Artigo Original 2

Autores

  • Valéria Cristina Oliveira Póvoa Enfermeira Especialista em Unidade de Terapia Intensiva pela Universidade Estadual de Campinas.
  • Sônia Regina Pérez Evangelista Dantas Doutora em Clínica Médica, área de Ciências Básicas. Estomaterapeuta (TiSOBEST). Enfermeira da Seção de Epidemiologia Hospitalar HC - Unicamp e Coordenadora do Curso de Especialização em Estomaterapia do Departamento de Enfermagem FCM - Unicamp.

Resumo

Incidência de Úlceras Por Pressão em um Centro de Terapia Intensiva de um Hospital Universitário

ResumoO objetivo deste estudo foi avaliar a incidência de úlceras por pressão (UP) em um Centro de Terapia Intensiva (CTI) de um hospital universitário e os fatores de risco relacionados com os dados sócio-demográficos, clínicos, tipo de unidade de terapia intensiva (UTI) e escore de Braden. Foram incluídos 177 pacientes, 114 (64,4%) do sexo masculino e mediana de idade de 58 anos (mín=18; máx=95). 53 pacientes (30%) desenvolveram UP e foram diagnosticadas 106 lesões, sendo os maiores índices em região calcânea, sacral e ocipital. Foram obtidas correlações estatisticamente significantes entre idade, tempo de internação na CTI, uso de ventilação mecânica, uso de drogas vasoativas e escore de Braden <12. Os resultados demonstraram o risco aumentado de UP nesta população e sugerem necessidade de implantação de um programa interdisciplinar institucional de prevenção, tratamento e controle.Palavras- chave: Úlcera por pressão. Unidade de terapia intensiva. Escala de Braden.AbstractThis study aimed to identify pressure ulcers (PU) incidence in an university hospital intensive care unit (ICU) and also establish the association between social demografic and clinics characteristics, ICU patern and Braden scale. One hundred seventy seven patients were studied, 114 (64,4%) male and median age of 58 years (min=18; max=95). One hundred and six ulcers were diagnosed in 53 patients (30%). The major incidence was in heel, sacral and ocipital regions. Significant association was found between age, ICU staying, mechanical ventilation, vasopressor drugs use and Braden scale <12. The results indicate high risk of PU in this population. This study suggest that institutional and interdisciplinary programs to prevent, control and treat PU are needed.Keywords: Pressure ulcer. Intensive care unit. Braden scale.IntroduçãoO Centro de Terapia Intensiva (CTI) constitui- se de um conjunto de elementos funcionalmente agrupados, destinado ao atendimento de pacientes críticos, que exijam assistência médica e de enfermagem ininterruptas, com utilização de recursos humanos e tecnológicos especializados1,2.Um dos maiores desafios na assistência a estes pacientes é a ocorrência de eventos adversos que podem comprometer as condições clínicas, prolongar a hospitalização, levar a incapacidades persistentes ou permanentes e aumentar o risco de morte3.As úlceras por pressão (UP) representam um desafio para a assistência de enfermagem em CTI devido à susceptibilidade desta população. Os principais fatores de risco da UP são a duração e intensidade da pressão sobre a pele, déficit na percepção sensorial, imobilidade e inatividade, danos tissulares relacionados a fatores extrínsecos (umidade, fricção e cisalhamento) ou a fatores intrínsecos (má nutrição, idade, alterações da