Revisão

Autores

  • Alcione Alves Linhares Enfermeira Especialista em Estomaterapia. Assistencial e Docente do Instituto Nacional do Câncer; Mestranda do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - FENF/UERJ.
  • Norma Valéria Dantas de Oliveira Souza Professora Adjunto do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgico e Professora Permanente do Programa de Pós-Graduação - Mestrado da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - FENF/UERJ. Coordenadora do Curso de Especialização em Estomaterapia da FENF/UERJ. Coordenadora de Ensino de Graduação da FENF/UERJ.
  • Lucia Helena Garcia Penna Professora Adjunto do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Professora Permanente do Programa de Pós Graduação - Mestrado em Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
  • Vilma Villar Martins Enfermeira Obstétrica e Especialista em Cuidado Pré-Natal. Membro integrante do grupo de pesquisa inserido no Núcleo de Estudo Pesquisa Mulher Saúde e Sociedade - NEPEN-MUSAS da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Resumo

Autonomia e Liberdade no Autocuidado do Cliente Estomizado e Educação em Saúde: Revisão de Literatura
Autonomy and Independence in Self-Care of Ostomy Patients and Health Education: A Literature ReviewAutonomía y Libertad en el Autocuidado del Cliente Ostomizado y Educación en Salud: Revisión de la Literatura

