Artigo Original 1

Autores

  • Idevânia Geraldina Costa Mestre em enfermagem pela EERP/USP, enfermeira efetiva da Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso (SES/MT) lotada no Ambulatório de Dermatologia do Centro Estadual de Referência de Média e Alta Complexidade de Mato Grosso (CERMAC/MT). Membro do grupo de estudos e pesquisas em segurança do paciente da EERP/USP. Cuiabá (MT), Brasil.
  • Marta Ferreira da Silva Marcondes Mestranda em Ciências Farmacêuticas pela UNIVALI, enfermeira efetiva do Hospital Universitário Júlio Müller, Atuação em UTI e Clinica Médica. Cuiabá, Brasil.
  • Irene Kreutz Doutora em enfermagem pela EE/USP, Professor Associado do Departamento de Enfermagem da Faculdade de Enfermagem (FAEN) da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT). Membro do Grupo de Pesquisa Argos. Cuiabá, Brasil.

Resumo

Incidência de Úlcera por Pressão na UTI de um Hospital Público de Mato Grosso


Resumoentre os fatores de risco em pacientes sob sedação e uso de ventilação mecânica e descrever os estágios e os locais de desenvolvimento das úlceras. Trata-se de estudo prospectivo descritivo observacional, realizado na Unidade de Terapia Intensiva de um hospital universitário do município de Cuiabá-MT. Durante três meses consecutivos, 29 pacientes foram avaliados e, destes, 9 apresentaram 13 úlceras por pressão, sendo todas em estágio I, localizadas nas regiões do calcâneo (69,2%), sacrococcígea (23,1%) e orelha (7,7%), registrando uma incidência de 31% com média de 1,44 úlceras por paciente. O resultado deste estudo é compatível com os de outros estudos nacionais e internacionais também realizados em UTI, pois identificou elevada incidência de UP (31%). Esses resultados apontam para a necessidade de implantação de um programa de prevenção que vise à diminuição de ocorrência dessa ferida crônica e consequentemente da taxa de incidência.Descritores:Úlcera por pressão; Incidência; Fatores de risco; Unidade de Terapia Intensiva.AbstractThe aim of this study was to assess the incidence, stage, and location of pressure ulcers in an intensive care unit (ICU), and to evaluate the association between risk factors and mechanical ventilation in sedated patients. This was a prospective, descriptive, observational study conducted in an ICU of a university hospital in Cuiabá, MT, Brazil. Twenty-nine patients were evaluated for three consecutive months. A total of 13 pressure ulcers were detected in 9 of the patients. All ulcers found on examination were Stage I, and located on the heels (69.2%), sacrococcygeal region (23.1%) and ears (7.7%). The results revealed an incidence of 31% (for an average of 1.44 ulcers per patient), which is consistent with the findings of other national and international studies on pressure ulcers conducted in ICUs. These results point to the need for the implementation of a preventive program aiming to reduce the occurrence of this chronic wound and its incidence rate.Descriptors:Pressure ulcer; Incidence; Risk Factors; Intensive Care Units.Resúmende riesgo en pacientes bajo sedación y ventilación mecánica; y describir las etapas y el lugar de desarrollo de las úlceras. Este es un estudio prospectivo observacional descriptivo, realizado en la Unidad de Cuidados Intensivos (UCI) de un hospital universitario de Cuiabá-MT. Durante tres meses consecutivos, 29 pacientes fueron evaluados y 9 de ellos tenían 13 úlceras por presión, todas en la etapa I, localizadas en las regiones del calcáneo (69,2%), sacrococcígea (23,1%) y el oído (7,7%), con una incidencia del 31% y con un promedio de 1,44 úlceras por paciente. El resultado de este estudio es compatible con los de otros estudios nacionales e internacionales también realizados en la UCI, pues ha identificado una alta incidencia de UPP (31%). Los resultados