Estudo Clínico 1
Resumo
ResumoA mielomeningocele (MMC) é caracterizada por um defeito de fusão dos arcos vertebrais, que causa falha no fechamento do canal medular, também conhecida como Spina Bífida. Entre as alterações funcionais encontram-se os problemas de deambulação, alterações de sensibilidade, incontinência anal e bexiga neurogênica. As mudanças no padrão miccional podem gerar alterações em todo sistema urinário, desde infecção do trato urinário, aumento da pressão intravesical e incontinência urinária, até avançados graus de lesão do trato urinário superior, como cálculos urinários, refluxo vésico-uretral, deteriorando progressivamente a função renal devido à pressão e as infecções. Trata-se de um relato de caso acompanhado em uma clínica de estomaterapia no interior de São Paulo, acerca da abordagem e tecnologia utilizada em uma paciente com mielomeningocele e estoma incontinente, posteriormente estoma continente. Obteve-se o consentimento escrito da paciente para a divulgação dos resultados. A utilização de equipamento adequado para cada tipo de estoma favorece a integridade da pele periestoma e proporciona melhora na autoestima, autoconfiança e qualidade de vida. Apesar de todo avanço tecnológico, há falta de informação dos profissionais de saúde a respeito dos equipamentos técnicos existentes no mercado para pessoas com estomas, muitos pólos de dispensação não oferecem opções que favoreçam essas melhorias aos pacientes. Para cuidar de pessoas com estoma é necessário mais do que conhecimento biomédico, mas também compreender como a estomia interfere na vida das pessoas em todos os momentos de sua existência. A importância da interdisciplinaridade na busca de intervenções que propiciem melhora da qualidade de vida é essencial e indispensável.Descritores: Cuidados de Enfermagem. Estomia. Bexiga Urinária Neurogênica.AbstractMyelomeningocele (MMC), also known as spina bifida, is characterized by a fusion defect of the vertebral arches that leads to a lack of closure of the spinal canal. Among the functional changes related to MMC are walking problems, changes in sensitivity, fecal incontinence and neurogenic bladder. Changes in the voiding pattern can result in changes throughout the urinary system, such as urinary tract infections, increased bladder pressure, and urinary incontinence, as well as serious damage to the upper urinary tract, such as urolithiasis and vesicoureteral reflux, which results in progressive deterioration of renal function due to pressure and infections. In this paper, we describe the approach and technology used in the treatment of a patient with myelomeningocele who had an incontinent stoma that improved and became continent. This case was followed-up in an ostomy clinic in a city localized the state of São Paulo, Brazil. Written informed consent was obtained from the patient. The use of the appropriate equipment for each type of stoma maintains peristomal skin integrity, improving self-esteem, self-confidence and quality of life. Despite all technological advances, there is a lack of information among health professionals about the different ostomy supply options available on the market for the treatment of ostomy patients, and many distribution centers do not carry options that could improve the treatment of these patients. The treatment of ostomy patients requires not only biomedical knowledge, but also the understanding of how the stoma affects people’s lives at every moment of their existence. Interdisciplinarity is essential and indispensable in the search of interventions that provide better quality of life to ostomy patients.Descriptors: Nursing Care. Ostomy. Urinary Bladder, Neurogenic.IntroduçãoA mielomeningocele (MMC) é caracterizada por um defeito de fusão dos arcos vertebrais, que causa falha no fechamento do canal medular1. Também conhecida como Spina Bífida, é uma malformação congênita que se forma pela protrusão segmentar das raízes nervosas. O conteúdo da herniação pode ser meninge, medula e das raízes nervosas com comunicação com o espaço subaracnoideo, com maior incidência na coluna lombossacra2. Pessoas com mielomeningocele apresentam alterações anatômicas e funcionais, relacionadas à interrupção entre a comunicação aferente e/ou eferente medular central.A hidrocefalia e o pé torto congênito são as malformações mais frequentes encontradas nesses pacientes. Entre as alterações funcionais, encontramse os problemas de deambulação, alterações de sensibilidade, incontinência anal e disfunção vesical de origem neurológica (DVON).A DVON é um distúrbio miccional causado por alterações neurológicas, ocorre em 90% das pessoas com defeito no tubo neural. Essas alterações acarretam uma disfunção neuromuscular vesical que é secundária à alteração na condução normal de estímulos relacionados à micção2. As mudanças no padrão miccional podem gerar alterações em todo sistema urinário, desde