ResumoEste estudo tem como objetivo discutir a aplicabilidade da Teoria Crítica da Educação na construção do processo do autocuidado ao cliente estomizado. Trata-se de estudo bibliográfico, sistemático, realizado na Biblioteca Virtual em Saúde, tendo como recorte temporal o intervalo entre 1990 a julho de 2010. Foram selecionadas 16 produções que abordam a prática educativa e estomas. Descritores: estoma cirúrgico e autocuidado. A análise dos artigos mostra que há relação direta da prática do enfermeiro, promotor da autonomia do cliente estomizado em relação ao autocuidado, com as idéias dialógicas e de libertação de Paulo Freire. O cuidado ao estomizado valoriza a individualidade da pessoa e o contexto social na qual a mesma está inserida. Para tal, utiliza como estratégia a valorização do resgate da autonomia do próprio corpo por meio da construção conjunta do conhecimento sobre seu corpo e de sua reabilitação social promovendo, assim, a autonomia da pessoa estomizada. A partir da compreensão das idéias-forças e considerando-se a especificidade dos conceitos utilizados na estomaterapia, entende-se que é primordial educar de forma problematizadora e estimular a capacidade crítica e reflexiva do cliente estomizado, o qual construirá o seu percurso rumo à sua libertação a partir do seu contexto sócio, político, cultural e econômico e de suas características psico-fisiológicas. A prática do cuidar deve basear-se na ação dialética objetivando a apropriação do conhecimento pelo estomizado, para que o mesmo se liberte, conheça seu corpo e maneje sua órtese, aprenda a lidar com as pressões sociais e psicológicas, reintegrando-se ao seu círculo social.Descritores: Estomas Cirúrgicos. Autocuidado. Educação em Saúde.AbstractThe purpose of this study was to discuss the applicability of a critical theory of education in the development of self-care skills in ostomy patients. This was a systematic review of literature carried out by searching the Virtual Health Library (Biblioteca Virtual em Saúde, BVS) database for the period from January 1990 to July 2010. A total of 16 articles on stoma care and educational practices were retrieved. The search keywords were ‘surgical stomas’ and ‘self-care’. The analysis of the retrieved articles showed that there was a direct relationship between nursing practice (the nurse’s effort to promote self-care autonomy in ostomy patients) and the dialogical and liberation ideas of Paulo Freire. The care of ostomy patients should respect the patient’s individuality and social context. This is accomplished using a strategy that values the reinstatementof the patient’s body autonomy through an approach that combines the patient’s knowledge of his or her own body and social rehabilitation, thus promoting the autonomy of the ostomy patient. Starting from the understanding of core ideas and taking into account the specificity of concepts used in enterostomal therapy, we believe that it is of fundamental importance to educate ostomy patients by problematizing their condition and stimulating their critical and reflective thinking, so that they can liberate themselves based on their psychophysiological characteristics and on the social, political, cultural and economic contexts in which they live. Care practice must be based on a dialectic action, such that ostomy patients acquire the knowledge that enables them to liberate themselves, know their body, manage their ostomy and ostomy appliances, and learn to deal with social and psychological pressures, allowing their social reintegration.Descriptors: Surgical Stomas. Self-care. Health Education.ResumenEste estudio tiene como objetivo discutir la aplicación de la Teoría Crítica de Educación en la construcción del proceso de autocuidado al cliente ostomizado. Se trata de búsqueda en la literatura, sistemática, que se realizó en la Biblioteca Virtual en Salud, entre 1990 y julio de 2010. Fueron seleccionados 16 producciones que tratan sobre la práctica educativa y los estomas. Descriptores: estoma quirúrgico y autocuidado. Los resultados muestrearon que existe relación directa de la práctica de enfermería, promoviendo la autonomía del cliente ostomizado para el autocuidado, con las ideas dialógicas y de liberación de Paulo Freire. El cuidado al ostomizado valoriza la individualidad de la persona y el contexto social al cual pertenece. Utiliza como estrategia la valorización del rescate a la autonomía del cuerpo a través de la construcción conjunta de conocimiento de su propio cuerpo y su rehabilitación social promoviendo la autonomía de la persona ostomizada. A partir de