Revisão

Autores

  • Vilma Villar Martins Enfermeira Mestranda do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – FENF/UERJ. Especialista em Enfermagem Obstétrica. Especialista em Cuidado Pré-Natal.
  • Lucia Helena Garcia Penna Professora Adjunto do Departamento de Enfermagem Materno Infantil e do Programa de Pós Graduação – Mestrado em Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Pesquisadora do Núcleo de Estudo Pesquisa Mulher Saúde e Sociedade – NEPEN-MUSAS da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
  • Maria Angela Boccara de Paula Professora Assistente Doutora do Departamento de Enfermagem da Universidade de Taubaté. Coordenadora do Curso de Especialização (Latu-Senso) de Enfermagem em Estomaterapia da Universidade de Taubaté. Docente do Curso de Mestrado em Desenvolvimento Humano (Strictu Senso) da Universidade de Taubaté. Membro titular da Associação Brasileira de Enfermagem em Estomaterapia: estomas, feridas e incontinências (SOBEST), Membro do World Council of Enterostomal Therapist (WCET).
  • Claudia Dias Correa Pereira Enfermeira Especialista em Enfermagem Obstétrica. Membro integrante do grupo de pesquisa inserido no Núcleo de Estudo Pesquisa Mulher Saúde e Sociedade – NEPEN-MUSAS da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
  • Helder Camilo Leite Enfermeiro Chefe da Maternidade Escola da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Especialista em Terapia Intensiva Adulto/Idoso. Especialista em Enfermagem Obstétrica.

Resumo

Sexualidade, Estoma e Gênero: Revisão Integrativa da Literatura*
Sexuality, Stoma, and Gender: an Integrative Review of Literature
Sexualidad, Estoma y Género: Revisión Integradora de la Literatura
ResumoA sexualidade é parte integrante do processo de viver do ser humano, porém, após a cirurgia para confecção de estoma, fazemse necessárias diversas adaptações no cotidiano da pessoa estomizada. Em se tratando da sexualidade de mulheres estomizadas, somam-se os aspectos relacionados ao gênero, que podem desencadear comportamentos de reclusão e abdicação do prazer. Este estudo objetivou descrever sobre a sexualidade de pessoas estomizadas a partir da identificação, caracterização e discussão da produção científica levantada acerca desse tema, com destaque à sexualidade feminina. Para tanto, realizou-se busca eletrônica de publicações científicas nas bases de dados da Biblioteca Virtual de Saúde utilizando como critérios: idioma português, período de 1999 a 2009 e temática voltada para a sexualidade de pessoas estomizadas. Usaram-se as seguintes palavras chaves: ostomizado, estoma e estomia. Mediante revisão integrativa da literatura nacional, analisaram-se nove publicações. Verificouse que, na maior parte dos estudos, a sexualidade foi abordada sob restrita ótica relacionada à atividade sexual. As produções não focaram as particularidades inseridas nos atributos de gênero associados à sexualidade. Pôde-se perceber uma dicotomia sobre as restrições relacionadas à vivência da sexualidade feminina e masculina. A análise das publicações que abordaram, mesmo que sumariamente, a sexualidade em mulheres estomizadas, possibilitou identificar a necessidade de pesquisas futuras direcionadas e aprofundadas nessa temática, assim como sobre as intervenções de enfermagem no processo de reabilitação da mulher estomizada em relação à sexualidade, incluindo aspectos reprodutivos.Descritores: Estomas cirúrgicos. Sexualidade. Gênero e Saúde.AbstractSexuality is an essential part of the human life. However, after ostomy, a number of adaptations in the daily routine of the ostomy patient must take place. With regard to the sexuality of women who underwent ostomy, there are additional issues related to their gender that can trigger behaviors, leading to reclusion and renouncement of sexual pleasure. The aim of this study was to report on the sexuality of ostomy patients based on the identification, characterization, and discussion of the literature on the subject, with special emphasis on female sexuality. An electronic search of the scientific literature in the Virtual Health Library was carried out using the following search criteria: studies published in Portuguese, between 1999 and 2009, about the sexuality of ostomy patients. The following keywords were used: ostomy patient (ostomizado), stoma (estoma) and ostomy (estomia). Nine studies were retrieved after an integrative review of the Brazilian literature. It was observed that, in most studies, sexuality was approached according to a limited perspective related to sexual activity. These studies did not address