pontuar o saber do familiar que cuida de uma criança
estomizada quanto à informação recebida sobre a existência de
grupo de apoio para pessoa estomizada, a m de se chegar a um
norte do que se deve construir ou evitar no fazer pro ssional.
Veri cou-se que o acesso à informação, por parte do familiar,
apresentou-se de duas maneiras. A primeira maneira expressava
amparo imediato acerca da existência do grupo de apoio, porque
obteve a orientação antes de a criança receber alta hospitalar.
Na segunda, o acesso à informação ocorreu tardiamente.
Ao guiar-se pelas falas dos entrevistados, evidenciou-se que
em um dos espaços hospitalares não havia uma boa comunicação
informativa acerca da existência de um grupo de apoio
para pessoa estomizada, o que delineou fragilidade no saber
do familiar. Também cou claro que o espaço ocupado pelo
grupo de apoio era um local constituído de con ança para se
buscar e receber orientações seguras acerca dos devidos cuidados
com os estomizados.
Concluiu-se que havia um espaço hospitalar ainda carente
de estrutura para dar suporte aos familiares da criança estomizada;
também, que a lógica implícita no funcionamento
do grupo de apoio foi aprovada pelos sujeitos. Portanto, a
estrutura desse serviço, que é assegurada pela legislação14 ,
deve ser mantida e fortalecida para a permanência do atendimento
à comunidade.
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