Artigo Original 1
Resumo
Oxigenoterapia Hiperbárica para Tratamento de Feridas Crônicas: Análise Retrospectiva do Desfecho de Solicitações Judiciais
• Perfil dos usuáriosNo período do estudo, 152 usuários foram cadastrados na planilha de processos judiciais do SAD. Atendendo aos critérios propostos, foram analisados 86 prontuários, sendo que 75 usuários eram provenientes de serviços privados ou convênios e 11 de serviços públicos.Quanto ao sexo, quarenta e quatro (51,2%) eram mulheres. A idade variou de 27 a 87 anos (média 63 ± 13,3); os homens tinham idade variando de 35 a 83 anos, com média de 58,5 anos; e as mulheres tinham idade de 27 a 87 anos, com média de 66,6 anos. Quanto ao estado conjugal, oito (9,3%) eram solteiros, nove (10,5%) separados, desquitados ou divorciados, quinze (17,4%) eram viúvos, vinte e quatro (27,9%) tinham esposo(a) ou companheiro(a) e trinta (34,9%) não tinham registro da informação em prontuário. A maioria (71%) residia com familiares, doze (14%) residiam sozinhos, três (3,5%) moravam em instituição de longa permanência e apenas um (1,2%) morava com outras pessoas fora da estrutura familiar; em dez (11,6%) prontuários, não havia registro dessa informação. Quanto à escolaridade, setenta e oito (90,7%) não tinham registro no prontuário e um deles era analfabeto; os outros sete estudaram de 2 a 11 anos, com média de 5 anos. Em relação à cor da pele, o dado não foi localizado em mais de 90% dos prontuários.No que diz respeito às informações sobre a condição laboral do usuário no momento da solicitação do processo judicial para tratamento por OHB, somente dez (11,6%) exerciam trabalho remunerado e quarenta e três (50%) eram inativos, por doença ou aposentadoria. Entretanto, em vinte e nove prontuários (33,7%) essa informação não estava registrada.Características das feridas no momento da solicitação judicial para tratamento com OHBNa avaliação inicial pela equipe do SAD, identificou-se que os oitenta e seis usuários apresentavam entre uma e doze feridas, com um total de cento e setenta e oito. A Tabela 1 apresenta a região corporal de sua localização, conforme a informação registrada no prontuário.
Tabela 1 - Distribuição de feridas crônicas dos usuários com solicitação judicial para tratamento com OHB, segundo a região corporal. Ribeirão Preto, 2011;Localn%MIE6335,4MID4123,0Ambos MMII105,6Pés1810,1Calcâneo84,5Maléolo137,3Glúteo31,7Pododáctilos95,0Sacral42,2Inguinal21,1Antebraço21,1Lombar10,6Axiliar10,6Occipital10,6Frontal10,6Sem registro10,6Total178100MIE - membro inferior E; MID - membro inferior D; MMII - membros inferiores
Em relação ao local de cada ferida (Tabela 1), observa-se que há predomínio nos membros inferiores (com inclusão dos pés e regiões dos pés), totalizando cento e sessenta e duas (91%) feridas.Na Tabela 2, é apresentada a distribuição dos oitenta e seis usuários, segundo o tipo de ferida registrada no prontuário e a idade (< 60 anos e = 60 anos). Entretanto, nove não possuíam registro sobre a faixa etária. Dentre esses, cinco possuíam úlceras venosas, dois tinham úlceras neuropáticas e dois úlceras por pressão.A Tabela 2 mostra que, para as duas faixas etárias, a úlcera venosa foi a ferida mais frequente. Para os mais jovens, a segunda ferida mais frequente foi decorrente de osteomielite e, para os mais velhos, as úlceras neuropáticas sem especificação (por Diabetes ou Hanseníase).Quanto à duração das feridas, as úlceras venosas existiam entre 1 a 55 anos, com média de 16 anos. As demais lesões variaram de 1 a 50 anos, sendo a mais antiga pertencente a um indivíduo com epidermólise bolhosa hereditária.Quanto à dimensão das feridas, os registros nos prontuários referiram-se a cento e sessenta e sete feridas. As áreas variaram de 0,25 cm² a 700 cm². Cinqüenta e quatro feridas (32,3 %) tinham até 8,0 cm²; 37 (22,1%) tinham entre 8,1 cm² e 24 cm² e 76 (45,5%) tinham áreas maiores do que 24 cm² . Vinte lesões tenham registro da profundidade que variou de 0.2 a 17 cm (média 4,2 e DP ± 4,2). Apenas quatro feridas (4,7%) possuíam lojas e em duas a mensuração das lojas estava documentada (1,5 cm e 1,9 cm, respectivamente). Em relação ao odor, catorze feridas (16,3%) apresentavam odor fétido. Vinte e cinco (29,1%) feridas apresentavam
Tabela 2 - Distribuição dos usuários quanto ao tipo de ferida, segundo a idade. Ribeirão Preto, 2011Localn%MIE6335,4MID4123,0Ambos MMII105,6Pés1810,1Calcâneo84,5Maléolo137,3Glúteo31,7Pododáctilos95,0Sacral42,2Inguinal21,1Antebraço21,1Lombar10,6Axiliar10,6Occipital10,6Frontal10,6Sem registro10,6Total178100MIE - membro inferior E; MID - membro inferior D; MMII - membros inferiores