la comprensión de ideas-fuerzas y teniendo en cuenta las especificidades de conceptos utilizados en la estomaterapia, es posible priorizar la educación con una tendencia problematizadora y estimular la capacidad crítica y reflexiva del cliente ostomizado, que, basado en su contexto social, político, cultural y económico, y sus características psico-fisiológicas, construirá su propio camino hacia la liberación. La práctica del cuidado debe estar basada en la acción dialéctica centralizando la apropiación del conocimiento por lo ostomizado, para que éste se libere, conozca su cuerpo y maneje su órtesis, aprenda a lidiar con presiones sociales y psicológicas reintegrándose a su círculo social.Palabras-clave: Estomas quirúrgicos. Cuidar de si. Educación en salud.IntroduçãoA Teoria Crítica da Educação tem sua base no diálogo e na problematização, compreendendo o processo educacional como processo dinâmico, interacional e intencional, que tem como sujeitos participantes ativos o educador e o educando. Nessa perspectiva, inserem-se as idéias-forças do modelo freireano, representadas por seis princípios que se caracterizam no diálogo, na reflexão crítica, na conscientização, na problematização, na humanização e na liberdade1.O cliente submetido à cirurgia geradora de estoma apresenta-se com imagem corporal modificada pela mutilação do segmento ressecado, pelo acréscimo da estomia e presença do equipamento coletor aderido à pele no sítio em que se localiza a derivação. Tais circunstâncias podem levar a pessoa estomizada a desenvolver transtornos que dificultarão seu processo reabilitatório2.O processo de reabilitação do estomizado inicia-se no momento em que o diagnóstico é efetuado, constituindo “um processo educativo, criativo, dinâmico e progressivo que objetiva o aproveitamento máximo das chamadas capacidades residuais ou potencialidades do paciente, visando à reintegração ao meio social” 3.A segurança, por meio da educação e da informação, adquire valor fundamental para que o cliente aceite a situação e conquiste autonomia a partir do processo educativo iniciado em busca do autocuidado4. No entanto, esse processo requer do educador habilidades de interação humana na execução do plano terapêutico junto à clientela.Com vista ao processo de reabilitação da pessoa estomizada, o autocuidado adquire centralidade, pois é a partir do desenvolvimento dessa competência que será redefinida a autonomia em relação ao domínio do seu corpo. Nessa perspectiva, desenvolvem-se os eventos assistenciais e educativos entre o cliente e o enfermeiro. “As dúvidas em relação ao autocuidado contribuem para a ocorrência de reações diversas e a equipe de enfermagem possui um importante papel no sentido de atenuá-las, pela possibilidade de atuação voltada para o provimento de informações, ensino do autocuidado ao paciente e família e acompanhamento do paciente no pósoperatório” 5.As ações especializadas direcionadas para a pessoa estomizada podem ser fundamentadas por teorias de cuidado, dentre elas as concepções das enfermeiras Jean Watson, Madaleigne Leninger, Dorothea Orem que abordam, respectivamente, o processo de cuidar sob a ótica da transpessoalidade, transculturalidade e autonomia para o autocuidado.A contribuição dessas teóricas fundamentou a prática dos enfermeiros estomaterapeutas junto aos clientes estomizados, sendo estabelecidos sete princípios norteadores de suas ações. São eles: o cuidado permeado pela processualidade, respeito pela singularidade, adequação do plano de cuidados às fases de desencadeamento, enfoque biopsicossocial, competência profissional, enfoque na complementaridade e prática educativa6.Dentre tais princípios, destaca-se a prática educativa como um pilar do processo de cuidar, principalmente para a obtenção da autonomia do cliente sobre as adaptações do seu corpo e, consequentemente, de sua qualidade de vida diante de qualquer agravo à saúde, como no caso da confecção de uma estomia cirúrgica.A Pedagogia Crítica da Educação foi elaborada por Paulo Regulus Freire que, dentre tantas idéias inovadoras, afirmava que o processo ensino-aprendizagem deveria partir do conhecimento prévio do aluno, considerando-se o seu contexto sócio, político, cultural, econômico. Nessa perspectiva, o aluno deveria ser entendido como ativo e participativo do processo, deixando de ser visto como mero depositário do conhecimento docente7.O alicerce fundamental do discurso e da prática freireana é o socialismo. Assim, foram concebidas suas idéias da Pedagogia Crítica Libertadora8. Essas idéias foram elaboradas segundo os princípios das chamadas seis