apuntan a la necesidad de aplicar un programa de prevención dirigida a reducir la aparición de heridas crónicas y por lo tanto la tasa de incidencia.Palabras clave:úlceras por presión; Incidencia; Factores de riesgo; Unidades de Cuidados Intensivos.IntroduçãoSabe-se que os pacientes de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), devido à sua condição clínica e crítica, apresentam-se, na maioria das vezes, sedados e em ventilação mecânica o que pode influenciar diretamente no desenvolvimento de UP, colocando-os em condição de acamado e dependente dos cuidados de enfermagem para prevenção de UP.Considerando que de 30% a 50% dos pacientes de UTI recebem algum tipo de sedativo, estudo foi realizado na UTI cirúrgica de um hospital universitário de São Paulo e constatou incidência de 7,2% de UP nos pacientes sedados e de 1% nos pacientes sem sedação com diferença estatisticamente significativa, entre pacientes sedados e desenvolvimento de UP, apontando assim, a sedação como um importante fator de risco para UP1.Muitos pacientes de UTI necessitam de sedativos, como forma de induzir o coma, tornando-os dependentes da ventilação mecânica, situação na qual também os colocam na condição de acamados, sendo assim mais um fator de risco para desenvolvimento de UP. Estudo realizado em uma UTI no interior paulista identificou diferença estatisticamente significante (p=0,001) entre o grupo com UP que fazia uso de ventiladores mecânicos e os sem UP que não necessitaram desse procedimento, sugerindo que pacientes em ventilação controlada são mais expostos ao risco2.É comum os pacientes de UTI serem classificados com os diagnósticos de “risco para integridade da pele prejudicada” e “mobilidade física prejudicada”, sendo necessárias intervenções constantes relacionadas à manutenção da integridade da pele.Devido à condição de acamado da maioria dos pacientes de UTI, muitas vezes, a equipe de saúde pode ver com naturalidade o fato desses pacientes desenvolverem UP. No entanto a literatura afirma que o desenvolvimento de UP pode estar associado à má qualidade da assistência e exige uma grande demanda de tempo e dinheiro para tratamento das lesões, principalmente quando não existem programas específicos voltados para a prevenção3.As UP causam, muitas vezes, sofrimento físico e mental para os pacientes que apresentam a lesão em estágios avançados, podendo levar a sérias consequências, como complicações sépticas e hospitalização prolongada4.O conhecimento dos profissionais sobre os fatores de risco também é muito importante para a determinação das medidas preventivas. Sendo assim, esses devem assumir em sua prática clínica a avaliação do paciente em risco e monitorização de novos fatores para proporem e implementarem medidas realmente eficazes.Para verificar se as medidas preventivas estão adequadas, é necessário fazer o mapeamento da prevalência e incidência das úlceras (no mínimo anualmente), permitindo, assim, que a instituição e os profissionais de saúde conheçam a qualidade da assistência prestada aos seus clientes, encontrem as falhas e façam ajustes necessários na proposta de cuidado.Na prática clínica, parece ser natural que o envolvimento dos profissionais de saúde em suas rotinas de cuidados ao paciente funcione como um fator dificultador do mapeamento da prevalência e incidência de UP. No entanto, a obtenção desses dados proporcionaria um melhor conhecimento da real situação dessa problemática e dos resultados da assistência por eles prestada.O mapeamento da prevalência e incidência de UP deve ser de interesse não somente dos profissionais de saúde mas também das instituições que desejam conhecer a extensão do problema por meio desses indicadores, que deve ser considerado serviços prestados. Os resultados dessa avaliação podem apresentar