Artigo Original 1 - Experiência de Ser Mãe de Criança com Estomia

Autores

  • Sara Rodrigues Rosado Enfermeira. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG.
  • Eliza Maria Rezende Dázio Enfermeira. Doutora em Enfermagem, Docente da Escola de Enfermagem e do PPGENF da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG.
  • Silvana Maria Coelho Leite Fava Enfermeira. Doutora em Enfermagem, Docente da Escola de Enfermagem e do PPGENF da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG.
  • Paulo Henrique Maia Graduando da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG.
  • Cibelle Barcelos Filipini Enfermeira. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG.
  • Zélia Marilda Rodrigues Resck Enfermeira. Doutora em Enfermagem, Docente da Escola de Enfermagem e do PPGENF da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG.

Resumo

ResumoO cuidado com a criança com estomia intestinal exige da sua família e, especialmente, da mãe a adoção de novas atitudes cotidianas que envolvem as dimensões biológica, emocional e social. Trata-se de estudo com abordagem qualitativa, fundamentado nos referenciais da Antropologia Interpretativa e do método etnográfico, que objetivou compreender o significado de ser mãe de criança com estomia. Participaram do estudo três mães de crianças com estomia do sul de Minas Gerais. A coleta de dados foi realizada no período de março a outubro de 2011, por meio de entrevistas semiestruturadas, diário de campo e observação participante. Análise das falas das mães resultou na construção de dois núcleos de significados: “A desilusão do sonho” e “Resignação diante do adoecimento”. As mães têm seus sonhos interrompidos, passam pela experiência do sofrimento nos períodos pré, intra e pós-operatórios, e ajustam a vida com resiliência. A inclusão social da criança sob tecnologia assistiva ainda é incipiente em nossa sociedade. Os princípios da integralidade do cuidar envolvem o estabelecimento de relações, a escuta qualificada e as ações que propiciam resolutividade às demandas existentes, sem se restringirem aos cuidados com o equipamento coletor da criança com estomia.Descritores: Relações Mãe-Filho. Estomía. Cuidados de Enfermagem.AbstractCaring for a child with an intestinal stoma requires the development of new routines by the family, especially the mother, involving the biological, emotional and social dimensions. This was a qualitative study based on the premises of Interpretative Anthropology and Ethnographic methods that sought to understand the experience of being a mother of a child with a stoma. Three mothers of children with ostomies from Southern Minas Gerais (Brazil) participated in the study. Data were collected between March and October 2011 using a semi-structured interview, field notes, and participant observation. Thematic discourse analysis was used to identify two themes: “Disillusionment of dreams” and “Resignation to the illness”. Mothers have their dreams shattered, suffer during the pre-, intra- and postoperative periods, and adjust their lives with resilience. The social inclusion of a child using assistive technology devices is still limited in our society. The principle of integrality of care involves establishing relationships, quality listening and actions that provide efficient solutions to meet existing demands, and is not restricted to the management of the child’s ostomy appliance.Descriptors: Mother-Child Relations. Ostomy. Nursing Care.ResumenEl cuidado del niño con ostomía intestinal exige de su familia y, en especial, de la madre, adoptar nuevas actitudes cotidianas que envuelvan lo biológico, emocional y social. Se trata de un estudio con enfoque cualitativo basado en las referencias de la Antropología Interpretativa y del método etnográfico que tuvo como objetivo comprender el significado de ser madre del niño con ostomía. Las participantes fueron tres madres de niños con ostomía del sur de Minas Gerais. La recolección de datos se llevó a cabo de marzo a octubre de 2011, por medio de entrevistas semiestructuradas, diario de campo y observación participante. A partir del análisis surgieron dos núcleos significativos: “La decepción del sueño” y “Resignación frente a la enfermedad.” Las madres tienen sus sueños interrumpidos, pasan por la experiencia del sufrimiento en el pre, intra y post-operatorio y se adaptan a la vida con resiliencia. La inclusión social de los niños bajo tecnología asistida es todavía incipiente en nuestra sociedad. Los principios de integralidad del