idéiasforças: o diálogo - princípio da interação que utiliza a linguagem como instrumento; a reflexão crítica - filtragem de informações e encadeamento de idéias; a conscientização - inserção crítica na história; a problematização - supõe a ação transformadora referida ao contexto a partir das ações vividas; a humanização - refere-se ao processo de integração ao mundo do ser humano, respeitadas sua individualidade e características; e a liberdade - transformação e alcance da autonomia através da aquisição do conhecimento9.No estímulo ao autocuidado, é relevante que a prática educativa realizada pelo enfermeiro incorpore e articule as seis idéias-forças trabalhadas por Paulo Freire10 pois, no contexto reabilitatório da pessoa estomizada, busca-se o autoconhecimento sobre seu corpo (integralidade), sua autonomia e a qualidade de sua inserção social. É por meio do compartilhamento do cuidado, da prática dialógica, da utilização da linguagem interativa, na consciência dos fatos, na disposição do enfrentamento e na humanização das ações que o indivíduo conseguirá a transformação e, então, alcançará a libertação1.Este estudo objetivou discutir a aplicabilidade da Teoria Crítica da Educação na construção do processo do autocuidado ao cliente estomizado, tendo como base as produções bibliográficas sobre estoma, prática educativa de enfermagem e autocuidado. Além disso, buscou discutir a aplicabilidade do modelo conceitual da Teoria Crítica da Educação de Paulo Freire no processo educativo do cliente com estomas intestinais e/ou urinários para o alcance de sua autonomia em relação ao autocuidado.  MétodosEstudo bibliográfico, sistemático, no qual se discute a aplicabilidade dos princípios de reabilitação da pessoa estomizada a partir das idéias-forças da Pedagogia Crítica da Educação.Foi elaborado por meio de levantamento retrospectivo de produções científicas indexadas nos últimos 20 anos e teve, como recorte temporal, o intervalo entre 1990 a julho de 2010. Esse período refere-se à fase de maior produção literária em que se utilizaram as obras do educador Paulo Freire, nas quais se fundamentaram os autores citados no presente estudo. A consulta foi efetuada no período de maio de 2008 a julho de 2010, não sendo encontradas produções no ano de 2010, até o encerramento da coleta.A busca bibliográfica ocorreu por meio de investigação de artigos indexados na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), nos formatos resumo ou texto inteiro (conforme disponibilidade no acesso eletrônico), sendo consultadas as bases de dados internacionais National Library of Medicine (MEDLINE), por meio do PubMed - (MESH) e BEDENF, a coleção Scientific Electronic Library Online (SCIELO) e o site CAPES/OVID.No primeiro momento, utilizou-se o descritor estoma cirúrgico para consulta, com o limite autocuidado. Os artigos encontrados nos idiomas português e inglês contabilizaram: 382 publicações no PubMed, em inglês; 5326 publicações no site CAPES/OVID, em inglês; e 5 publicações no Scielo, em português.No segundo momento, a busca eletrônica foi refinada às citadas fontes de dados sendo utilizado o descritor “estomas cirúrgicos” (surgical ostomates) com o limite autocuidado (selfcare) e adicionado o descritor “educação em saúde” (health education). Ao associar os descritores, o resultado foi nulo para esta busca. Portanto, fez-se nova busca por estudos que abordassem autocuidado/educação em saúde.No terceiro momento, foram destacadas as produções específicas sobre estomas cirúrgicos que abordavam o autocuidado e discutidas com as produções que abordavam o autocuidado/ educação em saúde como proposta de alcance da autonomia do cliente com bases na teoria crítica.Foram identificados 16 artigos científicos que apresentavam aproximação com o objeto de estudo, sendo 4 em língua inglesa e 12 em português. Realizou-se a leitura das publicações identificadas. Esse critério de aproximação condicionou-se à abordagem temática da prática educativa como processo realizado pelo enfermeiro quando executa um plano de cuidados ao cliente estomizado, no alcance de sua autonomia em relação ao autocuidado.Como procedimento analítico, adotou-se a relação entre os sete princípios preconizados para o cuidado especializado à pessoa estomizada e as seis idéias-forças que compõem a Pedagogia Crítica de Paulo Freire.  Resultados e discussãoAs 16 produções científicas relacionadas ao objeto de estudo foram organizadas e sintetizadas quanto aos aspectos de: ano da publicação, título da produção e idéias principais do texto (educação em saúde), como se pode verificar no Quadro 1. 

