Revisão

Autores

  • Élissa Jôse Erhardt Rollemberg Cruz Enfermeira. Mestre em Enfermagem (UERJ). Estomaterapeuta (UERJ). Enfermeira do Núcleo de Assessoria Técnica em Ações de Saúde da SESDEC-RJ. Professora Substituta do DEMC/FEnf/UERJ.
  • Norma Valéria Dantas de Oliveira e Souza Enfermeira. Doutora em enfermagem. Professora-adjunta do Departamento de enfermagem Médico-Cirúrgica da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professora permanente do programa de pós-graduação Mestrado e Doutorado da FENF/UERJ. Coordenadora de Ensino de Graduação da FENF/UERJ e da pós-graduação em Estomaterapia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
  • Vanessa Cristina Mauricio Enfermeira. Mestre em Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Especialista em Clínica Médico-Cirúrgica e em Terapia Intensiva; Enfermeira Intensivista do Hospital Geral de Guarus e do Ministério da Saúde (Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia). Professora Substituta do DEMC/Enf/UERJ.

Resumo

Reinserção da Pessoa com Estomia Intestinal no Mundo do Trabalho: uma Revisão Bibliográfica
Return of the Person with Intestinal Stoma to the Work Force: a Review
Reinserción de la Persona con Estomía Intestinal en el Mundo Laboral: una Revisión Bibliográfica