gender-related characteristics associated with sexuality. A dichotomy associated with different restrictions related to the female and male sexualities was observed. The analysis of the publications dealing, albeit briefly, with the sexuality of women who underwent ostomy allowed the identification of the need of future research specifically directed to the study of this subject, as well as on nursing interventions in the rehabilitation process of these women, considering their sexuality and including reproductive issues.Descriptors: Surgical Stomas. Sexuality. Gender and Health.ResúmenLa sexualidad es parte del proceso de vivir del ser humano; sin embargo, después de la ostomía son necesarias diversas adaptaciones en el quehacer cotidiano de la persona. Cuando se trata de las mujeres ostomizadas se añaden muchos aspectos relacionados con la categoría género, que podrían desencadenar comportamiento de reclusión y abdicación del placer. Este estudio tuvo como objetivo describir la sexualidad de personas ostomizadas a partir de la producción científica sobre este tema, con énfasis en la sexualidad femenina. Fue realizada una búsqueda electrónica de artículos científicos en Bases de Datos de la Biblioteca Virtual de Salud, utilizando como criterios: lengua portuguesa, período de 1999 a 2009, siendo el tema central la sexualidad de las personas ostomizadas. Fueron utilizadas las siguientes palabras claves: ostomizado, estoma y estomía. Mediante revisión integradora de la literatura nacional, fueron analizadas nueve publicaciones. Se constató que la sexualidad fue abordada, en la mayoría de los estudios, bajo restricta óptica relacionada con la actividad sexual. Las producciones no enfocaron particularidades consideradas como atributos de la categoría género asociados con la sexualidad. Es posible identificar una dicotomía sobre las restricciones relacionadas con la vivencia de la sexualidad femenina y masculina. El análisis de las publicaciones que abordaron sexualidad en mujeres ostomizadas, a pesar de ser resumidamente, posibilitó identificar la necesidad de futuras investigaciones que orienten y profundicen ese tema, y proponer intervenciones de enfermería relacionados con el proceso de rehabilitación en relación a la sexualidad femenina, incluyendo aspectos relacionados con la reproducción.Palabras clave: Estomas quirúrgicos. Sexualidad. Género y Salud.IntroduçãoAo longo da vida, o ser humano enfrenta diversos desequilíbrios no seu estado de saúde, podendo variar desde pequenas alterações até sérias complicações que demandam cuidados intensivos e tratamentos especializados.Algumas doenças do trato gastrointestinal culminam na necessidade da realização de uma cirurgia geradora de uma estomia (colostomia/ ileostomia), podendo ser de caráter temporário ou mesmo definitivo, produzindo assim, um trajeto de desvio das fezes1.A cirurgia de confecção de um estoma pode representar a chance de cura ou melhor sobrevida. Porém, a cirurgia acarreta também a necessidade de diversas adaptações no cotidiano, em decorrência de mudanças que envolvem os planos biológico, psicológico e social, sendo necessário um processo de adaptação à nova condição2.As dificuldades encontradas passam por alterações de auto-imagem, autocuidado, lazer, trabalho e auto-estima, manifestadas frente à necessidade de adaptações em relação a higiene, vestimenta, cuidados com a bolsa coletora, alimentação, eliminação de odores, convívio social, sexualidade , dentre outros, despertando sentimentos de frustração, medo, incapacidade e limitação em diversas situações 2-4.Sobre o corpo feminino, as interferências causadas pela confecção de um estoma podem ser mais complexas. Considerando-se o corpo, as produções e reproduções de seus conceitos, sua relação com a categoria analítica de gênero, constituída a partir da influencia cultural, social e histórica, é possível afirmar que as mulheres sempre tiveram uma maior valorização da aparência externa e de sua condição reprodutiva e sexual, ou seja, é pelo estado de conservação, integridade e beleza que seu corpo é avaliado e valorizado5. Assim, é possível pensar que a presença de um estoma em um corpo feminino, acarreta grandes repercussões sobre a vida da mulher. O corpo da mulher estomizada além de não ser mais íntegro também escapa dos padrões de beleza pré-concebidos e pode ser visto como assexuado e improdutivo, podendo trazer sérias limitações em sua vida, especialmente ao encontrarse em fase reprodutiva.A sexualidade como forma de expressão natural do indivíduo ainda é pouco valorizada na prática da assistência à saúde6. No que