Tabela 2 - Distribuição dos usuários quanto ao tipo de ferida, segundo a idade. Ribeirão Preto, 2011.Tipo de feridaMenos que 60Igual ou maior que 60Total n%n%n% Úlcera Venosa929,12554,43444,1Úlcera Neuropática, PD, H516,1919,61418,2Osteomelite619,448,71013Úlcera por pressão26,412,233,9Amputação/Ferida Cirúrgica39,724,356,5Carcinoma/Ca de pele+lesão actínica13,224,333,9Outros516,136,5810,4Total311004610077*100PD - Pé diabético; H - Hanseniase* 9 não possuiam registro sobre a idade
Tabela 3 - Distribuição de pacientes que realizaram ou não OHB, segundo o tipo de ferida. Ribeirão Preto, 2011.Tipo de feridaFez OHBNão fez OHBTotal n%n%n% Úlcera Venosa2256,41738,53945,3Úlcera Neuropática, PD, H956,2743,71618,6Osteomelite660,0440,01011,6Úlcera por pressão120,0480,055,8Amputação/Ferida Cirúrgica--510055,8Carcinoma/Ca de pele+lesão actínica266,6133,333,5Outros787,5112,589,3Total4754,63641,886100PD - Pé diabético; H - Hanseniase
exsudato, dentre as quais nove (36%) não tinham registro da quantidade, seis (24%) tinham uma grande quantidade, cinco (20%) moderada e cinco (20%) pequena quantidade. Em relação ao registro sobre o tipo de tecido presente no leito da ferida, oitenta (44%) apresentavam tecido de granulação, quarenta e oito (27%) esfacelo e seis (3,4%) fibrina. Outras quarenta e quatro (24,7%) não tinham registro.Evolução das condições da ferida e do processo judicialAté o final da coleta de dados para este estudo, quarenta e sete (54,6%) dos oitenta e seis usuários haviam iniciado o tratamento com OHB e realizaram entre uma a duzentas e dez sessões (média 70,8 e DP ± 56,5). Os números médios de sessões de OHB foram: 76,3 (DP ± 61,4) para úlceras venosas; 61,7 (DP ± 49,5) para úlceras neuropáticas / pé diabético/ Hanseníase; 40,7 (DP ± 38,7) para osteomielite/infecção óssea; 20 para úlcera por pressão (um paciente); 115 (DP ± 35,4) para câncer de pele/ carcinoma/ lesões actínicas e 85,8 (DP ± 68,2) para outras feridas.Na Tabela 3, apresenta-se a distribuição de indivíduos que fizeram ou não o tratamento com OHB, segundo o tipo de ferida. Quarenta e sete (54,6%) usuários, que estavam cadastrados no SAD em dezembro de 2010 com solicitação para a OHB, tiveram a solicitação atendida até junho de 2011.Figura 1 - Distribuição dos usuários que receberam ou não o tratamento com OHB, segundo o tipo de ferida e desfecho.Os usuários com feridas cirúrgicas ou amputações receberam a OHB com menor frequência do que os com outras feridas crônicas (Tabela 3 e Figura 1).A Figura 1 mostra que, para todos os tipos de feridas, houve maior frequência de cicatrização entre os usuários que não receberam o tratamento com OHB, assim como maior frequência de abandono do seguimento pela equipe do SAD. No grupo que recebeu o tratamento com OHB, dois usuários com úlcera venosa faleceram sem cicatrização da lesão. No grupo que não recebeu o tratamento com OHB, houve três usuários com úlcera neuropática, úlcera por pressão ou ferida cirúrgica que morreram e nenhum apresentou cicatrização da lesão durante o seguimento.DiscussãoO estudo identificou que, dos oitenta e seis usuários que solicitaram judicialmente tratamento com OHB, 87,2% eram pacientes atendidos em serviços privados ou convênios. Entretanto, embora o sistema de saúde do Brasil seja público e universal, isso não significa que todos os serviços, tratamentos e medicamentos existentes devem ser oferecidos gratuitamente para a população. Na atualidade, os que pleiteiam esses direitos dependem do Poder Judiciário para definir, para o Estado, os limites do dever constitucional de efetivar o direito à saúde. 5Quanto à idade, tinham em média sessenta e três anos, corroborando afirmação de que os idosos de ambos os sexos compõem uma significante parcela da população que necessita de cuidados com feridas pois, com o envelhecimento, todas as fases da cicatrização podem ser afetadas, independentemente de comorbidades. 11,12 A maior parte dos usuários tinha cônjuge e morava com outros membros da família. O estado conjugal e arranjo familiar relacionado à moradia é um fator que pode influenciar quanto ao acesso aos serviços de saúde para tratamento para os que vivem sozinhos. Afirma-se que os familiares podem contribuir para o cuidado do paciente com doenças crônicas e, dessa maneira, prevenir ou diminuir as complicações delas decorrentes. 