ResumoTrata-se de estudo de revisão bibliográfica descritiva, cujo objetivo foi analisar a produção científica, nacional e internacional, sobre a reinserção da pessoa com estomia intestinal no mundo do trabalho. Para a revisão, utilizaram-se os seguintes descritores: estomia ou ostomia e trabalho. Não houve recorte temporal e nem especificações de idioma. Foram encontrados 19 artigos e selecionados cinco, que continham sua versão completa disponível em bases de dados eletrônicas. As pesquisas envolvendo esta temática iniciaram-se em 1992, predominantemente na área da enfermagem. Seus enfoques centram-se nas práticas de prevenção de complicações, enfatizando a importância da demarcação prévia do local do estoma, realizada no pré-operatório por profissionais habilitados, orientação quanto à convivência com uma estomia e, especialmente, o incentivo ao autocuidado. O retorno ao trabalho é temática ainda pouco explorada e verificam-se lacunas e incipiência nas produções científicas nacionais e internacionais sobre a reinserção social relacionada ao trabalho das pessoas estomizadas. Há necessidade de ampliação das investigações neste campo, a fim de se fomentarem práticas e assistência que incentivem e favoreçam o retorno à vida laboral.Palavras Chaves: Saúde do Trabalhador. Estomas Cirúrgicos.Reabilitação.AbstractThis was literature review, whose purpose was to evaluate Brazilian and international studies on work reintegration of persons with intestinal stoma. An electronic search was conduct without meta-analysis, using the descriptors ostomy and work. It was performed without time or language restrictions. Nineteen articles were found, of which 5 articles on work reintegration of people with a stoma and whose complete text was available in electronic databases were selected for the study. Studies on this topic have been conducted since 1992, especially in the nursing area. These studies have focused on strategies for prevention of complications, and emphasized the importance for specialized professionals to plan and mark the location of the stoma preoperatively. They also have provided guidelines for persons living with a stoma, and encouraged self-care management. However, the return to work of persons with a stoma is not a well-explored topic, and the national and international literature has gaps and is incipient concerning the social and work reintegration of this population. Additional studies on this subject are necessary for the development of practices and services that can encourage and support persons with a stoma to return to work, and to stimulate further discussions about these issues.Key words: Worker´s health. Surgical Ostomy. Rehabilitation.ResúmenEstudio de la revisión bibliográfica, con el objetivo de analizar la producción científica, nacional e internacional sobre la reinserción de la persona con estomía intestinal en el mundo laboral. Se trata de una revisión sistemática sin meta de análisis, teniendo como descriptores: estomía u ostomía y trabajo. No hubo recorte temporal ni especificaciones de la lengua. Fueron encontrados 19 (diecinueve) artículos y fueron seleccionados 5 (cinco) artículos que contenían su versión completa disponible en bases de datos electrónicas, incluyendo los problemas con el empleo de personas con estoma. La investigación de este tema se inició a partir de 1992, predominantemente, en el área de enfermería. Siendo sus enfoques centralizados en las prácticas de prevención de complicaciones, enfatizando la importancia de la demarcación previa de la zona del estoma, antes de la operación realizada por profesionales calificados y orientación sobre la convivencia con una estomía, estimulándolos inclusive a su autocuidado. Otro tema importante es la escasez de las producciones científicas nacionales e internacionales sobre la reinserción social relacionada al trabajo de las personas con estoma. Finalmente, se identificó la necesidad del ampliar las investigaciones en esta área para incentivar prácticas y atención que valoren el retorno al mundo del trabajo y también para ampliar la discusión sobre el tema.Palabras clave: Salud Laboral. Estomas Quirúrgicos. Rehabilitación.IntroduçãoO interesse em realizar uma pesquisa cujo objeto fosse a produção científica que aborda a temática da pessoa com estomia e sua reinserção no mundo laboral iniciou-se durante o curso de especialização em estomaterapia, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, quando se pode conhecer com mais profundidade a problemática de vida das pessoas estomizadas e identificar uma de suas constantes indagações, relacionada ao retorno ao mundo do trabalho.