cuidado implican el establecimiento de relaciones, escucha calificada y acciones que permitan resolver las demandas existentes y que no se limiten al cuidado con la bolsa colectora de un niño con ostomía.Palabras clave: Relaciones Madre-Hijo. Estomía. Atención de Enfermería.IntroduçãoA maternidade é um momento cercado de expectativas e imaginações, para a maioria das mulheres 1. Durante a gestação, os pais sonham e almejam que seu filho venha ao mundo sadio e se desenvolva perfeitamente. Entretanto, o fato de uma criança nascer com algum problema de saúde pode gerar sentimentos de impotência, medo, culpa, fracasso e ansiedade, trazendo consequências para o ambiente familiar e, muitas vezes, levando os pais à crise, como é o caso da criança que necessita da construção de uma estomia2.Estomia é uma abertura cirúrgica de um órgão, formando uma boca que fica em contato com o meio externo para alimentação ou para as eliminações de secreções, fezes e/ou urina3. Consiste em uma medida de caráter temporário ou definitivo e recebe denominação de acordo com a parte do corpo em que é realizada4. Nas crianças, normalmente são provisórias e decorrem principalmente de obstruções intestinais, malformações congênitas e traumas5.Diante da necessidade de construção de uma estomia, a família pode apresentar dificuldades para aceitar a nova condição da criança, pois se trata de um fator que interfere diretamente na construção da autoimagem da criança. A não aceitação do estoma, aliada ao sentimento de ser diferente, pode gerar comportamentos sociais como a negação de sua nova condição, manuseio incorreto de equipamentos coletores e agressividade2.Para os pais, essa situação pode ser vivida com ambivalência, variando desde o desejo de negar a condição até o de superproteger a criança. Esses sentimentos podem colaborar para que a criança forme uma imagem fragilizada e inadequada de si, ou para que a mesma se torne o centro de atenções. Por outro lado, existem pais que aceitam melhor a situação do seu filho após a confecção do estoma temporário ou permanente, uma vez que esse é um recurso de sua sobrevivência e, dessa forma, transmitem segurança ao filho que, então, pode desenvolver-se normalmente6.A ausência dos pais cuidadores, nos primeiros meses de vida da criança, pode contribuir para a redução do peso corporal, para as alterações no sono e para a queda de resistência da criança6. Assim, os pais devem ser motivados a oferecer à criança gestos de amor, como carícias, toques, abraços, dentre outros, pelos profissionais de saúde. O papel dos profissionais de saúde, em especial, da Enfermagem - prática social comprometida com o cuidado humano – refere-se à responsabilidade e ao compromisso de intervir planejando a assistência integral à família e à criança nos períodos pré, intra e pós-operatório7. Compete a esses profissionais ajudar a família a “ajustar-se” propiciando melhor entendimento e convivência com o adoecimento, e não apenas priorizando os cuidados físicos mais prementes.Em face dessa realidade, o cuidado com a criança com estomia intestinal exige da sua família e, especialmente, da mãe a adoção de novas atitudes cotidianas que envolvem as dimensões biológica, emocional e social.Dada a escassez de estudos relacionados à temática e diante das inquietações profissionais nessa área surgiram os seguintes questionamentos: Como a mãe enfrenta as fases de pré, intra e pósoperatórias da criança com estomia? Quais as dificuldades encontradas pelas mães no processo de cuidar? Como é o relacionamento entre a mãe e o filho com a sua nova condição? Quais são as mudanças no convívio diário entre a mãe e a criança com estomia?Para dar respostas a essas preocupações e inquietações, desenvolveu-se este estudo com o objetivo de compreender o significado de ser mãe de criança com estomia.MétodosEstudo com abordagem qualitativa, fundamentado no referencial da Antropologia Interpretativa de Cliford Geertz8 e do método etnográfico.A Antropologia interpretativa busca interpretar a experiência na perspectiva daqueles que a vivenciam8, constituindo-se em um referencial adequado para responder aos objetivos deste estudo.O método etnográfico coaduna ao referencial teórico que foi adotado, uma vez que, se pretende alcançar uma forma próxima de compreender o significado da experiência de ser mãe de criança com estomia. Esse método é entendido como uma ciência interpretativa, pois o homem constrói e reconstrói os sentidos que podem ser interpretados, enquanto criador da cultura8. Nessa perspectiva, o