variações conforme a população estudada (clinica, ortopedia, UTI, idosos etc), as peculiaridades dos serviços e a atuação da equipe de saúde.O interesse em desenvolver este estudo surgiu a partir da constatação de uma lacuna na literatura brasileira sobre estudos de incidência de UP, especificamente, na região Centro-Oeste, após levantamento bibliográfico realizado na base de dados da LILACS, utilizando os seguintes Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): Incidência, Unidade de Terapia Intensiva e Úlcera por Pressão com suas variações (úlcera de decúbito e úlcera por pressão).Considerando a importância do tema e a necessidade de expandir a realização de pesquisas sobre incidência de UP e conhecer a extensão desse problema em outras regiões brasileiras, despertounos o interesse em desenvolver este estudo, com os objetivos de analisar a incidência de UP em uma UTI de um hospital universitário da capital de Mato Grosso; identificar a associação entre os fatores de risco para UP em pacientes sob sedação e uso de ventilação mecânica; descrever os estágios e os locais de desenvolvimento das UP.MétodosTrata-se de um estudo prospectivo, descritivo, observacional, realizado nos meses de novembro e dezembro de 2005 e janeiro de 2006, na UTI do Hospital Universitário Júlio Muller em Cuiabá-MT após autorização do Comitê de Ética em Pesquisa da instituição (Parecer nº224/CEP/ HUJM/05).No período de coleta de dados, essa unidade dispunha de oito leitos, sendo um isolamento, mantidos 100% pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em cada turno de trabalho, havia cinco técnicos de enfermagem, um enfermeiro assistencial e também um enfermeiro coordenador que trabalhavam oito horas diárias. Os enfermeiros realizavam prescrições e evoluções de enfermagem, porém ainda não tinha sido implantado o Processo de Enfermagem de forma completa.Neste estudo, consideraram-se como fatores de risco para desenvolvimento de UP todos os pacientes sob sedação e em uso de ventilação mecânica, a exemplo de outros estudos já realizados e seguindo a orientação da Agency for Health Care Polocy and Research (AHCPR) atualmente conhecida como Agency for Health Care Polocy and Quality (AHCPQ)5, que recomenda que todos os pacientes de UTI devem ser considerados de risco para UP devido aos fatores que não podem ser controlados, como estado hemodinâmico alterado, uso de medicamentos (drogas vasoativas, sedativos, imunossupressores etc.) e de equipamentos que dificultam a mobilização (ventilação mecânica), entre outros. A mesma literatura recomenda que a avaliação do risco deve ser feita na admissão e a cada 48 horas.Dessa forma, fizeram parte do estudo pacientes que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: ter mais de 18 anos; não apresentar UP na admissão; estar sedados e em ventilação mecânica; permanecer internados por período igual ou superior a 48 horas, possibilitando assim a realização de, no mínimo, duas avaliações; consentir participar da pesquisa, por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) ou ter sua participação autorizada pelo seu responsável legal.Para a coleta de dados, utilizou-se um instrumento contendo dados referentes às características demográficas e clínicas (sexo, idade, cor, tabagismo, realização de cirurgia, diagnóstico médico, doenças preexistentes e tempo de hospitalização na UTI) e caracterização da UP segundo localização e classificação. Os pacientes foram avaliados até sua saída da UTI por alta, óbito ou término da pesquisa.Foram coletados dados referentes à presença de UP e seus descritores como localização e estágios. Considerou-se a classificação do National Pressure Ulcer Advisory Panel (NPUAP), publicada em 19896, pois a última versão foi atualizada e traduzida para o português7 posteriormente à coleta de dados deste estudo:Estágio I: descrito como eritema de pele intacta que não embranquece após a pressão leve do dedo ou o alívio desta, sendo que no caso de pacientes com pele escura considerou-se os sinais de descoloração da pele, calor, edema e endurecimento como indicadores de identificação da UP.