infecção do trato urinário, aumento da pressão intravesical e incontinência urinária, até avançados graus de lesão do trato urinário superior, como cálculos urinários, refluxo vésicouretral, deteriorando progressivamente a função renal devido à pressão e as infecções3.O objetivo do tratamento urológico tem sido diminuir os riscos de lesão do trato urinário superior, controlar a infecção urinária e promover a continência. Estudos apontam que quando o tratamento é iniciado tardiamente o índice de alterações do trato urinário, incluindo a insuficiência renal, é elevado4,5.Pessoas com MMC devem ser acompanhados durante toda a vida, mesmo que o trato urinário inicialmente esteja norma6.A equipe de saúde precisa estar atenta às necessidades dessa clientela, entender as modificações que ela passa e buscar atendê-la na sua integralidade, proporcionando conforto, segurança, apoio e aceitação da sua condição7. Tendo em vista tais considerações, esse relato objetiva apresentar o resultado de intervenções de enfermagem, a fim de contribuir para o cuidado especializado a pessoas com MMC.Caso ClínicoTrata-se de relato de um caso clínico, com assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, de uma pessoa do sexo feminino, 42 anos, solteira, espírita, residente no interior do estado de São Paulo, com mielomeningocele e estoma urinário incontinente à Bricker, em uso de bengala canadense, devido à mobilidade física prejudicada.Foi encaminhada para avaliação de lesão periestomal. Nessa ocasião, usava bolsa para estoma urinário de borracha com válvula para drenagem, cinto de borracha, confeccionado manualmente, com quatro ganchos para fixação pontiagudos e um aro de metal, também de confecção manual, colocado diretamente na pele da paciente, na tentativa de evitar o vazamento de urina (Figura 1, 2 e 3). A paciente fazia uso desse equipamento desde 1970, na época tinha cinco anos de idade, quando realizou cirurgia, por apresentar infecções urinárias de repetição, desde os 7 (sete) meses de vida e pielonefrite.O uso prolongado desse equipamento resultou em uma deformidade abdominal, pela necessidade de apertar o cinto cada vez mais para não vazar urina. Sabe-se que as lesões cutâneas interferem na qualidade de vida.O vazamento de urina restringe a qualidade de vida, podendo provocar um isolamento social, baixa autoestima e insegurança.Ao ser indagada se conhecia outros tipos de equipamentos, informou que sim, mas não se adaptou aos fornecidos pelo polo de dispensação da regional à que pertence, e não lhe foi oferecida outra opção.Como intervenção, realizou-se o tratamento da lesão periestoma com hidrocoloide grânulo e retirado o ponto de pressão, foi colocado um equipamento coletor duas peças para urostomia, com o disco adesivo composto de 2 ou 3 hidrocoloides: carboximetilcelulose sódica associada a gelatina e/ou pectina, bordas duplamente biseladas, ranhuras para melhor acomodação na pele, válvula antirrefluxo e válvula de esvaziamento da bolsa, bem como o cinto elástico ajustável, confeccionado em algodão e nylon, reutilizável e com presilha reguladora de comprimento, com encaixe universal nas extremidades, compatível para a bolsa de estoma intestinal e urinário (Figura 4 e 5). A gelatina é uma substância obtida pela desnaturação do colágeno da pele e/ou dos ossos de animais. A pectina é uma substância orgânica contida nas membranas celulares dos vegetais8.extremidades, compatível para a bolsa de estoma intestinal e urinário (Figura 4 e 5). A gelatina é uma substância obtida pela desnaturação do colágeno da pele e/ou dos ossos de animais. A pectina é uma substância orgânica contida nas membranas celulares dos vegetais8.A paciente passou a adquirir o material em outra DRS, se adaptou ao novo equipamento e não relatou mais vazamento. Refere desconforto ao ter que descolar a base adesiva para troca do equipamento.Em fevereiro de 2006, a paciente procurou o consultório para nova avaliação quanto à possibilidade de realizar cateterismo vesical intermitente limpo (CIL), via uretral, por solicitação do médico que faria a reconstrução do estoma incontinente e criaria um estoma continente. As limitações motoras ocasionadas pela MMC impediram que a mesma realizasse a técnica do CIL, via uretral. Ao receber o diagnóstico, houve desapontamento e choro, pois a expectativa de se obter um resultado positivo era alta e relatou que seu sonho era se tornar continente.Em abril do mesmo ano, a paciente chegou ao consultório para receber orientação sobre o CIL, realizou neste mês a cirurgia reconstrutora de Bricker e confeccionou o estoma continente a Macedo. Essa técnica consiste na construção de um reservatório continente de caracterização cutânea, utilizando um segmento ileal único, o processo de detubulização do íleo define-se o conduto eferente do reservatório, localizado na região umbilical, acrescido à dermoplastia abdominal9 (Figura 6 e 