temperatura corporal, tabagismo, doenças crônicas degenerativas) e efeitos de medicações anestésicas, sedativas ou vasopressores4,5,6.Embora a incidência de UP represente um indicador de qualidade da assistência, no Brasil são poucos os estudos sobre esta questão e a maioria das instituições de assistência à saúde ainda não utilizam este indicador.ObjetivosIdentificar a incidência de UP em pacientes admitidos em um CTI de um hospital universitário e avaliar os fatores de risco de acordo com os dados sócio-demográficos e clínicos, tipo de UTI e escore de Braden.MétodoE studo prospectivo, exploratório, com abordagem quantitativa, onde foram estudados todos os pacientes internados no CTI de um hospital geral de atenção terciária e de referência do interior do Estado de São Paulo, com tempo superior à 48h de internação na unidade, no período de abril a setembro de 2006. Pacientes com UP na internação foram excluídos desta casuística.Foram analisados separadamente os pacientes da Unidade Coronariana (UCO), Unidades Pós- operatória (UPO - 201 e 203) e UTI Geral, que totalizam 26 leitos do CTI. As avaliações do escore de Braden e estadiamento da UP foram realizadas semanalmente até a saída da CTI (alta, transferência ou óbito) pelos próprios pesquisadores e registradas em um instrumento de coleta, contendo dados demográficos e clínicos (nome, número de registro no hospital, sexo, etnia, data de internação e saída da CTI, unidade de internação, especialidade, uso de ventilação mecânica e drogas vasoativas).Para o estadiamento das úlceras foi considerada sua maior profundidade de acordo com as definições de estadiamento do National Pressure Ulcer Advisory Panel7.Os dados foram registrados em um banco de dados utilizando o programa Excel e analisados utilizando-se o programa SPSS for Windows 15. Para verificar associação ou comparar proporções utilizou- se o teste de Qui-quadrado, quando necessário. O nível de significância adotado em todos os testes foi de 5%.O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (CEP 802/ 2006).table01ResultadosForam realizadas 349 avaliações em 177 pacientes, 114 (64,4%) do sexo masculino e mediana de idade de 58 anos (mín=18; máx=95). Cento e trinta e cinco (76,3%) caucasóides e 39 (22%) negróides (Tabela 1).Cinqüenta e três pacientes (29,9%) apresentaram UP e foram diagnosticadas um total de 106 lesões, sendo os maiores índices em região calcânea (41,5%), sacral (29,2%) e occipital (17,9%). Vinte e cinco úlceras (23,5%) foram estadiadas como Estágio I, 53 (50%) II, 23 (21,6%) III e 5 (4,7%) Estágio IV (Tabela 2).Dos 177 pacientes avaliados, 11 (6,2%) tiveram UP diagnosticada na primeira avaliação e todos pacientes que tiveram cinco ou mais avaliações consecutivas apresentaram UP.A incidência de UP por unidade de internação foi: UTI Geral (60%), UCO (19%), UPO-203 (17%) e UPO-201 (4%), com diferença estatisticamente significativa (p<0,001) (Figura 1).As especialidades com maior incidência de UP foram a Neurocirurgia (46,6%), Gastrocirurgia (39,5%), Cardiologia (19,3%) e Cirurgia Vascular (17,6%). Também foram obtidas correlações significativas a mediana de tempo de internação, idade, uso de ventilação mecânica, uso de drogas vasoativas e Braden com escore <12 (Tabelas 3 e 4). caracterizam maior vulnerabilidade desta população para úlcera por pressão14,15.