diz respeito ao individuo que apresenta uma morbidade indicativa da necessidade de um estoma, é comum os profissionais de saúde direcionarem a assistência a aspectos relacionados ao diagnóstico e tratamento biomédico, ou seja, voltada para a doença e sua cura. Os aspectos mais subjetivos que entrelaçam a vida humana são menos valorizados, dando a falsa impressão de que a sexualidade não faz parte da saúde humana. Dessa forma, freqüentemente o percurso pós-cirúrgico é iniciado sem preparação no que diz respeito às alterações da autopercepção, imagem corporal e sexualidade, seguindo assim por longos períodos e até mesmo pela vida toda. A inclusão dessa temática no processo de reabilitação da pessoa estomizada contribui para o enfrentamento da nova situação que refletirá na sua qualidade de vida, na qual se insere a importante dimensão da família.Frente à importância de se estudar a integralidade da saúde, com destaque à saúde da população feminina, em seus diversos segmentos assistenciais, destaca-se o propósito deste estudo qual seja o de relacionar temáticas transversais como a sexualidade e processos de morbidades envolvendo cirurgias, em particular na confecção de estomas.Este estudo objetivou descrever sobre a sexualidade de pessoas estomizadas a partir da identificação, caracterização e discussão da produção científica levantada acerca desse tema, com destaque à sexualidade feminina.Procedimentos metodológicosTrata-se de uma revisão integrativa da literatura sobre as relações das temáticas envolvendo sexualidade, estoma e gênero, a partir das Bases de Dados da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS).A revisão integrativa da literatura é definida como uma revisão das pesquisas já realizadas e inclui a análise de pesquisas relevantes que dão suporte para a tomada de decisão e a melhoria da prática clínica, possibilitando a síntese do estado do conhecimento de um determinado assunto, além de apontar lacunas do conhecimento que precisam ser preenchidas com a realização de novos estudos. Este método de pesquisa permite a síntese de múltiplos estudos publicados e possibilita conclusões gerais a respeito de uma particular área de estudo. É um método valioso para a enfermagem, uma vez que a maior parte das pessoas que atua nessa área dispõe de pouco tempo para realizar a leitura de todo o conhecimento científico disponível7.O estudo contou com alguns questionamentos que nortearam a busca bibliográfica: Quais as características das abordagens dos artigos sobre sexualidade das pessoas estomizadas? E, particularmente, das mulheres estomizadas? Existem produções científicas que abordam a saúde reprodutiva dessas mulheres estomizadas?A partir das questões norteadoras, iniciou-se a busca e seleção de produções bibliográficas que pudessem elucidar tais questionamentos. O período compreendido para o levantamento e seleção das publicações foi de 1999 a 2009, sendo utilizadas as seguintes palavras-chaves: ostomizado, estoma e estomia. No primeiro momento de busca, utilizouse a palavra sexualidade associada aos demais descritores, no entanto, ao inserir-la obtivemos um total de três publicações no formato de texto completo. Com o objetivo de ampliar a análise, optouse em estudar os artigos relacionados à temática de estoma e verificar como abordavam a sexualidade. Adotaram-se, ainda, como critérios de inclusão, serem publicações nacionais, com resumos e textos completos disponíveis nas Bases de Dados da Biblioteca Virtual de Saúde (no sítio www.bireme.br). Optou-se por publicações nacionais devido ao interesse dos autores em identificar a abordagem dos enfermeiros brasileiros sobre a questão da sexualidade de pessoas estomizadas, especialmente da mulher com estoma intestinal, pressupondo-se existirem questões sócio/culturais que influenciam o gênero. A escolha pelo trabalho completo deu-se devido ao entendimento de que muitos resumos não expressam o conteúdo exato dos trabalhos.Foram identificadas 60 publicações em português, utilizando-se a palavra-chave ostomizado. Ao serem analisadas, verificou-se que 23 encontravam-se repetidas em mais de uma base, restando apenas 37 produções, dentre as quais, 20 não disponibilizavam o texto completo. Portanto, a busca na BVS com a palavra ostomizado resultou em 17 artigos completos. Ao debruçar sobre tais produções completas, 12 artigos foram excluídos, uma vez que não atendiam os critérios de inclusão, obtendo-se cinco artigos completos nessa busca.Empregando-se a palavra-chave estoma, identificaram-se 85 publicações, das quais 20 encontravam-se repetidas nas diversas bases, restando 65. Dentre