7).Estava utilizando o cateter Foley, duas vias, realizava o exercício de esvaziamento a cada 3 horas e, devido à existência de grande quantidade de muco, infundia 50 ml de solução fisiológica a 0,9% antes de abrir o cateter para o esvaziamento vesical.Foi retirado o Foley e fornecido cateter prélubrificado com uma camada de PVP (polivinilpirrolidona) e uréia, de número 12.Orientado a ingestão hídrica de 2000 ml/dia, CIL a cada 2 horas enquanto houvesse presença de muco, devendo, após essa fase, realizar a cada 4 horas.ComentáriosDurante o processo de ensino/ aprendizagem a paciente mostrou segurança, autoconfiança, perseverança e determinação, embora a mãe mostrasse apreensão, inquietação e insegurança. É de extrema importância o apoio familiar, mesmo que naquele momento também precise de ajuda. As pessoas com MMC apresentam alterações físicas, funcionais e emocionais significativas. Com o avanço tecnológico da medicina a partir da década de 60, com novas técnicas cirúrgicas, maior eficácia da antibioticoterapia e avanço nos serviços de terapia intensiva, a sobrevida dessa clientela aumentou e, consequentemente, as complicações surgiram mais tarde10.Em conjunto, houve o avanço da tecnologia para tratamento da clientela com estoma, quer seja incontinente ou continente, que proporciona melhora significativa na sua qualidade de vida.A equipe interdisciplinar, apoio familiar e inserção do paciente na adesão ao tratamento preventivo e curativo são essenciais na busca da qualidade de vida.A assistência de enfermagem na área de incontinência urinária é ampla e envolve desde a competência clínica até a compreensão individualizada, social, familiar e cultural da cliente11.O cuidado é entendido como um fenômeno resultante do processo de cuidar, pode ser descrito como o desenvolvimento de ações, atitudes e comportamentos, no sentido de promover, manter ou recuperar a dignidade e totalidade humanas. Essas ações devem ter como base o conhecimento científico, a experiência, a intuição e o pensamento crítico, realizadas para e com a cliente12.ConclusãoO resultado obtido nesse estudo de caso nos mostrou que as alterações anatômicas e funcionais relacionadas a MMC, quando a paciente apresenta motivação de ser independente, não são fatores impeditivos para o desenvolvimento das ações do autocuidado, que alcancem melhorias na qualidade de vida.Considerações FinaisAcredita-se que a intervenção de enfermagem nessa paciente poderá contribuir para nortear a equipe de enfermagem durante o cuidado a essa clientela, oferecendo diretrizes para proporcionar conforto, dignidade e prevenir complicações, oferecendo uma assistência de enfermagem digna e humanizada, fundamentada em conhecimento científico.É o momento de o enfermeiro repensar suas ações repetitivas, buscando recursos geradores de novos conhecimentos e comportamentos.A habilidade e conhecimento do profissional na indicação de equipamentos adequados, bem como a colaboração, otimismo e persistência da cliente são fatores essenciais para o sucesso da terapêutica recomendada e possibilitam um retorno mais rápido da paciente ao convívio social.Downloads
Referências
Abrams P et al. Padronização da terminologia da função do trato urinário inferior: relato do Subcomitê de Padronização da Sociedade Internacional de Continência. Urodin & Uroginec. 2003;6(2):29-41.
Greve MJD, Casalis MEP, Barros Filho TEP. Diagnóstico e tratamento da lesão da medula espinal. São Paulo: Roca, 2001.
Abrams P, Cardozo L, Khoury S, Wein A. Editors. Third International Consultation on Incontinence, Edition 2005. International Continence Society. Monte Carlo: Mônaco; 26-29 June; 2004. [Cd-rom].
D’Ancona CAL, Netto Jr NR. Aplicações Clínicas da Urodinâmica. 3ª edição, São Paulo, Atheneu, 2003.
Netto Jr NR. Urologia Prática. 4ª edição, São Paulo, Atheneu, 1999.
Rocha FET et al. Disfunção Vésico-Esfincteriana In Greve JMD, Casalis MEP, Filho TEPB. Diagnóstico de tratamento da lesão da medula espinhal. 1 ed. São Paulo, ed Roca, 2001 cap 5, p 282-3.
Moroóka M, Faro ACM. A técnica limpa do autocateterismo vesical intermitente: descrição do procedimento realizado pelos pacientes com lesão medular. Rev Esc Enferm USP. 2002; 36(4): 324-31.
SOBEST. Definições Operacionais das Características dos Equipamentos e Adjuvantes para Estomas. Rev Estima. 2006;4(4):40-3.
Junior AM, Srougi M. Derivação Urinária Continente na Criança. Urologia Online.v 5, 9 ed, nov- dez,2002, UNIFESP_EPM.
Gagliardi EMDB et al. Infecção do trato urinário In: Fernandes AT, Fernandes MOV, Filho NR. Infecção hospitalar e suas interfaces na área de saúde. 1 ed. São Paulo, Atheneu, 2000 cap. 18, p. 470.
Paula MAB. A prática do especialista na diversidade. Rev Estima. 2008;6(4):33-4.
Brandão ES. Desvendando os segredos do cuidar. In: Brandão ES, Santos I. Enfermagem em dermatologia: cuidados técnico, dialógico e solidário. Rio de Janeiro: Cultura Médica; 2006. p.3-9.