Reabilitação do estomizado a partir dos princípios das idéias-forças da pedagogia críticaConforme análise dos artigos selecionados, todos os autores defendem que a relação de articulação entre conscientização, criticidade e educação é argumento inconteste para o sucesso da aplicação do processo ensino-aprendizagem, conceitos explorados no modelo conceitual de Pedagogia Crítica de Paulo Freire relativo às práticas educativas.A valorização do resgate da autonomia do próprio corpo significa, para o estomizado, uma verdadeira libertação. Aprender a lidar com uma nova condição de anatomia e funcionamento de si mesmo implica a retomada de sua identidade pessoal e coletiva.  “(...)recomenda-se maior ênfase nos aspectos psicossociais quando é realizado o processo de educação ao estomizado, sempre estimulando-o a dissipar pensamentos negativos através da expansão de interações pessoais” 11.O significado do que antes era simples e agora se torna mais complexo é o alvo de transformação da prática educativa em estomaterapia, a qual se estende da realização das ações mais rotineiras como caminhar até as mais inusitadas como esvaziar um coletor, com ênfase na observação da integridade da pele.Nessa perspectiva, considera-se “a educação como uma ferramenta que ajuda positivamente os pacientes durante seu tratamento, mas sua eficácia varia de acordo com o aspecto da doença a ser controlado e as mudanças comportamentais necessárias”11. Assim, sublinha-se a visão freireana de que o apreender/aprender é um processo.Entende-se a processualidade do cuidado ao estomizado como a sua contextualização no tempo, pois exige reflexão crítica do ensinante (enfermeiro) e do ensinado (cliente) em relação às vivências e expectativas de ambos para juntos construírem ações de eficácia. Verifica-se que, “para atender à integralidade há de se incorporar ao cuidar de enfermagem outros elementos que propiciem conhecer o contexto da realidade existencial do cliente”12.Considerando-se a doença oncológica como a principal afecção geradora de estoma, infere-se que “o cuidado a essas pessoas implica em desenvolver a sensibilidade de olhar o Ser como alguém dotado de consciência da situação em que se encontra e que necessita de cuidados direcionados para sua singularidade”13. Nesse sentido, observa-se o respeito à individualidade do ser humano, o que nos remete à utilização da força ação dialógica que considera o indivíduo alvo do cuidado, um ser único e peculiar14.A adequação do plano de cuidados às fases de desencadeamento implica a problematização da situação do cliente, agora com estoma. Ao relacionar este processo com o modelo freireano de apropriação do conhecimento, pode-se destacar que o desencadeamento acontece de forma muito particular em cada cliente. Isto quer dizer que a resposta do cliente a cada fase experienciada no processo reabilitatório é única e remete às ações também únicas por parte do profissional. Esta fase é a mais rica para ambos, pois é a de maior estímulo para aquisição de conhecimentos e habilidades. É também nesta fase e consequente a ela que acontece a conscientização, ocorrência de fundamental importância visto que, a partir dela, fomenta-se a motivação para enfrentamento e superação15.A complementaridade do processo de cuidar da pessoa estomizada significa assisti-lo de forma humanística, como ser gregário e integrado a círculos familiares e sociais. Refere-se à participação direta ou indireta de terceiros no andamento do processo reabilitatório.Quanto à competência profissional para o desempenho deste cuidado, na prática educativa, refere Paulo Freire que “ensinar certo conteúdo implica que o ensinante não deve aventurar-se a ensinar sem competência para fazê-lo”7.Por meio das idéias freireanas de conscientização do aprendizado e da exploração crítica desse processo, apreendeu-se dos textos sobre a possibilidade do enfermeiro ser capaz de dispensar cuidados mais humanísticos. A partir da apropriação dos princípios da Teoria Crítica da Educação, a enfermagem pode promover uma revolução apaziguadora, já que a adoção do modelo conceitual de ensino-aprendizagem de Paulo Freire, na formação educativa do enfermeiro, transformará o perfil das competências desse profissional, revelando intimidade com o processo ao preparar-se como ensinante16.Inclui-se nesse perfil de competências, o domínio dos principais modelos conceituais de enfermagem, com destaque para o modelo de Dorothea Orem, voltado para o aprendizado do autocuidado. A aplicação do modelo conceitual dessa teorista ao processo de ensino-aprendizagem para o autocuidado do cliente estomizado perpassa por uma estreita relação com o modelo de educação crítica de Paulo Freire, pois “as intervenções de enfermagem baseadas no sistema de apoio-educação contribuem para o desenvolvimento da capacidade de autocuidado do paciente. Isto foi facilitado