• Estágio II: perda parcial da pele, envolvendo epiderme, derme, ou ambos. A úlcera é superficial e apresenta-se como uma abrasão, uma bolha ou uma cratera rasa.• Estágio III: perda da pele na sua espessura total, envolve danos ou necrose do tecido subcutâneo que pode se aprofundar, mas não chega até a fáscia muscular.• Estágio IV: perda da pele na sua espessura total, com extensa destruição, necrose ou danos no músculo, ossos ou estruturas de suporte como tendões ou cápsula das juntas.Os pacientes que apresentaram hiperemia, que poderia ou não ser considerada uma UP no estágio I, foram mudados de posição e, após 30 minutos, reavaliados para evitar confusão entre detecção de hiperemia reativa com classificação da UP em estágio I.Os dados referentes às características demográficas, clínicas e tempo de internação foram coletados dos prontuários dos pacientes e os dados referentes à variável dependente (presença de UP) foram coletados a partir de avaliações sistemáticas das condições da pele, na admissão e a cada 48 horas, até detecção da UP, alta da UTI ou óbito.A coleta de dados foi realizada no período da manhã por uma das pesquisadoras, durante os três meses consecutivos, nas segundas, quartas e sextas-feiras, exceto aos sábados domingos e feriados, devido haver pouquíssima internação nesses dias. O período matutino era o momento em que a equipe de enfermagem realizava a higienização (banho de leito) dos pacientes, o que facilitou a avaliação da pele, evitando-se, assim, desconfortos desnecessários.No caso em que a higiene corporal já tivesse sido realizada antes da chegada da pesquisadora no campo, solicitava-se a ajuda da equipe de enfermagem na movimentação do paciente para observação de sua pele. Sempre que a pesquisadora identificava a presença de UP, essa registrava suas características (local e estágio) e comunicava o médico e o enfermeiro responsáveis pelo paciente.Para o cálculo da incidência, foram considerados todos os pacientes que desenvolveram UP durante os três meses do estudo, dividido pelo número de pacientes que atenderam aos critérios de inclusão no mesmo período, multiplicado por 100. Dessa forma, a incidência foi representada em porcentagem, sendo calcula pela seguinte fórmula: Incidência= nº de pacientes que desenvolveram UP nos três meses da pesquisa X100 nº de pacientes que atenderam aos critérios de inclusão mesmo períodoPara a análise dos dados, utilizou-se o aplicativo do Microsoft Excel com digitação dos dados por dupla entrada para verificação de erros de digitação. A análise estatística se deu por meio do EPI-Info, no qual as variáveis foram representadas pelos números absolutos e suas respectivas porcentagens.Para verificar associações entre as características demográficas e clínicas (sexo, idade, cor, tabagismo, cirurgia, tempo de internação, e tipo de saída do estudo) com a variável dependente (presença e ausência de UP), utilizou-se o Teste Exato de Fisher, recomendado no caso em que o número da amostra é pequeno e possui frequência menor que cinco. Considerou-se como nível de significância estatística para os testes o valor de p<0,05.ResultadosDurante os três meses de pesquisa, 29 pacientes atenderam aos critérios de inclusão. Destes, 9 desenvolveram UP, evidenciando uma incidência de 31%.Na análise da associação entre as variáveis demográficas e clínicas dos dois grupos (com UP e sem UP) nenhum resultado estatístico significativo foi encontrado sendo apresentados os dados de forma descritiva (Tabela 1).

