Relato de Caso

Autores

  • Izabel Cristina Sad das Chagas Enfermeira Especialista em Controle de Infecção Hospitalar pela PUC-MG e Enfermeira do Ambulatório de Dermatologia do Hospital Eduardo de Menezes da Fundação Hospitalar de Minas Gerais.
  • Clésia Justina de Paula Enfermeira pela PUC/MG – Betim.
  • Soraya Diniz Gonçalves Fisioterapeuta Mestre em Medicina Tropical pela UFMG e Fisioterapeuta do Ambulatório de Dermatologia do Hospital Eduardo de Menezes da Fundação Hospitalar de Minas Gerais.

Resumo

Atuação da Equipe Multidisciplinar no Tratamento da Úlcera Plantar em Paciente com Hanseníase
Performance of a Multidisciplinary Team in the Treatment of Plantar Ulcer in a Patient with Hansen’s Disease
Actuación del Equipo Multidisciplinario en el Tratamiento de la Úlcera Plantar en Pacientes con Hanseniase
ResumoA Hanseníase é uma doença infecto-contagiosa, crônica, causada pelo Mycobacterium leprae. Manifesta-se, principalmente, através de lesões na pele e acometimento dos nervos periféricos, podendo levar a incapacidades físicas. Uma das incapacidades físicas mais freqüentes na hanseníase são as úlceras na região plantar, que resultam das alterações neurais e dermatológicas advindas da diminuição e/ou perda das funções motora, sensitiva e autonômica do nervo tibial. A prevenção e o tratamento das incapacidades constituem partes integrantes das ações de controle da hanseníase e devem ser realizadas por todos os profissionais de saúde para evitar a ocorrência de danos físicos, emocionais e psíquicos para o paciente durante o tratamento e após a alta. O objetivo deste estudo foi descrever a evolução e o tratamento da úlcera plantar de um paciente em poliquimioterapia para hanseníase e a atuação dos membros da equipe multidisciplinar. Os dados evolutivos foram obtidos por meio de registros escritos no prontuário e de avaliação fotográfica periódica da úlcera, respeitando-se os preceitos éticos. O tratamento foi realizado com implementação de terapia tópica, confecção de palmilhas acomodativas biomecânicas e prescrição de medicamentos. Durante todo o tratamento o paciente foi acompanhado pela equipe de enfermagem, médicos e fisioterapeuta. Conclui-se que as intervenções da equipe multidisciplinar foram efetivas para a cicatrização de uma úlcera plantar.Descritores: Equipe de Assistência ao Paciente. Hanseníase. Úlcera plantarAbstractLeprosy (Hansen’s disease) is a chronic infectious disease caused by Mycobacterium leprae. The disease manifests mainly as skin lesions and involvement of peripheral nerves, which may lead to physical impairment. One of the most common skin lesions in leprosy is the plantar ulcer, which results from neural and dermatological changes caused by the loss or reduction of motor, sensory, and autonomic functions of the tibial nerve. The prevention and treatment of disabilities are part of the interventions for leprosy control, and must be carried out by a whole team of health professionals to avoid emotional, psychological, and physical damages to the patient during and after treatment. The purpose of this study was to describe the treatment and evolution of a plantar ulcer in a patient receiving polychemotherapy for leprosy, as well as the interventions performed by the members of a multidisciplinary team. Data included in the patient’s medical record and periodic photographs were used to analyze the evolution of the plantar ulcer, respecting the ethical standards. The treatment included topical therapy, the use of accommodative biomechanical insoles, and medication for infection control. During the treatment, the patient was seen by the nursing team, physicians, and a physical therapist. We conclude that the interventions of the multidisciplinary team were effective in the healing of the plantar ulcer.Descriptors: Patient Care Team. Leprosy. Foot