papel do pesquisador é o de descrever o discurso social, anotando-o e transformando-o em conhecimento científico.A situação social escolhida focalizou a experiência de ser mãe de criança com estomia. O estudo foi desenvolvido no período de março a outubro de 2011 e foram levantados os cadastros de crianças com estomias do Centro Municipal de Atenção às Pessoas com Deficiência – CEMAPE, de um município de Minas Gerais. Dentre as seis crianças cujas mães foram selecionadas para o estudo, duas crianças reverteram o estoma e uma criança faleceu. Ao final, somente três mães constituíram a amostra do estudo. Apresentaram idade entre 22 e 52 anos, casadas ou divorciadas; católicas e evangélicas; ensino fundamental incompleto; do lar; renda familiar entre R$ 600,00 e R$800,00*. Quanto ao número de filhos, Maria possuía quatro filhos, dos quais a filha com colostomia (6 anos). Aparecida tinha um único filho, com idade de um ano e quatro meses, com colostomia; e Tereza possuía três filhos, sendo uma filha de nove anos com urostomia. Quanto aos diagnósticos médicos, foram: malformação congênita do sistema geniturinário, enterocolite e ânus imperfurado, este último resultando em estomia definitiva. Em pediatria, a maioria das estomias é de caráter transitório, podendo ser parte do tratamento de doenças malignas, benignas, inflamatórias, traumáticas abdominais decorrentes de acidentes e malformações congênitas9.O estudo cumpriu os princípios éticos, de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, sendo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição sob o parecer n° 087/2011. As informantes assinaram do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e, para respeitar o anonimato, foram-lhes atribuídos nomes fictícios.Os dados foram coletados em visita domiciliária pré-agendada, utilizando-se como técnicas, a observação participante, anotações em um diário de campo e entrevista com questões que abordavam as características do perfil socioeconômico das informantes e a seguinte questão norteadora: Fale como foi para você antes, durante e depois da cirurgia que resultou na construção da estomia de seu filho(a). Mediante permissão das informantes, as entrevistas foram gravadas com gravador digital, sendo transcritas imediatamente após a coleta.Ressalta-se que a etnografia não se trata de um espaço empírico no qual se aplica ou avalia uma teoria antropológica, ou seja, a partir dela vai sendo construído o saber teórico conjuntamente à coleta dos dados10. Dessa maneira, a análise de dados foi realizada concomitantemente à coleta e constituída de três fases: Ordenação, Classificação e Análise final11.A Classificação dos dados foi subcategorizada em codificação, categorias empíricas, identificação das categorias analíticas e análise final11.* Na época da coleta de dados, o salário mínimo vigente era de R$ 545,00.Resultados e Discussão

 

A partir da análise dos dados, foram identificados dois núcleos de sentido: Impacto da constatação do problema e providências tomadas e Necessidade de dar continuidade à vida que, após interpretados originaram os seguintes núcleos de significados: A desilusão do sonho e Resignação diante do adoecimento, apresentados a seguir.• A desilusão do sonhoNo imaginário popular, a notícia da gravidez e a espera pelo nascimento da criança são cercadas de muitas expectativas e comemorações, bem como dúvidas e ansiedades em relação à saúde, à vida e ao futuro do bebê12. As mães, em especial, sofrem um grande impacto ao nascimento de um filho com problemas de saúde.Ao relembrar como a criança nasceu e como receberam a notícia, as mães se emocionaram, revelando em suas faces um semblante de tristeza, olhar longínquo e choro (diário de campo, 03/06/ 2011).“[...] eu tive começo de pré-eclâmpsia... ai teve que tirar... nasceu com 1,100kg, só que assim, perfeitinho... nasceu de 6 meses e pouquinho. Ai quando vê, 11 horas da noite me ligou e falou que estava descendo pro centro cirúrgico para operar” (Aparecida).“Depois de três dias que ela nasceu que eles [médicos] falaram pra mim que minha filha tinha esse problema... que a minha filha não tinha o ânus, que ela tinha duas vaginas, que ela começou a obrar pela vagina” (Maria).“Então, quando eu descobri foi uma tragédia né!? Eu, minha outra filha, todo mundo, ninguém esperava [...]” (Tereza).A experiência do sofrimento pelo qual a mãe passa, deixa-lhe lembranças marcantes. Assim, a Enfermagem precisa estar atenta às questões relacionadas à revelação do diagnóstico de um problema de saúde do filho à mãe. É de fundamental importância a elaboração de um plano assistencial que contemple ações nas diferentes dimensões, com sensibilidade humana e ética, desde o período pré-operatório até o seguimento no domicílio.O contato inicial com a doença gera ansiedade nos pais e o principal temor é a morte da criança13.