 Observa-se que, em relação às características demográficas dos pacientes com UP, não houve grandes variações entre o sexo feminino e masculino (44,4% e 55,5%), assim como entre os que realizaram cirurgia e não (44,4% e 55,5%), respectivamente. No entanto, houve grandes variações entre pacientes não idosos (= 60 anos) e idosos (>60 anos), com 66,7%, e 33,3% e respectivamente.Constatou-se um grande número de pacientes (com UP) considerados de cor de pele não branca (77,8%), não tabagistas (66,7) e com tempo de internação inferior ou igual a 10 dias (88,9%). Além disso, identificou-se que muitos pacientes com UP (55,6%), bem como os sem UP (40%), saíram do estudo por óbito, o que pode estar relacionado à gravidade desses pacientes.As categorias de diagnósticos médicos estão apresentadas na Tabela 2, considerando a Classificação Internacional de Doenças (CID 10).

estudo, seguida das neoplasias (16,1%) e diabetes mellitus (12,9%). Do total de pacientes, 8 (25,8%) não tinham doenças preexistentes.Na Tabela 3, apresenta-se a distribuição dos pacientes segundo as categorias de doenças preexistentes.

A hipertensão arterial (32,3%) foi a doença preexistente predominante entre os pacientes do estudo, seguida das neoplasias (16,1%) e diabetes mellitus (12,9%). Do total de pacientes, 8 (25,8%) não tinham doenças preexistentes.Na Tabela 4, são apresentadas as localizações das 13 úlceras por pressão, nos nove pacientes da amostra.