“Trabalho” é uma atividade específica inerente à “vida ativa”, caracterizada por sua finalidade, e que apresenta um caráter duplo: pessoal e socioeconômico. É fator marcante na formação e transformação do indivíduo e dos que estão ao seu redor, sendo de grande importância na vida das pessoas, pois, com ele, o homem consegue seu sustento e o de sua família, além de obter a satisfação em realizá-lo com seu próprio esforço físico e mental1.O termo “estomia” designa a comunicação (trajeto novo) de uma víscera oca com o meio externo através da pele, por meio de intervenção cirúrgica, com a finalidade de suprir a função do órgão afetado. A parte externa da estomia recebe o nome de “estoma”, palavra de origem grega (stóma) que exprime a idéia de “boca”, “abertura”2. Os estomas são nomeados a partir dos locais do corpo em que são confeccionados. Assim, os estomas intestinais, foco de interesse do presente estudo, podem ser chamados de colostomias, ileostomias e jejunostomias3.A presença de um estoma intestinal leva a inúmeras alterações, tanto na dimensão física - com a inoperância de um importante órgão (ânus) e a consequente privação de controle fecal e de eliminação de gases – como na dimensão psicológica, ocasionando a perda da auto-estima e sentimentos de “inutilidade”. Além disso, podese constatar a perda do status social devido ao isolamento imposto pela própria pessoa estomizada e pela sociedade, que pode rejeitar aqueles que são considerados fora dos padrões ditos “normais”, isto é, que não possuem um corpo que se encaixa nos parâmetros de beleza e de funcionamento biomédico da sociedade capitalista atual4.A convivência com o estoma causa, muitas vezes, sentimento de medo, angústia e insegurança aos indivíduos, pois acreditam não serem capazes de retomar às suas atividades de vida após o período de hospitalização. Faz-se necessário destacar que o processo de reabilitação da pessoa com estoma inicia-se no pré-operatório e continua com o retorno ao seu lar, onde uma nova etapa ocorrerá, marcada por profundas modificações biológicas, psicossociais e econômicas, travandose, então, uma luta árdua para enfrentar e sobreviver à nova condição5.Uma das abordagens do processo de reabilitação engloba a reinserção dos estomizados no mundo do trabalho. Geralmente, as pessoas com estoma têm grandes dificuldades na volta ao trabalho, pois se sentem inseguras para continuar cuidando da estomia e ainda trabalhar. Além disso, o uso do equipamento coletor representa a mutilação sofrida, apresentando uma relação direta com a perda da sua capacidade produtiva, levandoa a incorporar o estigma social, tendo dificuldades na sua própria aceitação e no seu processo de adaptação à atividade laboral. Igualmente, teme ser objeto de curiosidade no ambiente de trabalho e, na tentativa de evitar esta situação, podendo optar pelo afastamento do mesmo por meio do auxíliodoença ou da aposentadoria por invalidez4,6.Além das dificuldades já apontadas, a pessoa com um estoma intestinal ainda passa por outros empecilhos para reinserir-se no mundo laboral, que são inerentes ao próprio contexto neoliberal contemporâneo, o qual é marcado pela polivalência e multifuncionalidade dos trabalhadores, como também pela acirrada competitividade entre os trabalhadores devido à insegurança da permanência no mundo laboral. Logo, a ordem social foi contaminada pelos preceitos de competitividade e pela luta por empregabilidade. A crise do trabalho e do aumento do desemprego afetou, além da sobrevivência material, o próprio senso de identidade das pessoas, numa “destruição” de sua auto-estima e dignidade7.Desse modo, observa-se uma dificuldade de reinserção da pessoa com estoma intestinal, alterando o seu papel e o seu status social na família e na sociedade, ao deixar de ser o provedor financeiro do lar, podendo tornar-se dependente dos familiares. E, assim, a necessidade básica de autoconfiança, tão vital ao ser humano, passa a ser afetada de diversas formas2,3.É neste cenário laboral complexo que a pessoa estomizada tenta inserir-se ou reinserir-se socialmente. As dificuldades encontradas pelos estomizados são maiores do que para os demais indivíduos, pois, além de buscarem a sua inserção ou reinserção em um universo de trabalho muitas vezes precário, deparam-se com alterações de imagem corporal e alterações no funcionamento de seu corpo, as quais maximizam as dificuldades de inserção ou manutenção no mundo do trabalho8. Enfatiza-se ainda o preconceito do empregador e dos colegas de profissão para aqueles estomizados que conseguem manter-se no trabalho9.Supõe-se que o conhecimento científico produzido a partir de estudos sobre a reinserção da pessoa no mundo do trabalho constitui importante ferramenta de pesquisa que auxiliará no entendimento de questões ligadas ao cuidado de enfermagem em estomaterapia e à saúde do trabalhador. Essa suposição motivou a elaboração deste estudo, cujo objetivo foi analisar a produção científica nacional e internacional sobre a reinserção social da pessoa com estoma, principalmente no âmbito do mundo do trabalho e discutir a importância da assistência de enfermagem em Estomaterapia nesse processo.MétodosTrata-se de estudo de revisão descritiva da produção científica indexada nas seguintes bases