grafic01

Figura 1 - Distribuição mensal do número de pacientes com
úlceras por pressão de acordo com a unidade de internação, no
período de abril a setembro de 2006 (n=53).

Nesta casuística, 11 pacientes (6,2%) foram diagnosticados com UP na primeira avaliação, o que caracteriza o desenvolvimento precoce desta complicação e a necessidade de avaliação sistematizada do grau de risco no momento da internação. A maior incidência de úlceras foi em calcâneos (41,5%), região sacral (29,2%) e occipital (17,9%), sugerindo que os pacientes mantidos em posição prona ou dorsal tiveram risco aumentado de UP. Outros estudos relatam as regiões sacral, maleolar, glútea e calcânea como de maior vulnerabilidade para UP3,8,9,11,12,13. Colchões hospitalares rígidos e desgastados podem ocasionar aumento de pressão em proeminências ósseas, facilitar as forças de atrito e cisalhamento, aumentando o risco de úlceras nos pacientes dependentes e acamados. A utilização de superfícies suporte e distribuição de pressão, técnica de preparo do leito, mudança sistematizada de posição, cuidados de limpeza e hidratação da pele são apontadas como medidas eficazes para a prevenção das UP e devem ser inseridas no processo de sistematização de enfermagem4,5,6,14,16.tabela2tabela3tabela4O elevado percentual de úlceras estágios I e II nesta casuística (73,5%) sugere a necessidade de implantação de um processo de prevenção da UP e capacitação de recursos humanos para diagnóstico e intervenções. No estudo de Rogenski e Santos (2006), realizado com 102 pacientes em unidades clínicas, cirúrgicas e UTI de um hospital universitário, 51,8% dos pacientes apresentaram úlceras estágio I e 37% II. Os autores acreditam que a falha no diagnóstico precoce pode estar relacionada à dificuldade de distinção entre a resposta fisiológica normal da pele à pressão (eritema reativo), com a lesão que caracteriza a úlcera estágio I (eritema não reativo), que poderá se agravar caso não seja afastado o estimulo causal8.Os estágios III e IV foram diagnosticados em 26,3% das úlceras, um dado considerado alarmante devido à gravidade e riscos de complicações infecciosas destas lesões. Úlceras de estágios I ou II em pacientes críticos podem rapidamente evoluir para os estágios posteriores na falha ou ausência de condutas locais e sistêmicas. Um programa interdisciplinar envolvendo as equipes de enfermagem, médica, fisioterapia, nutricionista e técnica podem ser uma medida eficaz para a prevenção, controle e tratamento das úlceras nestas unidades.Dos 177 pacientes estudados, 46 (86,8%) foram de alto risco na Escala de Braden (escore <12) e a incidência de UP foi significativamente maior neste grupo (p<0,001). Este dado demonstra a utilidade do instrumento como preditor das úlceras, devendo ser utilizado no momento da internação na CTI e durante toda a hospitalização, com o objetivo de avaliar as alterações de risco e possibilitar reformulação das intervenções15.O uso de ventilação mecânica e drogas vasoativas tiveram associação significativa com a UP (p<0,001). A ventilação mecânica e drogas vasoativas representam gravidade e instabilidade hemodinâmica, requerem sedação e aumentam o risco de edema generalizado e distúrbios de perfusão periférica. O risco de umidade da pele também é um fator de risco para esta população pela necessidade do uso de fraldas7,10.ConclusõesEste estudo demonstrou elevada incidência de UP (29,9%) em pacientes sob cuidados intensivos. Os fatores de risco associados com a UP foram: mediana de tempo de internação na UTI; idade; uso de ventilação mecânica e drogas vasoativas, UTI geral e escala de Braden com escore <12.ConsideraçõesA escala de Braden foi eficaz como instrumento de avaliação de risco e previsão da UP. O estudo demonstrou elevada incidência e gravidade das úlceras por pressão em pacientes sob cuidados intensivos, uma realidade que demonstra a necessidade de medidas de intervenção voltadas à melhoria da qualidade da assistência, otimização de recursos e redução de custos.Acredita-se que a implementação de um programa interdisciplinar de prevenção e tratamento da UP em unidades de tratamento intensivo, pautado na sistematização da assistência de enfermagem, identificação e redução dos riscos extrínsecos e intrínsecos, revisão dos processos de acordo com as normas internacionais propostas pelo National Pressure Advisory Panel (NPUAP), educação da equipe de saúde voltada às intervenções específicas e vigilância sistematizada destas lesões, são estratégias eficientes para redução destes indicadores e segurança desta população.Estes achados reforçam a importância de que novos estudos epidemiológicos e de intervenção sejam elaborados para prevenção de UP em populações sob risco.


Downloads

Não há dados estatísticos.