“O médico explicou que tinha mais chances de perder ele do que ele sobreviver, porque o caso dele era muito grave, que ele só tinha 1.100g, pegou infecção, enterocolite, ele explicou e tal. Ai, na hora meu marido quase desmaiou, pensou que ele não ia sobreviver” (Aparecida).Culturalmente, a morte é algo desconhecido e temido; sendo muito sentida pelas pessoas quando se trata de uma criança, uma vez que, no senso comum, a morte é um processo natural apenas para o idoso.Diante deste momento difícil e angustiante dos pais, o enfermeiro deve oferecer aporte emocional e acionar uma rede de apoio que inclui a família, psicólogo e líder religioso, dentre outros. Dentre as crianças no estudo, apenas uma delas não foi diagnosticada quando ainda era bebê. A mãe foi a primeira a observar que algo com sua filha não estava certo e que ela precisava de cuidados.“Ela ia ao banheiro, e fazia força. Para mim era para fazer coco, mas não, era para fazer xixi ela fazia força” (Tereza).Os pais, e em especial as mães, são os primeiros a observarem alterações na saúde dos filhos. Os profissionais de saúde devem ser perspicazes ao avaliarem o bebê e devem valorizar as informações da mãe para o diagnóstico precoce das anormalidades. A partir daí, algumas mães percorrem os serviços de saúde em busca do tratamento ideal para essas crianças. A seguir, o relato de Maria revela uma peregrinação pelos serviços de saúde e alguns equívocos profissionais:“Ela (filha) ficou 20 dias lá [internada], depois eu fui embora com minha menina. Ai depois de 20 dias ela voltou... ficou mais dois meses por causa de problema de respiração. [...] eu levei, num médico de outra cidade, ele olhou e falou que ela podia fazer a cirurgia depois de grandinha. Que isso era uma coisa à toa. [...] quando a menina tinha 6 meses deu septicemia...ai eu corri com ela pro pronto socorro... ela ficou mais 35 dias internada. Ai, um dia eu fui levar ela nesta cidade, porque minha filha tava obrando muito. Contei ao Pediatra que minha filha não tinha o ânus, que ela tinha duas vaginas, que ela começou a obrar pela vagina... ele pegou e chamou esse outro médico... e marcou a cirurgia pra menina em novembro. Fez a primeira cirurgia [...] cheguei em casa, passou uma semana e tinha perdido a cirurgia, parece que tudo arrebentou. Voltou pro Dr., ele fez os exames e levou pra outra cidade maior...ficou lá mais uns 25 dias, internada, fazendo exames...depois voltei... e ela fez a cirurgia da bolsa”(Maria).Um dos fatores que contribui para postergar o diagnóstico da doença pelos profissionais de saúde é o seu equívoco ao serem procurados pelos pais, quando as crianças apresentam os primeiros sintomas.Para as peregrinações em busca de tratamento, Aparecida e Maria realizaram os procedimentos prescritos, consultas, cirurgias, exames e transportes fornecidos pelo Sistema Único de Saúde - SUS. De certa maneira, esse fato demonstra o respeito pelos princípios da universalidade, integralidade e equidade do Sistema Único de Saúde e pelos direitos do cidadão14. Mas, nem sempre isso acontece:“Fez tudo no particular. Tudo pago, tudo pago. Foi o pai dela que levou [transporte], tudo no particular. Então o pai dela ajudou a pagar, não foi nada pelo SUS. O Dr. não deu desconto nenhum... As consultas dele tudo paga. Na época, eu pagava 70 reais cada consulta e tinha o retorno. Mas era isso todo mês, todo mês” (Tereza).No relato, constata-se que a família passou por dificuldades financeiras e por privações, ao direcionarem todos os esforços e recursos para o restabelecimento da saúde do filho. O adoecimento leva as pessoas a acionarem a rede de apoio não apenas para o tratamento e cura, mas, sobretudo, para amenizar o seu sofrimento. Por meio dos relatos pode-se perceber que a espiritualidade constitui uma importante rede de apoio e enfrentamento:“[...] Fez a cirurgia, no lado esquerdo não conseguiu passar [sonda]. O médico falou: mãe vai ter que fazer hemodiálise. Eu sozinha, não tinha ninguém lá. Eu rezando a noite inteira e só chorando.