Ulcer.ResumenLa hanseníase es una enfermedad infecciosa, enfermedad crónica causada por Mycobacterium leprae, se manifiesta principalmente a través de lesiones en la piel y la participación de los nervios periféricos que pueden llevar a discapacidades físicas. Una de las discapacidades físicas más comunes en la lepra son las verrugas plantares, que resulta de la piel y los cambios neurales resultantes de la reducción y / o pérdida de motor, sensorial y nervioso autónomo. Prevención y tratamiento de las discapacidades son una parte integral de las actividades de control de la lepra y debe ser realizada por todos los profesionales de la salud para prevenir la ocurrencia de bienestar físico, mental y emocional al paciente durante el tratamiento y después del alta. El objetivo de este estudio fue describir la evolución y el tratamiento de la úlcera plantar en un paciente con la poliquimioterapia para la lepra y el papel de los miembros del equipo multidisciplinario. Datos evolutivos se recogieron a través de registros escritos en el registro fotográfico y una evaluación periódica de la úlcera, respetando la ética. El tratamiento se llevó a cabo con la aplicación de la terapia tópica, haciendo plantillas acomodaticia biomecánicos y medicamentos con receta para el control de la infección. La úlcera plantar fue tratada con eficacia. A lo largo del tratamiento, el paciente fue supervisado por personal de enfermería, médicos y fisioterapeutas. El trabajo del equipo multidisciplinario en un centro de referencia se muestra la importancia de la acción profesional en la prevención de la discapacidad.Descriptores: Grupo de Atención al Paciente. Lepra. Úlcera del Pie.Introduçãogiosa, crônica, causada pelo Mycobacterium leprae. Manifesta-se, principalmente, por meio de lesões na pele e acometimento dos nervos periféricos que podem levar a incapacidades físicas1.Uma das incapacidades físicas mais freqüentes na hanseníase são as úlceras na região plantar, que resultam das alterações neurais e dermatológicas advindas da diminuição e/ou perda das funções motora, sensitiva e autonômica do nervo tibial2,3. A ausência ou diminuição de estímulos nervosos no nervo tibial leva à diminuição da sudorese, alterações na pele, na circulação sangüínea, na arquitetura e estrutura ósseas, no trofismo dos tecidos, na marcha, na sensibilidade dolorosa, pressão e tátil, contribuindo para o desenvolvimento de úlceras neurotróficas2,4 .Estas úlceras são de difícil cicatrização e podem se complicar devido aos episódios recorrentes de infecção, levando à reabsorções ósseas e à amputação do membro, quando não for instituído tratamento precoce e adequado3,4.A prevenção é uma das ações capazes de reduzir as incapacidades e deformidades físicas provocadas pelas úlceras plantares. A avaliação neurológica, a classificação do grau de incapacidade e a aplicação de técnicas básicas de autocuidado devem ser feitas a cada consulta2.Diante desses fatores, fica clara a importância da educação do paciente para a prevenção das úlceras plantares, particularmente no que se refere ao exame diário dos pés e dos sapatos, aos cuidados quanto à hidratação da pele, ao uso de calçados adequados e ao repouso2, 5.A ocorrência da úlcera plantar prejudica a qualidade de vida, impedindo ou dificultando a execução de suas atividades diárias.De fato, a prevenção e o tratamento das incapacidades constituem partes integrantes das ações de controle da hanseníase e devem ser realizados por todos os profissionais de saúde, para evitar a ocorrência de danos físicos, emocionais e psíquicos para o paciente durante o tratamento e após a alta6.Entretanto, são poucos os estudos sobre o tratamento da úlcera plantar, sendo importante a discussão, considerando as diferentes terapias empregadas e a adequada avaliação dos profissionais de saúde com intervenções