essas, apenas 30 publicações tinham o formato de texto completo, das quais 25 não abordavam nem mesmo citavam a temática da sexualidade. Dos artigos selecionados, dois eram iguais aos encontrados com descritor “ostomizado”, restando somente três artigos.Já com a palavra-chave estomia, foram identificadas 18 publicações em português, das quais cinco eram repetidas, restando 13 produções. Dentre essas, 8 tinham o texto completo disponível. Desse total de oito produções, verificou-se que quatro já tinham sido incluídas na relação de busca dos outros dois descritores (ostomizado e estoma), restando apenas quatro artigos. Na análise desses quatro artigos, apenas um artigo contemplou a abordagem da temática da sexualidade.Portanto, o levantamento de publicações que abordavam a temática da sexualidade e relacionavamse com os descritores (ostomizado; estoma; estomia), nas bases de dados virtuais da Biblioteca Virtual de Saúde, resultou em nove publicações, sendo sete (77,8%) extraídas da SCIELO e duas (22,2%) da LILACS.Após a fase descrita, procedeu-se à análise das publicações por meio de leitura na íntegra dos estudos selecionados, a fim de extrair informações relacionadas aos principais assuntos abordados, segundo os seus conteúdos, principalmente no que se refere à sexualidade da mulher estomizada.Resultados e DiscussãoA sexualidade foi abordada superficialmente na maior parte dos estudos, sendo associada a um dos desafios vivenciados pela pessoa estomizada. Surgiu, com maior freqüência, sob uma restrita ótica relacionada à atividade sexual que, por sua vez, mostra-se alterada por questões físicas e psicológicas, não abarcando a subjetividade humana inserida na sexualidade 8-13.O Quadro 1 apresenta os estudos que compuseram esta revisão. A expressão e vivência da sexualidade são aspectos freqüentemente alterados após a confecção do estoma intestinal. Algumas pessoas não retomam suas atividades sexuais ou retomam parcialmente ou ainda sentem-se pouco à vontade para a vivência da sexualidade, desencadeando isolamento, vergonha, desinteresse, dentre outros5,8-11,16.Verifica-se que há uma ruptura nos esquemas vigentes da vida em decorrência da realização da estomia, sendo necessária uma grande adaptação à nova condição. Dentre os aspectos alterados, destacam-se a mudança do próprio corpo e da visibilidade do atual local de excreção. A necessidade de uso do equipamento coletor reafirma constantemente essa nova condição e reflete na sexualidade, imagem corporal, auto-estima, identidade, com interferência na vida social, familiar e conjugal.Os motivos que levam ao desinteresse sexual são apresentados de forma diferenciada quanto ao gênero, como foi possível constatar em um dos estudos. No depoimento feminino, o desinteresse sexual decorre de fatores psico-emocionais, com estreita relação entre o uso do equipamento coletor e a imagem corporal (estética), interferindo conseqüentemente, na auto-estima feminina10. Já em relação à sexualidade masculina, as restrições decorrem da mutilação anatômica e funcional dos órgãos sexuais, resultantes das extensas ressecções envolvendo músculos e nervos, gerando disfunção erétil, dor, perda da libido, dentre outros10.A alteração da imagem corporal foi reconhecida como um importante limitador na qualidade de vida6. As repercussões da estomia e do equipamento coletor sobre a imagem corporal refletiram na sexualidade, desencadeando reações emocionais como a não aceitação da condição vivenciada, além de dificultarem a re-inserção social em função do medo de ser estigmatizado5,10-11,14-15Um estudo sobre o percurso vivenciado pelo estomizado, desde o aparecimento dos sinais e sintomas da doença, abordou as alterações emocionais, destacando o afloramento de intensos sentimentos de desorganização emocional; as modificações nos hábitos alimentares, a fim de minimizar a flatulência excessiva - fator gerador de grande constrangimento durante o ato sexual; e as alterações no modo de vestir-se, como o uso de roupas largas para ocultar o uso do equipamento coletor - o que contribui para que a pessoa não se sinta atraente, interferindo na forma de vivenciar a sexualidade, dentre outros assuntos. Os autores verificaram alterações significativas na vivência da sexualidade expressas nas mais variadas formas: isolamento, vergonha, desinteresse e desprezo pelo parceiro14.Ao analisar as interferências do estoma na sexualidade, alguns estudos constataram também que a qualidade dos relacionamentos conjugais anterior à confecção do estoma pode influenciar na vivência da sexualidade14-15. Um dos estudos mostrou que, nos