13Identificou-se que a cor da pele e a escolaridade dos pacientes não foram registradas nos prontuários em 90,7% dos casos. Entretanto, esses dados são importantes para uma avaliação holística do paciente. A identificação da cor da pele é fundamental, pois algumas doenças são mais frequentes em indivíduos de certas raças tornandoos mais suscetíveis a desenvolver feridas crônicas ou ter dificuldades para a cicatrização da ferida, como no caso da anemia falciforme em pessoas negras. A identificação do nível de escolaridade pode auxiliar na definição dos termos que serão utilizados para as orientações do usuário e os limites do entendimento do mesmo e, por isso, precisa ser incluída nos formulários que orientam a assistência de enfermagem.Metade dos usuários era composta de indivíduos aposentados ou em licença médica. A variável situação laboral é importante para o estudo da condição de pessoas com feridas crônicas, pois a ferida pode limitar a realização das atividades diárias e incapacitá-lo para o trabalho, acarretando mais despesas para o indivíduo e sua família, principalmente se é aposentado. Isso também pode afetar o estilo de vida dos pacientes, não só pelo impacto significativo na situação econômica, mas também por acarretar maior predisposição ao isolamento social, fator que prejudica a cura. 14Como esperado, os membros inferiores constituíram o local mais freqüente de localização das feridas, já que a maioria era úlcera venosa. As úlceras venosas representam a maior parte das úlceras de perna, seguidas de úlceras neuropáticas associadas às áreas de pressão e sujeitas aos traumas como os pés.15, 16 O fator etiológico mais comum para a úlcera venosa é a insuficiência venosa, desencadeada pela hipertensão venosa.O aumento da prevalência das úlceras é proporcional ao aumento da idade.17 Elas afetam significativamente o estilo de vida dos pacientes em decorrência da dor crônica ou desconforto, depressão, perda de autoestima, isolamento social, incapacidade para o trabalho e pela elevada freqüência de hospitalizações e visitas ambulatoriais 18. Exatamente nesse sentido, no presente estudo, identificou-se que os usuários tinham a úlcera venosa por longos períodos de tempo. As recomendações para o tratamento tópico de úlcera venosa embasado em evidências destacam que o cuidado requer, além da terapia tópica, a realização de tratamento básico da hipertensão venosa, utilizando o repouso e a terapia compressiva, cuja falta de controle contribui para as altas taxas de recorrência. 16 Constata-se, no entanto, que a terapia compressiva nem sempre é realizada em pacientes com úlceras venosas atendidos nos serviços, sendo o enfoque principal o curativo. Essa condição pode influenciar não só no desfecho do tratamento, mas também levar ao seu abandono pelo paciente. 15A avaliação da ferida com a mensuração da área da lesão ao longo do tratamento fornece uma medida objetiva da evolução e é um índice confiável da cicatrização, além de ser importante para a identificação de feridas potencialmente difíceis de curar e para avaliação da eficácia do tratamento. 14, 16,19 A escala PUSH 20 é uma ferramenta clínica útil para monitorar a cicatrização de feridas crônicas. Considera o comprimento e largura, quantidade de exsudado e tipo de tecido. Neste estudo, investigaram-se os registros realizados pela equipe de enfermagem nos prontuários utilizando os componentes da escala, porém, sem a atribuição de escores. Identificou-se que a área encontrada com maior frequência foi > 24 cm2, representando uma ferida de grande dimensão e com piores condições clínicas 20 , o que significa que o tempo para cicatrização pode ser longo e, muitas vezes, esse desfecho não é obtido. 17Tal observação aliada ao tempo que os usuários apresentam a ferida sem obter a cicatrização podem explicar as ações do indivíduo em buscar obter judicialmente uma terapia inovadora e divulgada na mídia da cidade como capaz de dar resultados positivos no tratamento de feridas crônicas.No entanto, a revisão sistemática9 publicada na base de dados Cochrane, em 2012, mostra que não há estudos suficientes para apoiar o uso de Oxigenoterapia Hiperbárica em outros tipos de feridas crônicas além das úlceras de origem diabética. Nessas lesões, a OHB adicionada ao tratamento padronizado resultou em melhoria significativa na cicatrização da ferida, porém esse benefício não permaneceu em longo prazo. Em termos de amputação, a OHB não parece reduzir significativamente a taxa de pequenas amputações, porém há redução significativa de amputação acima do tornozelo. Além disso, a revisão identificou um estudo com dezesseis participantes com úlceras venosas que obtiveram benefícios significativos na redução da área de ferida após seis semanas de OHB porém, sem cicatrização total. Esses achados mostram que nem todas as feridas se beneficiam com a terapia com OHB e, portanto, nem todas são candidatas para receber esse tipo de tratamento. Ademais, sob nenhuma circunstância, qualquer paciente deveria ser tratado com a OHB em caráter de teste, para “ver se a terapia funciona”. 