eletrônicas de dados: Sistema de Informação da Biblioteca da Organização Mundial da Saúde (WHOLIS), Acervo da Biblioteca da Organização Pan-Americana da Saúde (PAHO), Literatura Internacional em Ciências da Saúde (MEDLINE), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Índice Bibliográfico Español en Ciencias de la Salud (IBECS) e Base de Dados de Enfermagem (BDENF), e que abrangeu o período de 2000 a 2010. Os descritores utilizados para identificar as produções científicas, de acordo com os objetivos do estudo, foram: estomia ou ostomia e trabalho. Não houve recorte temporal nem especificações de idioma.A revisão sistemática de literatura é um tipo de investigação científica que tem por objetivo reunir, avaliar criticamente e conduzir uma síntese dos resultados de múltiplos estudos primários, sem a participação de seres humanos como “sujeitos” da investigação10.Em março e abril do ano 2010, iniciou-se a busca simultânea nas bases de dados, utilizando-se o formulário avançado. Primeiramente, os descritores foram destacados em descritores de assunto, depois em palavras do título e, por fim, em palavras - para que o resultado fosse o mais fidedigno possível. O critério de exclusão foi a indisponibilidade da versão completa do artigo nas bases eletrônicas de dados. Assim, foram encontrados 19 artigos, mas apenas cinco apresentavam-se disponíveis em sua versão completa.Após identificados os artigos e checada sua disponibilidade, eles foram categorizados em um quadro analítico que constou de: bases de dados, descritores, ano, fonte, título, objeto de estudo, tipo do estudo, tipo de abordagem da reinserção no mundo do trabalho, área temática e área do conhecimento. Realizou-se, então, a discussão dos resultados, à luz da saúde do trabalhador e enfermagem em estomaterapia. Focalizou-se ainda a importância da assistência de enfermagem em estomaterapia no processo de reinserção social da pessoa com estomia no âmbito do mundo do trabalho. Esses fundamentos proporcionaram o aprofundamento na discussão da temática, o entendimento dos temas abordados e a possibilidade de apontar com clareza a aplicabilidade e contribuição da enfermagem em estomaterapia no processo de reinserção da pessoa com estomia no mundo do trabalho.ResultadosOs cinco artigos selecionados (Quadro 1), e que continham sua versão completa disponível nas bases de dados eletrônicas, representaram 26,3% do total de artigos encontrados (19).No que se refere à abordagem da reinserção social do estomizado, especialmente no mundo do trabalho, os resultados dos estudos revelaram que essa preocupação iniciou-se a partir de 1992. Todos os artigos estavam publicados em periódicos latinoamericanos, destacando-se os brasileiros.Verificou-se que a maioria das publicações é da área da Enfermagem (4/5). Dos cinco estudos analisados, dois eram estudos de pesquisa bibliográfica, dois eram pesquisa quantitativa e um, pesquisa qualitativa.Constatou-se que os enfoques principais estão relacionados à demarcação correta do local do estoma no pré-operatório, como aspecto que favorece a reabilitação e, portanto, o retorno do sujeito ao mundo laboral. A abordagem sobre como conviver com um estoma, a capacidade de trabalho e o retorno às atividades cotidianas das pessoas com estomias intestinais também foram aspectos desenvolvidos nos estudos. Enfatiza-se que apenas as produções científicas dos enfermeiros abordaram a relevância do trabalho na definição de condutas do cuidado, desde o período préoperatório até a reabilitação.DiscussãoA partir da década de 1970, no Brasil, assim como nos Estados Unidos da América e no Canadá, a demanda criada pela organização dos estomizados para melhoria na qualidade assistencial e pela democratização do atendimento às suas necessidades relacionadas aos equipamentos coletores, levou à mobilização dos profissionais da saúde, principalmente os da enfermagem, em busca de conhecimentos técnico-científicos mais aprofundados.A Estomaterapia no Brasil iniciou-se, oficialmente, com a implantação do Curso de Especialização em Enfermagem em Estomaterapia na Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP), em 19903. De acordo com a literatura, as pesquisas na área da Enfermagem em Estomaterapia ainda são consideradas incipientes para a ampliação de suas bases técnico-científicas11, 12. Este estudo, por sua vez, mostrou a carência de publicações nacionais e internacionais de trabalhos abordando a questão da reinserção social da pessoa com estomia, principalmente no âmbito do mundo do trabalho.No estudo “A importância da consulta de enfermagem em pré-operatório de ostomias intestinais”, os autores discutem a relevância da fase pré-operatória no planejamento da assistência ao paciente, incluindo a intervenção cirúrgica e a construção do estoma, de forma sistematizada e individualizada, sendo esta uma etapa de grande valia na prevenção de complicações em pósoperatório, sejam de ordem física/biológica ou emocional13