Todas as úlceras por pressão foram identificadas ainda em estágio I, sendo que das 13 UP detectadas, 9 (69,2%) estavam localizadas nos calcâneos, 3 (23,1%) na região sacrococcígea e apenas 1 (7,7%) localizava-se na orelha, não tendo constatado úlceras nas demais regiões (Tabela 4).DiscussãoEm relação à idade, observou-se que em ambos os grupos (com UP e sem UP), a maioria dos pacientes encontravam-se na faixa etária de “não idosos” (= 60 anos), representando um percentual de 66,7% e 60%, respectivamente.A influência da idade tem apresentado diferença estatística significante8,9 e não significante4, reforçando o fato de que esse dado, apesar da forte influência no desenvolvimento da UP, não deve ser avaliado isoladamente.Indivíduos com idade avançada apresentam alterações corporais como diminuição da massa muscular, alterações na formação de elastina e colágeno, alterações nutricionais, dentre outros, que os tornam propensos ao desenvolvimento da UP10.Os pacientes caracterizados como de cor não branca foram a maioria no grupo com UP (77,8%) e a metade (50%) no grupo sem UP. Outros estudos nacionais identificaram predomínio da cor de pele branca nos pacientes que desenvolveram UP, variando entre 73,3% e 80,9%8,9,11.Neste estudo, observou-se que a maioria dos pacientes com UP (66,7%) e sem UP (75%) não fazia uso de tabaco. Da mesma forma, o tabagismo também não apresentou associação estatisticamente significante em pacientes de um estudo citado anteriormente2. Entretanto, em pacientes de uma UTI de Potianak, na Indonésia, que fumaram mais de 10 cigarros por dia, foram encontradas associações significativas. Os autores do estudo afirmam que o consumo de grandes quantidades de nicotina e alcatrão de cigarros contribuiu para o desenvolvimento de úlceras de pressão nos participantes da pesquisa12.A relação entre cigarro e desenvolvimento de UP pode estar relacionada à quantidade de alcatrão e nicotina e tipo de filtros que são usados por fumantes, o que provavelmente justifique variações nos resultados de pesquisas em pacientes de UTI10. No entanto, sabe-se que a nicotina inibe a produção de prostaciclina, favorecendo a vasoconstrição, o que pode levar à isquemia do tecido e, consequentemente, dano tecidual.Uma avaliação mais aprofundada sobre o efeito de alcatrão e nicotina, tempo de tabagismo e quantidade de cigarros com o desenvolvimento de UP é necessária para melhor elucidar essa relação10.Apesar de o efeito vasoconstritor da nicotina no organismo contribuir para a diminuição do aporte de oxigênio e nutrientes para o tecido13, ainda é um fator considerado hipotético necessitando de mais investigações.Em relação ao fator de risco cirurgia, um estudo14 realizado em 208 pacientes de um hospital de ensino na Holanda, com objetivo de investigar a relação entre o desenvolvimento de UP em pacientes submetidos à cirurgia, com duração superior a quatro horas, identificou que as UP desenvolvidas no pós-operatório foram atribuídas como consequência do tempo de cirurgia, constatando incidência de 21,2% de úlceras em estágio I (ou mais), nos dois primeiros dias do pós-operatório, ocorrendo principalmente nos calcâneos e região do sacro ou região sacra. Os autores ressaltaram que como não é possível diminuir o tempo de cirurgia, a prevenção deve ser direcionada para diminuir as forças mecânicas sobre a pele, por adoção de colchões redutores de pressão e protetores de calcâneos que permitam sua elevação.No presente estudo, a maioria dos pacientes com UP (88,9%) ficou internada na UTI por um período inferior ou igual a 10 dias, ao passo que a maioria dos pacientes sem UP ficou internada por um período superior a 10 dias (60%), porém não houve diferença estatisticamente significativa entre presença de UP e tempo de internação na UTI. Em outros estudos, foi constatado que pacientes que desenvolveram UP permaneceram internados por um longo período de tempo na UTI8,9. No entanto, resultado divergente foi encontrado em estudo em que os pacientes com UP tinham menor tempo de internação (média= 8,9) do que aqueles sem UP (média=11,6), demonstrando mais uma vez que um determinado fator não deve ser analisado isoladamente11.Neste estudo, observou-se que o óbito foi o desfecho que mais ocorreu tanto em pacientes com UP (55,6 %) quanto naqueles sem UP (40%), também não sendo constatada associação significante entre esse fator e os grupos com e sem UP. Em uma UTI de Bonsucesso, no Rio de Janeiro (RJ), a maioria dos pacientes com UP (82%) também saiu do estudo devido ao óbito15, o que pode estar relacionado com a gravidade do quadro clínico desses pacientes.Similar ao nosso estudo, os resultados de uma pesquisa realizada em 2003, na UTI de um hospital universitário do interior paulista apontaram predominância de pacientes com disfunções neurológicas (26,4%), cardíacas (24,5%), neoplásicas (18,9%) e respiratórias (17,0%)2. Em 2006, outro estudo realizado