[...] Aqui Dr., eu tenho certeza que do lado que você fez a tal da bolsinha está entupindo, algum sangue talhou. [...] o Dr. pegou um caninho, tipo uma sonda, só que é mais grossa, passou nela ai o xixi dela foi só saindo. Foi a maior alegria da minha vida!” (Tereza).A enfermagem deve respeitar as crenças religiosas da mãe, pois essas constituem um dos recursos acessados como estratégia para amenizar a incerteza diante da enfermidade de seu filho15. Passar pela experiência de receber um filho no pósoperatório é marcante:“[...] ele [médico] chamou e disse: agora nós vamos fazer a cirurgia nela, ai fez [...], só que foi um horror a cirurgia dela, ela foi para quarto toda cheia de aparelhos” (Tereza).Cabe destacar o papel primordial que os profissionais de saúde desempenham nas orientações à família com vistas a minimizar os impactos decorrentes do tratamento, neste caso, principalmente, pelo uso da tecnologia assistiva. No decorrer das entrevistas, Maria ressaltou que durante a fase pós-cirúrgica, recebeu apoio da equipe de enfermagem e dos médicos explicando sobre o procedimento realizado, a função dos aparelhos e os cuidados com sua filha, fato que a tranquilizou.“[...] Eles [médicos] mesmos me explicaram o que seria feito. Explicou qual era o problema dela. Explicou tudo. É porque, explicou que a menina ia colocar a bolsa, as vezes conforme o tempo ela ia tirar, as vezes não. Então me explicou direitinho sim” (Maria).“[...] falou [médicos] que ia tirar, que era a mesma coisa que uma parede, que estava sobrando na bexiga dela, que ia tirar esse pedaço que estava sobrando na parede e que ia jogar fora, entendeu?” (Tereza).Através dos relatos é possível perceber aimportância das orientações como uma maneira de tranquilizar as adversidades decorrentes do tratamento. Contudo, a visão mecanicista do corpo permeia a visão biomédica.No presente estudo, constatou-se que o cuidado centraliza-se na figura materna, uma vez que culturalmente na nossa sociedade o cuidado do filho é de competência da mãe. Duas mães foram informadas sobre a doença e a cirurgia a ser realizada, enquanto outra não teve orientação sobre o procedimento, uma vez que para os profissionais de saúde a situação de emergência justificou a ação.“[...] ligou [funcionário do hospital] pra nós e falou que já estava descendo pro bloco cirúrgico. Que ia demorar um tempão. Estava aqui na minha cidade, ai nós fomos. Chegou lá ele já estava sendo operando. Não explicaram sobre o estomia, só depois que eu vi que estava com a bolsinha”(Aparecida).Os sentimentos de medo, angústia e insegurança surgem diante a hospitalização, aflorando quando a mãe enfrenta a situação de que seu filho será submetido a uma cirurgia. Ela sofre por não saber o que pode acontecer ao filho, pelas incertezas quanto à sua melhora e por temer a possibilidade de alguma coisa dar errado16.“Nossa senhora, fala a verdade, parecia que o mundo ia acabar” (Maria).“Nossa foi horrível! Credo! Acho que ele entrou 11 horas e saiu 1hora. Ele pequenininho lá... Todo mundo rezando... Nossa foi horrível” (Aparecida).“Foi horrível, porque nunca aconteceu isso com filho meu, e acontece isso com ela” (Tereza).É possível evidenciar que a mãe sente esperança e alegria ao ver seu filho sair do centro cirúrgico com vida, relatando que, mesmo com a nova condição de seu filho, o importante é que ele está vivo.“[...] na hora que saiu pra levar ele pra UTI [...] falou que nós podia entrar pra ver ele. Ai chegou lá, ele sedado mexendo assim os braçinhos, as perninhas...tipo assim, nós sentiu que ele tava dizendo assim, “ai eu to vivo” , tipo assim ai nós ficou com esperança [...] ele falou que o quadro dele dava pra reverter ai fiquei tranquila. Só de saber que ele tava com vida, que ele tava bem, que tinha curado a infecção, nós aceitou” (Aparecida).Entende-se o sofrimento da mãe diante da estomia do filho, sentimento também mostrado em estudo de Leite e Cunha17. Os depoimentos a seguir revelam o sofrimento ao ter o primeiro contato com o filho com estomia.“Eu não queria ficar perto e não quis lavar e não queria ver” (Maria).“Foi horrível né? [ver o estomia] Inacreditável [...] eu não queria colocar a mão, nem depois que fui embora. Ai eu tinha uma sobrinha que é enfermeira, ela que vinha fazer pra mim” (Tereza).As mães relatam que, após o primeiro impacto, foram se “acostumando” com a ideia de ter seu filho com a estomia. O convívio possibilitou um melhor entendimento das necessidades da criança, permitindo-lhes ver e tocar a estomia de seu filho, mesmo sem acreditar no que estava acontecendo.“Depois passou a ser normal, ai eu mesma fazia” (Tereza).