A partir da avaliação precisa de variáveis que permitem identificar o impacto da doença e as expectativas quanto ao estoma, assim como o nível de ansiedade apresentados pelo paciente durante a consulta pré-operatória, podem-se identificar as possíveis alterações advindas da estomia e elaborar um plano assistencial mais efetivo e humano, possibilitando proporcionar aos pacientes uma atmosfera de apoio, ajudando-o a manter sua autoestima e a aceitar as alterações ocorridas13.Com isso, torna-se possível o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento, com as quais a pessoa estomizada passa a lidar com os problemas ou alterações cotidianas ocorridas em função da estomia, estimulando a sua integração e incentivando-a a ter uma vida social e laboral ativa, mesmo com limitações, e procurando combater os preconceitos difundidos na sociedade acerca de sua “pouca ou nenhuma habilidade” para o retorno ao trabalho e às relações sociais.Enfatiza-se que a avaliação e demarcação pré-operatória da localização do estoma, pela enfermeira estomaterapeuta, resulta em maior aderência e permanência do equipamento coletor por um período maior (3-6 dias), o que também facilitará a participação social, a atividade de trabalho e a redução de custos, contribuindo para a melhora da qualidade de vida da pessoa com estomia13.No presente estudo, as cinco publicações analisadas incluem o tópico “como conviver com um estoma”, discutindo questões sobre lazer, esportes, sexualidade, relacionamentos familiares, vestuário, alimentação, viagens e trabalho12-16.Algumas publicações14,15 apresentam orientações às pessoas com estomias, visando a esclarecê-las sobre as suas dúvidas e dos familiares, o que contribui para a elevação da auto-estima do cliente. Nesse sentido, há um enfoque claro na relevância dos manuais de orientação ao estomizado, desde que desenvolvidos com adequada apresentação e linguagem acessível14.A educação em saúde, realizada individualmente durante as consultas de enfermagem ou coletivamente nas terapias em grupo, apresenta-se como uma estratégia capaz de proporcionar às pessoas estomizadas uma atmosfera de apoio, auxiliando-os, assim, no enfrentamento das dificuldades físicas, psicológicas e sociais, advindas da construção do estoma, com o compartilhamento de medos e angústias e na facilitação da expressão de suas emoções, ajudandoos a manter a autoestima e a aceitar as alterações ocorridas17.Corroborando o pensamento acerca da importância da educação na dinâmica de reabilitação e reinserção social da pessoa com estomia, o estudo “Qualidade de vida de adultos com câncer colorretal com e sem ostomia” mostra que, na promoção da autonomia do indivíduo estomizado, não cabe à equipe de saúde determinar o que é melhor para ele - o que seria considerado paternalismo - mas instrumentalizá-lo, por meio do processo educativo, para que possa tomar decisões seguras, com base em seus próprios valores 1.Diversos estudos inferem que o apoio da família à pessoa estomizada é fundamental, sendo determinante para a aceitação do estoma e consequentemente para o seu processo de reabilitação, adaptação e reinserção social. Entretanto, este núcleo social também deve estar instrumentalizado por meio da educação em saúde para que possa compreender melhor o estomizado e suas vivências4.A literatura mostra que os indivíduos estomizados enfrentam várias perdas que podem ser reais ou simbólicas. Com a perda do controle da eliminação de fezes e gases, condição mandatória para a vida em sociedade, poder-se-á desencadear o isolamento psicológico e social, baseado em sentimentos negativos que permeiam as relações interpessoais. Nesse âmbito, o retorno ao trabalho é um dilema vivenciado por essas pessoas e, muitas vezes, acontece de forma lenta e gradativa. Os estomizados têm dificuldades de reintegração ao trabalho, sentem-se inseguros para cuidar da estomia no ambiente de trabalho e, assim, muitos acabam pedindo aposentadoria por invalidez6,12,18. Com a aposentadoria, ocorre uma mudança nos papéis sociofamiliares, que pode ser acompanhada por sentimentos de inutilidade, improdutividade e diminuição da autoestima. A valorização do poder e da produtividade é característica de nossa sociedade19.No Capítulo II, Artigo 7º, inciso XXIV da Constituição da República Federativa do Brasil20, promulgada em 1988, consta que a aposentadoria é um direito dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visam à melhoria da sua condição social. No entanto, observa-se que a vasta maioria das pessoas, apesar do direito assegurado na Constituição, tem dificuldade de se manter com os proventos da aposentadoria, ocorrendo, muitas vezes, um declínio financeiro19.De acordo com o Decreto nº 5.296 de 2004, Art. 70º21 que regulamenta a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, Art. 4º, a presença de uma estomia é considerada deficiência física, o que significa a inclusão da pessoa estomizada nessa Política Nacional. O mesmo decreto, em seus Artigos 30º e 31º22, determina que a pessoa com deficiência tem direito à habilitação e reabilitação profissional, ou seja, suas potencialidades laborais devem ser avaliadas e atendidas, possibilitando atingir um nível suficiente de desenvolvimento profissional, com ingresso e/ou reingresso no mercado de trabalho e