precoces.ObjetivosDescrever a evolução e o tratamento da úlcera plantar de um paciente em tratamento para hanseníase com poliquimioterapia e a atuação dos membros da equipe multidisciplinar em um Serviço de Referência para Atendimento de Pacientes com Hanseníase.MétodosEste relato de caso foi realizado com um paciente de um Serviço de Referência para Atendimento de Pacientes com Hanseníase na cidade de Belo Horizonte. O paciente foi informado sobre o estudo e após concordar em participar, assinou o Termo de Consentimento Livre Esclarecido. A coleta de dados foi realizada após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Eduardo de Menezes da Fundação Hospitalar de Minas Gerais, sob o parecer nº 0023.0.438.000-10.Os dados evolutivos da úlcera plantar foram obtidos por meio de registros escritos no prontuário. Realizaram-se registros fotográficos digitais e a mensuração da úlcera foi realizada com régua de papel milimetrada.Caso clínico e discussãoJ.D., sexo masculino, 67 anos, aposentado, mas exercia suas atividades como jardineiro, casado, natural e residente de Pedro Leopoldo – M.G. Hipertenso, em uso de Captopril, Clorana, Propanolol. Foi encaminhado pelo centro de saúde de seu município para o Centro de Referência em Tratamento de Hanseníase em 23/11/2007, devido à úlcera em região plantar esquerda, com um ano de evolução. Na mesma data foi feito o diagnóstico de hanseníase, iniciado o tratamento com poliquimioterapia multibacilar adulto e prednisona 40mg por dia. Também foi encaminhado para avaliação da fisioterapia, para confecção de palmilhas acomodativas biomecânicas (Figura 1) e para a sala de curativos onde recebeu orientações da enfermeira sobre como realizar o curativo em domicilio até que surgisse vaga no Ambulatório de Feridas da Unidade. Paciente foi admitido no Ambulatório de Feridas em 01/12/08.relatocaso1Figura 1 - Palmilhas acomodativas biomecânicasA avaliação inicial da úlcera foi realizada pela enfermeira responsável pelo Ambulatório, bem como todas as avaliações e as trocas de curativo posteriores. O paciente apresentava ulceração em região plantar, com 6,25 cm2 (Figura 2) , tecido 90% vermelho escuro, 10% de esfacelo amarelado, exsudato em grande quantidade e bordas com hiperceratose.relatocaso2Figura 2 - Úlcera em região plantar com 6,25 cm2A limpeza da ferida era feita com solução salina isotônica em jato (frasco de 500ml furado com agulha 25x 8 mm descartável). O leito da ferida não era tocado, independente do tipo de cobertura utilizada; secava-se apenas a pele íntegra peri-ferida, utilizando gaze estéril e tendo a mão protegida por luva de procedimento. Após limpeza, procedia-se o desbridamento mecânico da hiperceratose com lâmina de bisturi com cabo estéril. Tal procedimento era feito toda vez que necessário. A cobertura de escolha foi alginato de cálcio e, para cobertura secundária, gaze estéril e atadura. Justifica-se a escolha desta cobertura, pois apresenta os seguintes benefícios, segundo Mandelbaum et al.1: auxilio no desbridamento autolítico; ser hemostático (promove agregação plaquetária); biocompatível e biodegradável; diminuir o exsudato e pode ser usado em lesões cavitárias, tunelizantes, com ou sem infecção. Entretanto, existem algumas limitações, dentre elas: requer cobertura secundária; não deve ser utilizado em lesões secas ou com pouco exsudato, pois pode haver aderência e maceração da pele adjacente; não pode ser associado a agentes alcalinos e deve-se ter rigoroso controle sobre sua procedência.A troca da cobertura nas primeiras semanas era feita de 3 em 3 dias e o paciente foi orientado a realizar a troca das coberturas secundarias no domicilio uma vez ao dia, ou conforme a necessidade.Com dois meses e quinze dias após o início do tratamento, foi possível observar a diminuição da extensão da úlcera para 1,5 cm2, presença de 100% de