“Ai no segundo dia eu quis ver, vi. Mas, mesmo assim, pra mim aquilo era um absurdo” (Maria).A equipe de saúde deve orientar a mãe sobre os cuidados específicos com o estoma, como a higienização e troca dos equipamentos coletores e sua aquisição gratuita bem como os aspectos psicológicos da criança. Deve ainda contribuir para a desconstrução de imagem “imperfeita” da criança, facilitando e colaborando para a aceitação pela família,através do amor, da educação e inclusão social17.Em relação às orientações, as mães relataram:“[...] a enfermeira explicou. Foi depois da cirurgia. Só me ensinaram, depois eu ensinei meu marido” (Maria).“[...] a enfermeira ensinou tudo, lá é muito bom! E sobre a sonda, eu tive aula dois dias, de passar sonda, a higiene né como que é, tive tudo”(Tereza).A partir das orientações, os pais se sentem mais seguros para o retorno ao lar o que implica atravessar mais uma etapa da caminhada, exigindo adaptações no cotidiano domiciliar e social17. A experiência bem sucedida após a primeira cirurgia acarreta maior segurança para o enfrentamento de intervenções posteriores que se fazem necessárias:“[...] Então a primeira cirurgia que ela fez pra mim era entrar e sair morta. Eu não acreditava que ia sair viva. Ai a segunda cirurgia, eu já tive mais confiança... sabe eu já fiquei mais assim...mas mesmo assim a gente ainda chora. Mesmo assim eu chorava” (Maria).“[...] quanto a isso você sabe que eu fiquei feliz, você sabe porque? sabe o médico falou que não tinha perigo” (Tereza).O impacto é vivenciado de forma peculiar pela mãe de idade mais avançada. Tal forma de agir pode se justificar pela maturidade e pelos percalços da vida, uma vez que as pessoas mais velhas têm estratégias acumuladas para lidar com as vicissitudes da trajetória da vida, o que propicia melhor enfrentamento das adversidades18.Nesse contexto, a enfermagem desempenha um papel de fundamental importância e responsabilidade, planejando intervenções que minimizam o sofrimento perioperatório. • Resignação diante do adoecimento Os cuidados com a criança com estomia exigem dos pais e, principalmente das mães (as maiores responsáveis pelo cuidado), um tempo maior do que aquele dispensado às outras atividades. Assim, muitas mães optam em deixar o trabalho para último plano, ao se defrontarem com a necessidade de cuidar de um filho com doença crônica13.A exigência de atenção integral ao cuidado dificulta o desenvolvimento concomitante de outra atividade que não a do lar. Durante as visitas, todas as mães relataram que mudaram de vida, abandonaram o trabalho para cuidarem da família e, em especial, da criança, deixando muitas vezes o convívio social de lado. É o que se constata nos relatos a seguir:“[...] Antes de fazer a cirurgia a minha vida era assim, tranquila sabe, eu não esquentava muito... eu era alegre [...] hoje eu já não sou mais, sabe assim... depois que ela começou com essa doença [...] É a mesma coisa que dar uma facada na gente, eu não estava esperando nada” (Tereza). “[...] Porque eu sou separada, eu podia sair, sabe, ficar a noite inteira com as amigas, tomar uma cervejinha, comer alguma coisa, mas eu não vou por causa dela, porque tem que passar a sonda nela, então evito muita coisa por causa da minha filha” (Tereza).Todas as mães referiram que o relacionamento com seus filhos era ótimo. Observa-se que elas tratavam seus filhos de forma carinhosa e com superproteção: “[...] ele não dá amolação, é o meu xodozinho” (Aparecida).“Eu sempre faço as vontades dela demais, mimo ela” (Maria).“O pai dela comprou uma moto pra ela e pagou 700 reais, mas antes da moto ele comprou um bicicleta, pagou 400 reais, agora ele nem terminou de pagar a moto e ela já ta querendo um Patatipatata [...] mas eu sempre faço as vontades dela” (Maria).É comum as mães superprotegerem os filhos com algum problema de saúde, o que pode trazer como consequência a perda do controle dos impulsos da criança, devido à dificuldade em impor limites19.A mãe de uma das crianças tenta explicar o seu comportamento, argumentando que este ocorre devido a todos os problemas e dificuldades que sua filha enfrentou durante o percurso de sua doença.“Mimada ela é! Os médicos falam que ela é uma guerreira, depois de tudo que ela já passou, todo mês levando agulha” (Tereza). A nova condição impõe modificações nas relações da família, a qual não pode ser negligenciada, já que a criança estabelece com os irmãos um convívio de parceria e aprendizagem13. É possível observar que a relação entre os irmãos é expressa sempre como normal, comum, pelas mães entrevistadas, mas essa normalidade pode desequilibrar-se quando a atenção da mãe ao filho doente é maior comparativamente àquela dispensada aos demais.