Referências

Ministério da Saúde (BR). Cuidados Prolongados. Portaria GM/MS nº 2413 de 23 de março de 1998. Brasília (DF): Ministério da Saúde, 1998.

Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Regulamento Técnico para funcionamento de Unidades de Terapia Intensiva e Unidades de Cuidados Intermediários. Portaria nº 466/MS/SVS, 04 de junho de 1998. Brasília (DF): ANVISA, 1998.

Fernandes LM. Úlcera por pressão em pacientes críticos hospitalizados. Uma revisão integrativa da literatura. [Dissertação]. Ribeirão Preto: Escola de Enfermagem da USP, 2000.

Bates-Jensen BM. Pressure Ulcers: Pathophysiology and Prevention. In: Sussman C; Bates-Jensen BM. Wound Care: A Colaborative Practice Manual for Physical Therapists and Nurses. 2nd ed. Lippincott Wilians & Wilkins, 2001. p. 325- 358.

Maklebust J, Sieggreen M. Pressure ulcer treatment guidelines for prevention and nurse management. 2nd ed. Spring: Pennsylvania House; 1996. p. 97-8.

Pieper B. Mechanical Forces: Pressure, Shear and Friction. In: Bryant RA; Nix DP. Acute and Chronic Wounds: Current Management Concepts. 3nd ed. Missouri: Mosby; 2000. p. 205-34.

National Pressure Ulcer Advisory Panel (NPUAP), Cuddigan J; Ayelo EA; Sussman C, editors. Pressure Ulcers in America: prevalence, incidence and implications for the future, Reston, Va, 2001, author.

Rogenski NMB, Santos VLCG. Estudo sobre a incidência de úlceras por pressão em um hospital universitário. Rev. Estima. 2006; 4(2):16-22.

Blanes L, Duarte IS, Calil JA, Ferreira LM. Avaliação Clínica e Epidemiológica das Úlceras por Pressão em Pacientes Internados no Hospital São Paulo. Rev Assoc Méd Brás. 2004; 50(2):182-7.

Costa IG. Incidência de úlcera por pressão e fatores de risco relacionados em pacientes de um Centro de Terapia Intensiva. Ribeirão Preto: [Dissertação] Escola de Enfermagem da USP, 2003.

Almam RM; Goode PS; Patrick MM; Burst N; Bartolucci AA. Pressure ulcer risk factors among hospitalized patients with activity limition. JAMA. 1995; 273(11): 865-70.

Bergstrom N; Braden B; Kemp M; Champagne M; Ruby E. Multi-site study of incidence of pressure ulcers and the relationship between risk level, demographic characteristics, diagnoses, and prescription of preventive interventions. J Am Geriatr Soc. 1996; 44(1): 22-30.

Alman RM. Pressure ulcer prevalence, incidence, risk factors, and impact. Clin Geriatr Med. 1997; 13(3): 421-36.

Bergstrom N; Alman RM; Carlson C et al. Treatment of Pressure Ulcers, Clinical Practice Guideline. n.15, Rockvile, Md, Department of Health and Human Service, Agency of Health Care Police and Research. Publication no.95-0652, 1994.

Bergstrom N; Braden BJ; Laguzza A; Holman V. The Braden Scale for predicting pressure score risk. Nurs Res. 1987; 36(4):2051.

Strazzieri KC; Campos FC; Santos VLCG; Rocha PCS; Melchiades EP. Superfícies de Suporte para Prevenção de Úlcera por Pressão: revisão de literatura. Rev. Estima. 2007; 5(2):25-31.

Publicado

2016-03-23

Como Citar

1.
Póvoa VCO, Dantas SRPE. Artigo Original 2. ESTIMA [Internet]. 23º de março de 2016 [citado 25º de novembro de 2024];6(2). Disponível em: https://www.revistaestima.com.br/estima/article/view/43

Edição

Seção

Artigos

Artigos mais lidos pelo mesmo(s) autor(es)

1 2 > >>