nessa mesma UTI verificou que as alterações cardíacas e neurológicas estavam em 7º e 8º lugar, respectivamente, entre os pacientes com UP13. O predomínio das doenças cardiovasculares (71,2%) também foi identificado em uma pesquisa de incidência na UTI de um dados referentes às doenças preexistentes são similares aos de outra pesquisa, citada anteriormente, que também constatou maior número de pacientes com hipertensão (52,8%) seguida de neoplasias (30,2%) e diabetes mellitus (22,6%)2.A incidência de UP nos hospitais brasileiros ainda é pouco divulgada em artigos científicos e a grande maioria dos estudos publicados em periódicos indexados na LILACS foi realizada em UTIs localizadas no estado de São Paulo e constataram taxas entre 13,3% e 62,5%2,8,9,11,13,16, sendo que, em um deles, a incidência foi idêntica à encontrada em nosso estudo (31%)8.Dentre os poucos estudos de incidência existentes em outros estados, encontrou-se publicação de uma pesquisa17 recente, realizada na UTI de um hospital publico do Distrito Federal, e cuja incidência foi um pouco maior (37%) que a de nosso estudo. No estado do Rio de Janeiro, estudo realizado em uma UTI de Bonsucesso constatou incidência de 26,8%15. Em Natal, o levantamento de incidência de UP em duas UTIs, geral e cardiológica, de um hospital privado foi de 64,3% e 42,3%, respectivamente, acarretando incidência global de 50%18.Revisão sistemática19 sobre prevalência e incidência de UP em UTI, incluiu artigos publicados somente no CINAHL e PubMed, entre 2000 e 2005. Dentre sete artigos que atenderam aos critérios de inclusão, apenas dois eram sobre incidência, sendo um realizado no Texas e outro em Nova York, e apresentando taxas de 3,8% e 12,4%, respectivamente. Além desta publicação, algumas outras recentes, sobre incidência de úlcera por pressão em UTI, foram encontradas no exterior, uma de Pontianak na Indonésia, com resultado semelhante ao de nosso estudo (33,3%)12, e outra da Bélgica, com incidência de 20,1%20.Estudos demonstram que a incidência de úlcera na região sacrococcígea variou entre 22,9% e 60,7%, ao passo que no calcâneo encontrou-se variação superior, entre 24,6% e 42,3%2,15-17. A região do calcâneo é considerada, muitas vezes, a primeira a desenvolver UP, principalmente devido à ação de forças mecânicas, facilitando a diminuição do volume circulatório secundário e, consequentemente, a oclusão capilar e isquemia. Devido à distribuição desigual do peso corporal e a presença de grandes proeminências ósseas, a maior parte das úlceras ocorrem na metade inferior do corpo21. Intervenções devem ser realizadas precocemente, permitindo a diminuição de pressões externas ao corpo, por meio de elevação com o travesseiro, evitando o contato destes com o colchão e, por isso, a normalização do retorno venoso21.No CTI de um hospital universitário do interior paulista, a autora levantou a incidência de UP em dois momentos: antes e após fazer intervenções educativas, respectivamente. A região sacrococcígea foi a mais atingida (30,6%), no primeiro momento, e a região do calcâneo foi a mais (50%) atingida no segundo momento. Nesse mesmo estudo, detectou-se também uma UP na orelha (2,9%), apenas no segundo momento13.Resultados de outras pesquisas demonstram que a maioria das úlceras é detectada ainda no estágio I2,15,16. Portanto, existe a necessidade de intervenções ainda nesse estágio, sempre que possível, para assim evitar a evolução dessas lesões para estágios mais avançados e de mais difícil tratamento.No presente estudo, provavelmente o tamanho da amostra - selecionada conforme os critérios de inclusão durante três meses de coleta de dados - dificultou a constatação de associações estatísticas significativas entre presença e ausência de UP, relacionadas às variáveis: sexo, idade, cor, tabagismo, cirurgia, tempo de internação e motivo de saída da UTI. Assim, pretende-se ampliar o número de meses de coleta de dados e, conseqüentemente, o tamanho da amostra para viabilizar testes estatísticos mais robustos e estudar a associação estatística entre as variáveis demográficas e clínicas e presença/ausência de UP.ConclusãoOs resultados deste estudo foram similares aos de alguns estudos nacionais e internacionais, também realizados em UTI, identificando-se elevada incidência de UP (31,1%).Pôde-se verificar, ainda, que a maioria das UP ocorreu em regiões da cintura para baixo, como demonstra a literatura, sendo que os calcâneos foram os mais atingidos (69,2%), seguidos da região sacrococcígea (23,1%).Estes resultados apontam para a necessidade de implementação de um programa de educação e prevenção de úlcera por pressão que vise ao treinamento e à conscientização da equipe de saúde sobre a identificação dos fatores de risco e adoção de medidas preventivas realizadas precocemente, a fim atingir menores taxas de incidência.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Referências