possivelmente porque o cuidado priorizou uma nova visão do indivíduo sobre a situação de saúde”17.O processo ensino-aprendizagem inspirado na abordagem freireana da Pedagogia Crítica considera que o ser humano insere-se verdadeiramente em seu contexto social, ao se conscientizar sobre a integralidade de seu corpo. Por conseguinte, entende-se esta estreita relação do modelo pedagógico em questão e a processualidade do autocuidado, pelos seus aspectos comuns de dinâmica, expressão capacitadora e transformadora, independentemente da matriz epistemológica daquele que está na condição de ensinante ou de ensinado16.No sentido de pensar o autocuidado, como uma busca pela integralidade e autonomia do sujeito, é possível considerar que há relação entre os sete princípios do cuidado à pessoa estomizada e as seis idéias-forças do processo crítico de ensino aprendizagem.A relação de poder entre o indivíduo estomizado (oprimido) e a opressão estigmatizadora das convenções estéticas (opressor) será reconfigurada a partir da conscientização do indivíduo sobre sua condição e de sua inserção social, por intermédio do processo ensinoaprendizagem, favorecendo-se sua autonomia (autocuidado). É através do conhecimento que o estomizado se liberta, pois adquire o domínio de seu corpo e o manejo de sua órtese, aprendendo a lidar com as pressões sociais e psicológicas e reintegrando-se aos seus círculos familiar, social e laborativo.Analisando-se as produções selecionadas neste estudo, é possível considerar que os conceitos, princípios e pressupostos que norteiam a Teoria Crítica da Educação de Paulo Freire são favoráveis ao contexto da estomaterapia e, em especial, ao cuidar do indivíduo estomizado, apontando para um processo ensino-aprendizado de cuidado mais eficaz que, valorizando a busca pela autonomia a partir do seu autocuidado e exercício de sua cidadania, reforça a sua trilha em direção à liberdade e à saúde.Ao desenvolver sua prática assistencial mediatizada pelas concepções freireanas, o enfermeiro especialista em estomaterapia pode e deve considerar-se integrante do processo ensinoaprendizagem quando visualiza a atividade educativa também como um cuidado. Não é mais cabível uma atitude assistencial holística verticalizada, mas sim uma construção dialógica. Neste curso, o ensinante e ensinado podem alcançar a liberdade.  Considerações finaisAs produções científicas destacam ampla relação da prática do enfermeiro, promotor da autonomia do cliente em relação ao autocuidado, com as idéias dialógicas e de libertação de Paulo Freire. Entretanto, ainda verificam-se produções teóricas e não oriundas de avaliações de sua aplicabilidade ou pesquisas ações, que poderiam diagnosticar e promover a transformação da prática clínica na atenção ao estomizado.A elaboração conjunta (cliente e profissionais) dos saberes a serem abordados e discutidos nas ações educativas de clientes estomizados, construída como objeto de pesquisa e de um cuidar dialógico, requer como focos: a análise crítica sobre as particularidades de tais atores, dos modelos assistenciais e suas interferências sobre os mesmos; a distinção dos fatores facilitadores ou mesmo impeditivos do processo de busca pela autonomia e cidadania de ambos; a compreensão do papel e responsabilidade de cada segmento no alcance da melhor qualidade de vida possível; e a avaliação e autoavaliação crítica, contextualizadas sobre quais os processos de ensino-aprendizagem realmente possuem a base na interação e ação pela cidadania.A partir da compreensão das idéias-forças e considerando-se a especificidade dos conceitos utilizados na estomaterapia, entende-se que é primordial educar de forma problematizadora e estimular a capacidade crítica e reflexiva do cliente estomizado que, a partir do seu contexto sócio, político, cultural e econômico e de suas características psicofisiológicas, poderá construir o seu percurso rumo à própria libertação.É factível que a enfermagem se aproprie das idéias-forças da Teoria Crítica da Educação para adequar sua prática educativa ao cliente sob sua assistência, em particular o estomizado, uma vez que em sua prática cotidiana há uma maior possibilidade em estabelecer diálogos junto aos clientes. São necessárias, portanto, ações que despertem os profissionais enfermeiros, particularmente os especialistas, para a construção das ações dialógicas de cuidar, sistematizadas e direcionadas à autonomia desse cliente.

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Referências

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Publicado

2010-12-01

Como Citar

1.
Linhares AA, Souza NVD de O, Penna LHG, Martins VV. Revisão. ESTIMA [Internet]. 1º de dezembro de 2010 [citado 21º de novembro de 2024];8(4). Disponível em: https://www.revistaestima.com.br/estima/article/view/284

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