“Os irmãos não tem ciúmes porque eles já sabem” (Maria).Durante as visitas, eram frequentes as queixas dos irmãos em relação ao modo particular das mães oferecerem atenção ao filho com estomia (diário de campo, 03/08/2011). É preciso que essa mãe torne sua relação mais próxima do normal com seus filhos e entre eles.As mães revelaram a participação dos pais em momentos difíceis, como a hospitalização do filho, e em atividades de rotina da criança, como banho e troca da bolsa de estomia. Apenas em uma família, não se verificou a participação da figura paterna nos cuidados diários da criança, por se tratar de um casal divorciado. Nesse caso, o pai participa contribuindo apenas financeiramente. “[...] eu aprendi a troca de bolsa e depois eu ensinei meu marido” (Maria).Nas divisões das tarefas diárias da criança com a mãe, a participação paterna deve ser estimulada, pois o companheiro é identificado como a maior figura de apoio das mães de crianças com doença crônica19.O convívio com as outras crianças também é fundamental para o seu desenvolvimento psíquico e social. As mães de duas crianças relataram que seus filhos possuem um convívio normal e saudável com outras crianças da escola e vizinhança e que estas sabem da estomia de seu filho.“Brinca, adora brincar. Tem um menininho aqui do lado que ele vai pra lá” (Aparecida).“Normal, eles sabem que ela tem. As amigas dela vê, vê eu fazendo, não escondo” (Tereza).No entanto, uma mãe relatou o sofrimento de seu filho perante a rejeição dos colegas. “Só que os amiguinhos, os coleguinhas não brincam com ela. As vezes ta brincando, ela entra no meio e eles param, e falam pra ela que ela não pode porque ta fedendo [...] as vezes fala que ela ta fedendo né!? Que a minha filha fede cocô. Perguntam porque você usa isso? E ela se sente [...] Ela (minha filha) fala: Nossa mãe, o povo fala que eu to fedendo” (Maria).Perante o comportamento dos colegas escolares, a criança com estomia começa a questionar se ela é a única que se encontra nessa situação.“Ela acha que só ela que tem. Ela acha que não existe mais criança que nem ela” (Maria).Diante de tal situação, surge um questionamento: ela é excluída pelos colegas ou ela se exclui por se sentir diferente? Cabe contextualizar a questão do bullying nesse relacionamento. A criança que enfrenta o bullying passa a ser insegura, com deterioração da autoestima e do autoconceito além do isolamento social20.O preconceito sofrido pela criança na escola gera conflitos e favorece o atraso em seu desenvolvimento, devido ao número de faltas. “Por isso que ela não quer ir para a escola. Minha filha não é uma criança feliz” (Maria).A equipe de saúde tem como objetivo facilitar a adaptação da criança à sua condição, às internações e (re)internações, além de esclarecer sobre seu tratamento, por meio de uma interação pautada na comunicação que consiste em ouvi-la individualmente21. O diálogo objetiva esclarecer pontos obscuros, desmistificar fantasias, dar novas explicações que podem funcionar como mecanismos adaptativos, em momentos de estresse. Durante a fase escolar, uma das mães informou apresentar dificuldades na aceitação da sua filha nas escolas, devido à sua condição. A procura por uma vaga tornou-se um obstáculo para essa mãe, obrigando-a, muitas vezes, a pagar pelos estudos do filho e até mesmo a procurar recurso judicial para obter uma vaga na escola.“[...] eu comecei a pagar escola pra ela, paguei por um bom tempo. Eu paguei porque ninguém aceitava ela [...] eu comecei a pagar escola pra ela, paguei por um bom tempo. Eu paguei porque ninguém aceitava ela. Ai me falaram assim, que tinha que esperar minha filha tirar a bolsa pra depois ir. Outro falava assim que não tinha vaga, só que, passava dois ou três dias o vizinho conseguia por lá e eu não conseguia. Ai entrei na justiça, levei os papeis dela lá, conversei, ai em três dias eles conseguiram uma vaga pra ela” (Maria).Conforme o Art. 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): “Toda criança têm direito à educação”. Logo, fica evidente que a instituição de ensino carece dessa informação, pois tentou privar a criança de ter oportunidade de se desenvolver e sociabilizar14. A escola desconhece o ECA? Ou estaria evitando uma criança com estomia?Para outra mãe, o laço entre ela, seu filho e a creche ainda se encontra fragilizado. Além de não confiar no serviço, o medo de ter seu filho novamente doente fez com que ela restringisse a sua educação.