relacionamentos em que há uma vida sexual prazerosa e agradável antes do estoma, os significados atribuídos à sexualidade são positivos. Já no grupo em que as pessoas, mesmo antes do estoma, tinham a sexualidade como algo pouco prazeroso ou desagradável, os significados atribuídos à sexualidade foram negativos, acarretando negação ou resistência na vivencia da própria sexualidade15. Ainda sobre a visão negativa da sexualidade, outro estudo concluiu que as modificações que ocorrem na área sexual são tão profundas que, para as pessoas estomizadas, o ato sexual torna-se secundário, sendo substituído por sentimento de esperança na ciência para resolver o problema nessa área14.Sexualidade da mulher estomizada – uma lacuna a ser preenchidaAo desvelar as perspectivas em que a temática sexualidade de pessoas estomizadas é abordada nas produções bibliográficas e buscar articular esses achados às repercussões na reabilitação das mulheres, foi possível perceber que os questionamentos iniciais que impulsionaram a presente pesquisa não foram atendidos em sua totalidade.A sexualidade e gênero são aspectos pouco investigados, principalmente em se tratando de mulheres estomizadas. A sexualidade da pessoa com um estoma intestinal foi objetivo primário de apenas um estudo15. Desse modo, e uma vez que não foram identificados outros cujo objeto fosse a sexualidade, sobretudo de mulheres estomizadas, constata-se grande deficiência na área da saúde integral da mulher. Sob esse aspecto, também não foram identificadas pesquisas com abordagens no que diz respeito à sua saúde reprodutiva.Considerando os limites da pesquisa, é possível perceber nas produções, uma dicotomia sobre as restrições relacionadas à vivência da sexualidade tanto em homens como mulheres. Nesse sentido, pode-se inferir que o discurso torna-se mais subjetivo nas questões referentes à mulher, o que por vezes é desvalorizado em nossa sociedade. No homem, o discurso tende a basear-se na racionalidade biomédica, o que, contrariamente e na maioria das vezes, é bastante valorizado.A sociedade atribui diferentes significados de beleza para os gêneros masculino e feminino, valorizando também de forma diferente, os atributos de imagem ideal para cada um deles. Assim, desde a infância, os valores são transmitidos e reforçados, o que contribui para a formação da imagem corporal16.Na sociedade patriarcal, a mulher tem o seu corpo valorizado como objeto de sensualidade. Desde a infância, a menina aprende a ver seu corpo como objeto de atração e é estimulada a se ver de forma mais decorativa do que atuante, sendo representada pelas ornamentações usadas para atrair a atenção do sexo oposto. Já os meninos aprendem a ver o próprio corpo como instrumento de poder, um ser para quem a estima do corpo é oriunda de se sentir ativo, competitivo, competente e forte16.Com a ruptura da integridade corporal e os reflexos sobre a percepção da auto-imagem, faz-se necessário que a mulher reveja os conceitos pessoais de sensualidade e estética corporal, rompendo com os esquemas vigentes e concebidos desde a infância, o que pode influenciar na vivência de sua sexualidade.Além das questões anteriores, o equipamento coletor também surgiu neste contexto como um empecilho para a prática sexual, pelo risco de a bolsa atrapalhar ou vazar, bem como devido ao odor das fezes. Ademais, gera a sensação de incompetência para a sedução e de atratividade na mulher estomizada e, por esse motivo, algumas mulheres estomizadas “optam” por não vivenciar a sexualidade. Viver sozinha foi a alternativa encontrada por algumas mulheres, indicando que os constructos sociais sobre o corpo feminino refletem em suas escolhas e fazem com que, diante de uma estomia, passem a não mais acreditar no poder do seu corpo, assumindo assim, postura passiva diante da alteração corporal11.Outra questão relevante é que existem muitas dificuldades para a abordagem das pessoas estomizadas sobre a sua sexualidade. A dificuldade ocorre tanto por parte dos profissionais de saúde como por parte dos estomizados, contribuindo para que essas representações e significados sejam pouco conhecidos e explorados na assistência15.Uma hipótese que talvez possa justificar tal lacuna no atendimento à mulher estomizada gira em torno do fato de que a maior parte dos estomas intestinais surge a partir do câncer colorretal, cuja incidência relaciona-se principalmente à faixa etária de 50 a 70 anos17. Nessa faixa, a dimensão da sexualidade é considerada secundária sob a alegação social de que uma pessoa doente e idosa não pratica sexo18. Essa visão reducionista, que não considera a