19A literatura mostra, portanto, que em algumas situações a OHB contribui eficazmente no tratamento das feridas crônicas, ao acelerar o processo de reparação, evitar amputações, aumentar a vitalidade de enxertos e retalhos comprometidos, diminuir o custo global da doença e aumentar a qualidade de vida dos pacientes.6 Entretanto, sua eficácia parece maior quando a OHB é usada como terapia coadjuvante no tratamento das feridas de difícil cicatrização, notavelmente naquelas que se apresentam cronicamente hipóxicas como, por exemplo, as feridas de extremidades inferiores em diabéticos que podem levar a amputações, e as úlceras isquêmicas que demonstram resposta positiva ao estímulo de aumento da pressão de O2.19 A hipóxia patologicamente aumentada está correlacionada à dificuldade de cicatrização e ao aumento da taxa de infecção da lesão uma vez que as respostas essenciais do organismo para a cicatrização da ferida (replicação de fibroblastos, deposição de colágeno, angiogênese e resistência à infecção) dependem de oxigênio. 21Neste estudo, os resultados encontrados demonstraram que, apesar do uso da OHB em conjunto com a terapia tópica, grande parte dos pacientes não apresentou cicatrização das feridas e continuou em acompanhamento pela equipe, após as sessões de OHB. Em contrapartida, os pacientes que não realizaram a OHB, mas que também tiveram seguimento pela equipe do SAD e utilizaram as terapias disponibilizadas de acordo com o protocolo da SMS–RP, apresentaram maior frequência de cicatrização. Esses resultados remetem a questionamentos relacionados não somente à gravidade das lesões desses usuários como ao tipo de tratamento a que tinham acesso antes da solicitação judicial e à qualidade da atenção nos serviços para a população com feridas crônicas no município. 10 Sabe-se que a terapia com OHB tem um elevado custo e que deve ser utilizada como co-adjuvante, de maneira que desfechos positivos sejam obtidos.Assim, torna-se necessária a realização de outros estudos prospectivos, randomizados e de intervenções para a proposição de protocolos de condutas que considerem a realidade dos serviços de saúde no país.ConclusãoA maior parte dos usuários com feridas crônicas, que compôs a amostra deste estudo, não obteve a cicatrização das lesões durante o tempo proposto para a pesquisa. No grupo que fez o seguimento pelo SAD e que recebeu somente o tratamento tópico de acordo com o protocolo da SMS –RP houve maior frequência de cicatrização do que no grupo que, além do protocolo, também fez as sessões de OHB. No entanto, identificou-se que ambos os grupos apresentavam feridas de difícil cicatrização demonstrando a complexidade do problema e a necessidade de políticas públicas para tratamento adequado desde a fase inicial do processo da doença. A pesquisa trouxe contribuições no sentido de apresentar a realidade de um serviço de saúde, os esforços e os resultados obtidos pela equipe no atendimento da demanda de usuários com feridas crônicas.LimitaçõesAlgumas limitações podem ser mencionadas, principalmente por se tratar de estudo documental, retrospectivo e baseado em revisão de prontuários e planilhas onde certas informações não foram encontradas nos registros; porém, esses dados são importantes para que haja a avaliação do paciente e dos resultados da assistência. Outra limitação decorreu do tempo limitado para a coleta de dados, tratando-se de pesquisa acadêmica com prazos determinados para início e término. Estudos prospectivos com indivíduos com feridas crônicas para observação dos efeitos dos diferentes tratamentos demandam recursos humanos e materiais e parcerias entre as instituições acadêmicas e os serviços de saúde públicos e privados, o que ainda não é frequente no país.Agradecimento: ao CNPq, pela Bolsa de Iniciação Científica, no período de 2010-2011.
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Referências
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