“[...] às vezes é perigoso, assim de deixar na creche, às vezes não cuida direito, pega infecção. Tipo morro de medo dele pegar infecção!”(Aparecida).A interferência na frequência às aulas por crianças com doenças crônicas é um fato esperado, devido à doença em si, ao tratamento e ainda como consequência do preconceito vivenciado pela criança, desmotivando-as e dificultando sua adaptação escolar22. Ao questionar as mães sobre o rendimento dessas crianças, as mesmas informaram que seus filhos possuem uma grande quantidade de faltas, sendo a principal causa: o afastamento por motivos de saúde, devido às recorrentes internações e retornos médicos para dar continuidade aos tratamentos.“[...] Você acredita que agora que ela está aprendendo a ler. Só que ela falta muito.” [...] “Só sei que minha vida não foi fácil. Até hoje né, porque tem mês que tenho que ir pra Universidade. Igual esse mês, eu vou 3 vezes lá na Universidade. Que é fácil não é não” (Tereza).“[...] Ela está indo [retorno ao médico] uma vez por mês. Logo depois que ela colocou a bolsa, ela estava indo toda terça, uma vez por semana”(Maria).As mães dessas crianças enfrentam a vida com resiliência, ou seja, a capacidade de responder às demandas da vida diária de forma positiva, apesar das adversidades enfrentadas ao longo do desenvolvimento. Trata-se de um resultado da combinação dos atributos do indivíduo, de seu ambiente familiar, social e cultural23. As mães ajudam os seus filhos a superar seus problemas e tentam levar a vida da forma mais normal possível. As crianças brincam, vão à escola e participam de festas, realizam todas as atividades que cada faixa etária proporciona a elas.“Ah! Pra mim assim, não tem diferença não, acostumei com a ideia de ter bolsinha... não tenho preconceito, me lido bem com a situação. Não tenho problema não [...] tá com a fralda tampadinho, deixo ele brincar, deixo ele ir pro chão, engatinha”(Aparecida). “Brinca a vontade, eu falo pra ela pra ter uma vida normal, andar de bicicleta, nadar [...] vai pra festa, pra aniversário, roça [...] é normal a vida dela. Hoje ela usa calça apertadinha... Era só vestido largo sabe, hoje não” (Tereza).Considerações finaisO impacto do diagnóstico da doença do filho e as etapas sucessivas necessárias ao tratamento caracterizam-se como importantes momentos na vida da mãe de uma criança com estomia.Os achados do presente estudo levam à reflexão sobre a importância de uma assistência de enfermagem de boa qualidade não apenas no período pré-operatório, mas no acompanhamento contínuo da criança e da mãe, pautada no atendimento das necessidades nas dimensões biológica, social, psicológica, cultural e espiritual.A sistematização da assistência de enfermagem deve ser realizada de maneira integral, buscando amenizar o sofrimento das mães, reduzindo suas ansiedades, medos e preocupações, potencializando sua confiança para o cuidado da criança diante da nova situação vivenciada.Este estudo revelou que ter uma criança com estomia afeta toda a família, no entanto, a responsabilidade recai principalmente sobre a figura materna, pois esta, além de realizar os cuidados, está constantemente presente na evolução de seu filho. Constatou-se que a mãe abre mão de várias atividades para atender seu filho, com mudanças expressivas em seu dia a dia. Sua vida particular acaba sendo prejudicada assim como a vida profissional, ao abandonarem seus projetos e trabalhos para se dedicarem aos cuidados de seus filhos de forma integral.A inclusão social da criança sob tecnologia assistiva ainda é incipiente em nossa sociedade. São imprescindíveis as orientações que envolvem não apenas a criança e a família, mas, a sociedade, tornando-a menos preconceituosa.Ao desenvolver este estudo foi possível perceber que os princípios da integralidade da assistência estão na capacidade do profissional de saúde em estabelecer relações, escuta qualificada e ações que propiciam resolutividade às demandas globais e amplas existentes, sem o reducionismo do cuidado centrado no equipamento coletor da criança com estomia.

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Referências

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Publicado

2016-03-23

Como Citar

1.
Rosado SR, Dázio EMR, Fava SMCL, Maia PH, Filipini CB, Resck ZMR. Artigo Original 1 - Experiência de Ser Mãe de Criança com Estomia. ESTIMA [Internet]. 23º de março de 2016 [citado 25º de novembro de 2024];12(1). Disponível em: https://www.revistaestima.com.br/estima/article/view/87

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