participação comunitária.Além desses, de acordo com Portaria Interministerial MPAS/MS nº 2.998 de 2001, Art. 1º23, a aposentadoria por invalidez engloba a neoplasia maligna entre as doenças ou afecções que excluem a exigência de carência para a concessão de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez. Logo, somente esses casos justificariam tal pleito para uma pessoa com estomia. A estomia por si só não é indicativa neste tipo de aposentadoria.Mediante o exposto, em nossa legislação, que determina os direitos dos estomizados quanto à saúde e à reinserção social e no mundo do trabalho, faz-se necessário ampliar ou criar políticas voltadas para a valorização dessas pessoas, que incluam informações ao público a respeito das suas condições e necessidades, suporte social, emprego, entre outros, o que também constitui papel específico das Associações profissionais de especialistas e de pacientes. Destaca-se, ainda, a importância de melhoria da infra-estrutura física dos locais públicos, especialmente banheiros adequados para realizarem a limpeza e higienização17. Portanto, questões relacionadas ao direito dos trabalhadores estomizados e à infraestrutura ergonômica dos ambientes laborais, como a criação de banheiros adaptados para atendimento das necessidades desta clientela, que possui inúmeras potencialidades produtivas, também devem ser discutidas e incluídas nessas políticas. Entendendo que a capacidade para o retorno ou inserção no mundo do trabalho pode ser aprendida, promovida e desenvolvida, possibilitar-se-á o conhecimento dos fatores promotores da reinserção social e da construção de alternativas e táticas para que os trabalhadores estomizados e as instituições desenvolvam a sua potencialidade, favorecendo o convívio social, a autonomia e sustentabilidade econômica, diminuindo o risco de efeitos prejudiciais na saúde dessas pessoas.O processo de reinserção laboral deve ser bem avaliado e acompanhado tanto pelas esferas governamentais quanto pelas empresas, pois os sujeitos estomizados devem inserir-se em profissões que não agravem sua saúde, evitandose, assim, aquelas que demandam esforço físico exacerbado e exposição do estoma ao calor. Por outro lado, necessitarão de atividades laborais que lhes garantam maior flexibilidade para irem constantemente às consultas com a equipe multidisciplinar, além de possibilitarem sua ida ao banheiro, quando necessário. Na avaliação da pessoa com deficiência, devem sempre ser consideradas a probabilidade do agravamento de sua condição e a exposição a situações de perigo, visando sempre à sua proteção e segurança. A avaliação deve englobar uma visão holística do indivíduo, levando em consideração sua capacidade para realização das tarefas, reduzindo-se eventuais situações de contrangimento24.Diante dos resultados desta revisão, considera-se necessário o desenvolvimento de outras pesquisas envolvendo o estudo da reinserção laboral das pessoas com estomias, tanto na área da Saúde do Trabalhador quanto na Enfermagem e, particularmente, em Estomaterapia, relevantes para a melhor compreensão da complexidade do processo de retorno ao trabalho.ConclusãoAs pessoas com estomas intestinais possuem algumas dificuldades para se reinserirem socialmente, destacando-se o retorno ao mundo do trabalho. O processo de reabilitação é permeado pela complexidade e multiplicidade de barreiras (físicas, sociais e psicológicas) que deverão ser transpostas para que esses sujeitos voltem a realizar normalmente suas atividades cotidianas. O retorno ao mundo do trabalho possibilita-lhes a inclusão social, possibilitando que se sintam úteis e aceitos, além de poderem suprir seus lares financeiramente, aumentando sua autoconfiança.Apesar da relevância da temática sobre reinserção social da pessoa estomizada e de tudo o que vem sendo investigado apontar para ricas possibilidades de pesquisa, de ensino e de extensão, pouca produção científica foi encontrada nesta revisão. Parece claro que existe uma necessidade acentuada de estudar essa problemática para mais bem assistir essas pessoas e capacitar os profissionais que cuidarão dos estomizados. Acredita-se que a temática da reinserção social deve somar-se a outras relacionadas ao campo da Saúde do Trabalhador, bem como à Enfermagem em Estomaterapia para contribuir para o entendimento de questões ainda pouco discutidas.O conhecimento acerca da importância da reinserção no trabalho da pessoa com estoma contribuirá para reflexões na área do ensino e pesquisa da Enfermagem em Estomaterapia, fazendo que profissionais habilitados passem a incentivar os estomizados a voltar ao trabalho, atentando-se sempre para a promoção da saúde e prevenção de agravos.A reinserção da pessoa com estoma no mundo laboral será favorecida se a sociedade civil e o governo conhecerem o que é “ser estomizado” e compreenderem as mudanças físicas, psicológicas e sociais que acometem estes indivíduos, além de entenderem que eles estão aptos para retornarem às suas atividades cotidianas, dentre elas o trabalho. Para isto é necessário uma ampla divulgação sobre o assunto, incluindo novos estudos que ampliem as investigações neste campo e auxiliem a prática assistencial bem como a criação de políticas públicas.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Referências