sexualidade como parte da qualidade de vida, retroalimenta as condutas equivocadamente adotadas frente à assistência de enfermagem junto às mulheres estomizadas.Aprender a lidar com uma nova condição de anatomia e funcionamento de si mesmo implica a retomada de sua identidade pessoal e coletiva. Nesse sentido, a prática educativa do enfermeiro constitui um dos pilares do processo de cuidar, principalmente para a obtenção da autonomia do cliente sobre as adaptações do seu corpo e, consequentemente, de sua qualidade de vida diante de qualquer agravo à saúde, como no caso da confecção de uma estomia cirúrgica19.Considerar o exercício da sexualidade sob o prisma de mulheres estomizadas constitui uma necessidade na assistência de enfermagem. A imersão do profissional enfermeiro na dimensão sócio-cultural e subjetiva da pessoa, a quem seus cuidados são direcionados, torna sua função profissional ainda mais complexa na medida em que necessita interligar os aspectos humanos, compreendidos como físicos, psíquicos e espirituais, com os aspectos sócio-culturais construídos durante a trajetória de vida da pessoa.É necessário, portanto, que o enfermeiro fundamente-se no caráter mutável e transitório das relações de gênero e no entendimento da sexualidade, acreditando ser possível transcender o estereótipo historicamente e socialmente estabelecido acerca dos papeis masculinos e femininos representados ao longo dos anos, auxiliando na construção de novos significados que permitam ao indivíduo reconstruir a própria imagem e identidade, reformulando assim, os papeis pessoais e sociais.Considerações finaisA discussão da sexualidade em pessoas estomizadas, principalmente em mulheres, é ainda uma dimensão pouco discutida pelos profissionais de saúde, no processo de reabilitação. Entretanto, a expressão e vivência da sexualidade são aspectos freqüentemente alterados após a confecção do estoma, sendo possível que algumas pessoas não retomem suas atividades sexuais, sentindo-se pouco à vontade para o exercício da sexualidade.O caminho percorrido em direção aos objetivos do presente estudo buscou aproximar e articular as temáticas: sexualidade, corpo e gênero. Entretanto, os resultados indicaram que, embora existam produções que tratam da qualidade de vida da pessoa estomizada, são raras aquelas que buscam o conhecimento acerca da sexualidade, considerando principalmente as especificidades de gênero e as condições sociais e culturais.A ausência de publicações que tenham como objeto de estudo a sexualidade da mulher estomizada, particularmente sobre sua própria ótica, e considerando o impacto do estoma sobre sua saúde reprodutiva e sexual permite recomendar o desenvolvimento de novos estudos que aprofundem essas questões. Tais aspectos são fundamentais no processo reabilitatório da mulher estomizada.É necessário direcionar a atenção na construção de tecnologias de cuidado de enfermagem que auxiliem na promoção da qualidade de vida dessas mulheres. Estudos nessa perspectiva muito contribuirão ao planejamento de assistência, em especial da enfermagem especializada, nos diversos processos, ou seja, desde o diagnóstico à reabilitação, além de auxiliar numa proposta de capacitação de profissionais para o cuidado visando à integralidade da atenção à saúde, dentre outras contribuições.Para a efetivação da atenção integral à saúde da mulher, é relevante concretizar um olhar ampliado sobre as condições que interferem no processo de reabilitação. Isto implica em transformar a conduta dominante do olhar fragmentado para penetrar nos territórios existenciais, nos quais há diversidade, subjetividade, complexidade, especialmente no que tange aos “encantos” da vivência da sexualidade, sensibilidade e feminilidade. Para tanto, é necessário identificar a visão de mundo e o contexto em que a pessoa está inserida, como partes integrantes de sua avaliação integral. Este aspecto configura um desafio que requer mudanças não só na organização do trabalho e nas práticas cotidianas de atenção, mas também requer interpretação abrangente de saúde, considerando a complexidade dos sujeitos e suas necessidades, segundo as especificidades de vida, saúde e doença.

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Referências

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Publicado

2011-03-01

Como Citar

1.
Martins VV, Penna LHG, Paula MAB de, Pereira CDC, Leite HC. Revisão. ESTIMA [Internet]. 1º de março de 2011 [citado 24º de novembro de 2024];9(1). Disponível em: https://www.revistaestima.com.br/estima/article/view/294

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