tecido de granulação vermelho vivo e diminuição do exsudato. Entretanto, mantinha a hiperceratose, que se não removida poderia atrasar a cicatrização da úlcera (Figura 3). Devido às melhoras apresentadas, as trocas dos curativos passaram a ser feitas 1 vez por semana, fato que favoreceu a cicatrização, pois a distância da casa dorelatocaso3Figura 3 - Hiperqueratosepaciente até o serviço era grande e implicava longos períodos de caminhada e episódios de ter que ficar em pé à espera da condução. Ressalta-se que uma das recomendações para o tratamento destes tipos de úlcera é repouso do membro afetado2 .Após 3 meses e 3 dias (04/03/2009), a úlcera apresentou aumento da extensão (2,2 cm2), aumento do exsudato, odor fétido e tecido com necrose de liquefação amarelada. Foi feita avaliação pela equipe médica e constatada infecção. O paciente foi tratado com Ciprofloxacino 500 mg por 14 dia. Em relação à cobertura, foi mantido o alginato de cálcio, pois tem propriedades que favorecem o desbridamento autolítico e controle do excesso de umidade7 . Na figura 4, após 8 dias de antibioticoterapia, observa-se ainda tecido com necrose de liquefação amarelada no leito da ferida.relatocaso4Figura 4 - Tecido com necrose de liquefação amareladaCom 3 meses e 15 dias (Figura – 5) de tratamento houve redução da extensão da úlcera (0,5 cm2), diminuição do exsudato e da hiperqueratose, estando o leito da feira com 100% de tecido de granulação vermelho vivo e não apresentava mais sinais clínicos de infecção.Em 25/05/2009, 5 meses e 13 dias após o início do tratamento, a úlcera apresentava 98% da área cicatrizada (Figura 6). O paciente recebeu alta do ambulatório de feridas com as seguintes recomendações: hidratação diária com ácidos graxos essenciais, inspeção 2 vezes por dia dos pés, uso de palmilhas e calçados adequados e repouso.O paciente foi orientado a retornar com 1 mês para reavaliação, visto que estava fazendo uso de prednisona 20 mg. Assim, fazia-se necessária a avaliação neurofuncional mensal pelos profissionais de saúde para detectar precocementerelatocaso5Figura 5 - 3 meses e 15 dias apos inicio do tratamentorelatocaso6Figura 6 - 98% da área cicatrizadao comprometimento neural e a implementação de medicamentos adequados, prevenindo possíveis complicações, diminuindo custos do tratamento, promovendo a saúde e qualidade de vida do cliente.ConclusãoA úlcera plantar foi efetivamente tratada. O uso adequado da cobertura para absorção do exsudato, desbridamento, antibioticoterapia oral, uso de calçado adequado e de palmilhas acomodativas biomecânicas tiveram eficácia no tratamento da úlcera durante o período de sua evolução.Durante todo o tratamento o paciente foi acompanhado pela equipe de enfermagem, médicos e fisioterapeuta. Este relato de caso mostrou que as intervenções da equipe multidisciplinar foram efetivas para a cicatrização de uma úlcera plantar. Ressalta-se, ainda, a importância da adesão do paciente ao tratamento com os cuidados higiênicos no domicilio durante a troca das coberturas secundárias, alimentação adequada e repouso.

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Referências

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Côrtes SMS. Avaliação da cicatrização estimulada por aceleradores, em pacientes adultos com hanseníase, portadores de úlcera plantar. [ Dissertação] – Brasília (DF): Universidade de Brasília;2008.

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Oda RM et. al. Manual de normas, rotinas e técnicas de curativos. Bauru: Centro de Estudos Dr. Reynaldo Quagliato, 2004. 36p.

Publicado

2012-09-01

Como Citar

1.
Chagas ICS das, Paula CJ de, Gonçalves SD. Relato de Caso. ESTIMA [Internet]. 1º de setembro de 2012 [citado 25º de novembro de 2024];10(3). Disponível em: https://www.revistaestima.com.br/estima/article/view/315

Edição

Seção

Artigos