Mazzilli C, Lunardi Filho WD. Uma abordagem psicanalítica do processo de trabalho na área de enfermagem. RAE. 1996;36(3):98-104.

Habr-Gama A, Araújo SEA. Estomas intestinais: aspectos conceituais e técnicos. In: Santos VLCG, Cesaretti IUR. Assistência em estomaterapia: cuidando do ostomizado. São Paulo(SP): Editora Atheneu; 2000. p. 39-54.

Santos VLCG. A estomaterapia através dos tempos. In: Santos VLCG, Cesaretti IUR. Assistência em estomaterapia: cuidando do ostomizado. São Paulo(SP): Editora Atheneu; 2000. p. 1-18.

Cascais AFMV, Martini JG, Almeida PJS. O impacto da ostomia no processo de viver humano. Texto contexto – enferm. 2007;16(1):163-67.

Oliveira DVD, Nakano TTY. Reinserção social do ostomizado. In: Santos VLCG, Cesaretti IUR. Assistência em estomaterapia: cuidando do ostomizado. São Paulo(SP): Editora Atheneu; 2000. p. 273-284.

Silva AL, Shimizu HE. O significado da mudança no modo de vida da pessoa com estomia intestinal definitiva. Rev Latino-am enfermagem. 2006;14(4):483-90.

Ferreira LC. Organização e relações de trabalho. Texto contexto – enferm. 2003;12(4):461-469.

Pereira CS, Prette AD, Prette AAP. Qual o significado do trabalho para as pessoas com e sem deficiência física? Rev Psico USF. 2008;13(1):105-114.

Souza MPD, Santos VR, Vilela BS, Paula MAB. Estoma e vida laborativa. Rev Estima 2007;5(1): 13-20.

Cook DJ, Mulrow CD, Haynes RB. Systematic reviews: synthesis of best evidence for clinical decisions. Ann Intern Med. 1997;126(5):376-80.

Cesaretti IUR, Leite MG. Bases para o cuidar em estomaterapia. In: Santos VLCG, Cesaretti IUR. Assistência em estomaterapia: cuidando do ERRseetvvuiisdsããooo Clínico ostomizado. São Paulo(SP): Editora Atheneu; 2000. p.19-38.

Michelone APC, Santos VLCG. Qualidade de vida de adultos com câncer colorretal com e sem ostomia. Rev Latino-am enfermagem 2004;12(6):875- 883.

Mendonça RS, Valadão M, Castro L, Camargo TC. A importância da consulta de enfermagem em pré-operatório de ostomias intestinais. Rev Bras de Cancerol. 2007;53(4):431-35.

Reveles AG, Takahashi RT. Educação em saúde ao ostomizado: um estudo bibliométrico. Rev Esc Enferm USP. 2007;41(2):245-50.

Barnabe NC, Dell´Acqua MCQ. Estratégias de enfrentamento (coping) de pessoas ostomizadas.Rev Latino-am enfermagem 2008;16(4):712-719.

Bahten LCV, Nicoluzzi JEL, Silveira F, Nicollelli GM, Kumagai LY, Lima VZ. Morbimortalidade da reconstrução de transito intestinal colônica em hospital universitário - análise de 42 casos. Rev bras. Colo-proctol. 2006; 26(2): 123-127.

Farias D, Gomes G, Zappas S. Convivendo com uma ostomia: conhecendo para melhor cuidar. Cogitare Enfermagem 2005;9(5) 25-32.

Stumm EMF, Oliveira ERA, Kirschner RM. Perfil de pacientes ostomizados. Sci Med. 2008; 18(1):26-30.

Margis R, Cordioli AV. Idade adulta: meia-idade. In: Eizirik CL, Kapczinski F, Bassols AMS (Orgs). O clico da vida humana: uma perspectiva psicodinâmica. Porto Alegre(RS): Artmed Editora; 2001. p. 141-158

Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: . Acesso em: 27 de junho de 2011.

Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto nº 5.296 de 2 de dezembro de 2004. Disponível em: . Acesso em: 05 de maio de 2010.

Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto nº 3.298 de 20 de dezembro de 1999. Disponível em: . Acesso em: 05 de maio de 2010.

Brasil. Ministério da Previdência e Assistência Social. Ministério da Saúde. Portaria Interministerial nº 2.998 de 23 de agosto de 2001. Disponível em: . Acesso em: 05 de maio de 2010.

Rebelo P. A pessoa com deficiência e o trabalho. 1ed. Rio de Janeiro: Editora Qualitymark; 2008.

Publicado

2011-06-01

Como Citar

1.
Cruz Élissa JER, Souza NVD de O e, Mauricio VC. Revisão. ESTIMA [Internet]. 1º de junho de 2011 [citado 25º de novembro de 2024];9(2). Disponível em: https://www.revistaestima.com.br/estima/article/view/298

Edição

Seção

Artigos

Artigos mais lidos pelo mesmo(s) autor(es)