Rodrigues-Jr GR, Amaral JLG. Influence of sedation on morbidity and mortality in the intensive care unit. São Paulo Med J. 2004;122(1):8-11.

Costa ID, Caliri ML. Incidence of pressure ulcer in intensive care center at a university hospital and risk factors. Rev Paul Enferm. 2004;23(3/4):202-207.

Nonnemacher M, Stausberg J, Bartoszek G, Lottko B, Neuhaeuser M, Maier I. Predicting pressure ulcer risk: a multifactorial approach to assess risk factors in a large university hospital population. J Clin Nurs. 2009;18(1):99-107.

Rocha ABL, Barros AMO. Pressure ulcer risk assessment: sensitivity and specificity properties of the Portuguese version of Waterlow scale. Acta Paul Enferm. 2007;20(2):143-150.

Bergstrom N, Allman RM, Alvarez OM, Bennett MA, Carlson CE, Frantz RA, et al. Treatment of pressure ulcers. Clinical practice Guideline. n 15. Department of Health and Human Services. Public health Service. Agency for Health Care Polocy and Research. Rockville, MD. AHCPR Publication nº 95-0652. December 1994.

National Pressure Ulcer Advisory Panel. Position Statements. Disponível em: http://www.npuap.org/positn6.htm. Acesso em: 13 de junho de 2005.

National Pressure Ulcer Advisory Panel. Conceito e classificação de úlcera por pressão: atualização do NPUAP. Tradução de Santos VLCG, Caliri MHL. Rev Estima 2007;5(3):43-44.

Fernandes LM, Caliri MHL. Using the Braden and Glasgow Scales to predict pressure ulcer risk in patients hospitalized at intensive care units. Rev Latino-am Enfermagem 2008;16(6):973-78.

Cremasco MF, Wenzel F, Sardinha FM, Zanei SSV, Whitaker IY. Pressure ulcer: patient risk, patient acuity, and nursing workload. Acta Paul Enferm. 2009; 22(spe):897-902.

Theaker C. Pressure sore prevention in the critical ill: what you don’t know, what you should know and why it’s important. IntensiveCrit Care Nurs. 2003;(19):163-168.

Rogenski NMB, Santos VLCG. Incidence of pressure ulcers at a university hospital. Rev Latino-am Enfermagem 2005;13(4):474- 80.

Suriadi, Sanada H, Sugama J, Kitagawa A, Thigpen B, Kinosita S, Murayama S. Risk factors in the development of pressure ulcers in an intensive care unit in Pontianak, Indonesia. Int Wound J. 2007;4(3):208-15.

Fernandes LM. Efeitos de intervenções educativas no conhecimento e práticas de profissionais de enfermagem e na incidência de úlcera de pressão em Centro de Terapia Intensiva. [tese]. Ribeirão Preto (SP): Escola de enfermagem de Ribeirão Preto/USP;2006.

Schoonhoven L, Defloor T, Tweel IVD, Buskens E, Grypdonck MHF. Risk indicators for pressure ulcers during surgery. Appl Nurs Res. 2002;16 (02):163-173.

Sousa CA, Santos I, Silva, LD. Applying recommendations of the Braden’s Scale and preventing pressure ulcers: evidences for nursing care. Rev Bras Enferm. 2006;59(3):279-284.

Diccini S, Camaduro C, Iida LIS. The incidence of pressure ulcer in neurosurgical patients from a university hospital. Acta Paul Enferm. 2009;22(2):205-9.

Matos LS, Duarte NLV, Minetto RC. Incidência e prevalência de úlcera por pressão no CTI de um Hospital Público do DF. Rev Eletr Enf. [Internet]. 2010 [cited 2011 jan 6];12(4):719-26. Available from: http:/ /www.fen.ufg.br/revista/v12/n4/v12n4a18.htm.

Fernandes N C S, Torres GY. Incidence and risk factors of ulcers of pressure in patients in the intensive care unit. Cienc Cuid Saude 2008;7(3):304-310.

Shahin ESM, Dassen T, Halfens RJG. Pressure ulcer prevalence and incidence in intensive care patients: a literature review. Nurs Crit Care 2008;13(2):71-79.

Nijs N, Toppets A, Defloor T, Bernaerts K, Milisen K , Berghe GVD. Incidence and risk factors for pressure ulcers in the intensive care unit. J Clin Nurs. 2008;18(9):1258-66.

Wong VK, Stotts NA. Physiology and prevention of hell ulcers: the state of science. J Wound Ostomy Continence Nurs. 2003;30(04):191-198.

Publicado

2016-03-23

Como Citar

1.
Costa IG, Marcondes MF da S, Kreutz I. Artigo Original 1. ESTIMA [Internet]. 23º de março de 2016 [citado 22º de novembro de 2024];9(3). Disponível em: https://www.revistaestima.com.br/estima/article/view/67

Edição

Seção

Artigos